segunda-feira, 30 de julho de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 7 – Discursos

       Numa narrativa é possível distinguir pelo menos dois níveis de linguagem: o do narrador e o dos personagens.

       Evidentemente, não se deve esquecer que a linguagem dos personagens varia de acordo com as condições socioeconômicas de seu meio, a idade, o grau de instrução e ainda a região em que vivem. Independente disso é possível reconhecer o que é narração (fala do narrador) e o que dizem os
personagens.
       Chamam-se discursos às várias possibilidades de que o narrador dispõe para registrar as falas dos personagens.

Discurso direto

       É o registro integral da fala do personagem, do modo como ele a diz. Isso equivale a afirmar que o personagem fala diretamente, sem a interferência do narrador, que se limita a introduzi-la. Há duas maneiras principais de registrar o discurso direto:

1. A mais convencional:

a) verbo de elocução (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.);

b) dois-pontos;

e) travessão (na outra linha).
Estirado por sobre a mesa, o administrador gritava:
Você já esteve no Alentejo?
(QUEIROZ, Eça de. A ilustre casa de Ramires. Rio de Janeiro, Ed. Ouro, 1978. p. 43.)


       Variantes da forma convencional

a) O personagem fala diretamente, isto é, sem ser introduzido, e o narrador se encarrega de esclarecer quem falou, como e por que falou.

— Sente-se — ordena a professora irritada.
(ÂNGELO, Ivan. Menina. In: ____A face horrível. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.p. 16.)


b) Em vez dos travessões para isolar a fala do personagem, encontramos outra pontuação: vírgula, ponto etc. Só permanece o travessão inicial.

— O meu projeto é curioso, insistiu o sardento, mas parece que este povo não me compreende.
(RAMOS, Graciliano. A terra dos meninos pelados. Rio de Janeiro, Record, 1984. p. 31.)


c) Várias falas se sucedem sem a presença notória do narrador; apenas se sabe o que fala cada personagem, por que há mudança de linha e novo travessão.

— O que é, meu rapaz?
— Eu queria conhecer a grande máquina.
— Não conhece ainda?
— Não.
— É novo na cidade?
— Nasci aqui.
— E como não conhece a máquina?
— Nunca me deixaram.
(LOYOLA BRANDÃO, Ignácio de.O homem que procurava a máquina. In: .0 homem do furo na mão.
São Paulo Ática 1987 p 41)


2. Usando aspas no lugar dos travessões:

a) verbo de elocução;

b) dois-pontos;

c) aspas (na mesma linha).
Ao me despedir de Palor, no Aldebaran vazio, eu disse:
“Vamos nos ver novamente?”
 (FONSECA, Rubem. Feliz Ano Novo. Rio de Janeiro, ArteNova, 1975. p. 100.)


Outras formas

       Modernamente os autores de ficção procuram inovar as formas de registrar a fala dos personagens, isto é, o discurso direto. Veja no exemplo abaixo, retirado do romance O ano da morte de Ricardo Reis, do escritor contemporâneo José Saramago, como dialogam Ricardo Reis, personagem central do livro, e Fernando Pessoa, recém-morto. Perceba que não há distinção entre as falas de cada personagem e a intervenção do narrador; cabe ao leitor identificar quem fala o quê.

(...) Fernando Pessoa explicou, É o comunismo, não tarda, depois fez por parecer irônico, Pouca sorte, meu caro Reis, veio você fugido do Brasil para ter sossego no resto da vida e afinal alvorota-se o vizinho do patamar, um dia desses entram- lhe aí pela porta dentro, Quantas vezes será preciso dizer-lhe que se regressei foi por sua causa, Ainda não me convenceu, Não faço questão de convencê-lo, apenas lhe peço que se dispense de dar opinião sobre este assunto, Não fique zangado, Vivi no Brasil, hoje estou em Portugal, em algum lugar tenho de viver, você, em vida, era bastante inteligente para perceber até mais do que isto, É esse o drama, meu caro Reis, ter de viver em algum lugar, compreender que não existe lugar que não seja lugar, que a vida não pode ser não vida. (...)
 (Lisboa, Caminho, 1984. p. 154.)


Discurso indireto

       É o registro indireto da fala do personagem através do narrador, isto é, o narrador é o intermediário entre o instante da fala do personagem e o leitor, de modo que a linguagem do discurso indireto é a do narrador:

(...) O outro objetou-lhe que por aqui só havia febres e mosquitos; o major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente que o Amazonas tinha um dos melhores climas da terra. Era um clima caluniado pelos viciosos que de lá vinham doentes...
(BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo, Ática, 1983 p. 23.)


       Perceba que nesse exemplo o narrador disse com Suas palavras o que disseram os personagens.

Discurso direto

O outro objetou-lhe:
— Por aqui só há febres e mosquitos.
O major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente:
— O Amazonas tem um dos melhores climas da terra. E um clima caluniado pelos viciosos que de lá vêm doentes...


Do discurso direto para o indireto

       Um exercício muito freqüente que se pede nas escolas com relação a discursos é a passagem do discurso direto para O Indireto e vice-versa. Eis aqui um quadro simplificado, apresentando as principais dificuldades na passagem do discurso direto para o indireto no que se refere à fala dos personagens:

Discurso direto
Discurso indireto

Afirmação
Paulo disse:- Eu vou.
Que
Paulo disse que ia.


Interrogação
Paulo perguntou:- Choveu?
Se
Paulo perguntou se tinha chovido
.

Tempos verbais
Presente  (indicativo)
Paulo anunciou:- Estou rico.

Pretérito perfeito
Paulo anunciou que estava rico

Pretérito perfeito
Paulo perguntou irritado:
- Quem mexeu na gaveta?


Pretérito mais-que-perfeito
Paulo perguntou irritado quem  mexera na gaveta.

Futuro do presente
Paulo falou:
-Farei uma viagem de negócios.


Futuro do pretérito
Paulo falou que faria uma viagem de negócios.

Discurso Direto
Discurso indireto

Adjuntos adverbiais
Lugar: aqui
Paulo apontou:
-Aqui é meu lugar.



Paulo apontou (dizendo) que ali era seu lugar

Tempo: hoje
Paulo perguntou:
-Hoje há reunião?
Naquele dia
Paulo perguntou se naquele dia haveria reunião?


Ontem
Paulo exclamou:
-Ontem foi o dia mais feliz da minha vida!
véspera/o do dia anterior
Paulo exclamou que o dia anterior fora o mais feliz de sua vida.


Amanhã
Paulo disse:
- Amanhã estarei de volta.
No dia seguinte
Paulo disse que no dia seguinte estaria de volta.


Pronomes
Pessoais: eu
Paulo retrucou:
- Eu estou com a razão.

Ele – ela
Paulo retrucou que ele estava com a razão.

Demonstrativos: esse - este
Paulo perguntou:
- Esse carro é meu?


Aquele
Paulo perguntou se aquele era o seu carro.


Possessivos: meu – minha
Paulo murmurou:
-Meu amor é você.

Seu – Sua
Paulo murmurou que seu amor era ela.

Obs.: Nem todas as dificuldades foram aqui apresentadas, mas este gráfico dá conta do essencial. Cabe ao aluno adaptar algumas frases, por exemplo quando o verbo de elocução não for utilizado no discurso direto, ou quando ocorrerem repetições.

Continua… Discurso Indireto Livre

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

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