terça-feira, 31 de julho de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 7 – Discurso Indireto Livre e Parte 8 – Algumas questões práticas de análise de narrativas

Discurso indireto livre

       É um registro de fala ou de pensamento de personagem, que consiste num meio-termo entre o discurso direto e o indireto, porque apresenta expressões típicas do personagem mas também a mediação do narrador. Veja as diferenças entre o discurso direto, o indireto e o indireto livre no quadro abaixo:

Discurso direto
Ela andava e pensava:- Droga! Estou tão cansada!
Discurso indireto
Ela andava e pensava que (a vida) era uma droga e que estava cansada
Discurso indireto livre
Ela andava (e pensava). Droga! Estava tão cansada.

Características do discurso indireto livre

1. Geralmente é usado para transcrever pensamentos.

2. Mantém as expressões peculiares do personagem (por exemplo, “droga!”) e a correspondente pontuação: interrogação, exclamação.

3. Não apresenta o “que” e o ‘‘se”, típicos do discurso indireto.

4. Não apresenta geralmente verbo de alocução.

5. A fala ou pensamento do personagem segue tempos verbais, adjuntos adverbiais e pronomes como no discurso direto (3ª pessoa).

(...) Ouviu o falatório desconexo do bêbado, caiu numa in ‘ J decisão dolorosa. Ele também dizia palavras sem sentido, conversava à toa. Mas irou-se com a comparação, deu marradas na parede. ( NARRADOR)

Era bruto, sim Senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia bebedouro, consertava as cercas, curava os animais — aproveitava um casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? (...) ( personagem – discurso indireto livre)
(RAMOS, Graciliano Vidas secas. Rio de Janeiro, Record, 1982. p. 35-6.)

Algumas questões práticas de análise de narrativas

Questões gerais

1. Comandos diferentes: você pode se ver frente a questões (exercícios, perguntas, testes etc.) que suponham análise de texto (qualquer tipo de texto); neste caso saiba distinguir:

Identificar: é reconhecer, achar um elemento entre outros;

Comentar: é geralmente tecer comentários gerais sobre o conteúdo do texto, o que supõe uma leitura atenta;

Relacionar/Comparar: é estabelecer os pontos comuns e diferentes entre dois elementos do texto ou entre ele mentos do texto e da realidade (do autor, do leitor etc.);

Analisar: é separar as partes, compará-las e tirar conclusões lógicas, coerentes com o texto;

Interpretar: pode significar comentar ou analisar, dependendo do contexto; de qualquer forma, é uma tarefa que deve se ater aos limites do texto, evitando-se, sempre que possível, misturar as afirmações do texto com aquilo que achamos;

Dar opiniões: é posicionar-se criticamente frente ao texto, ou a algum aspecto dele, emitir idéias pessoais, desde que comprovadas com argumentos lógicos ou com passagens do texto.

2. Como citar: nem sempre é necessário citar o texto que se analisa para responder a uma questão sobre ele; você pode (e até deve) resumir “com suas palavras” o que o texto diz para explicar algum aspecto do texto. Mas há casos em que é necessário citar, ou porque isso foi solicitado (com comandos do tipo: retire do texto, transcreva etc.), ou porque quer provar com as palavras do texto uma opinião sua a respeito de uma questão polêmica suscitada pela leitura. Assim, para citar, use:

aspas: sempre que for citar o texto integralmente ou parte dele;

reticências entre parênteses: para abreviar a citação, isto é, pular um pedaço da seqüência do texto.

Por exemplo: “xxxxxxxxxxxxx (...) xxxxxxxx”

Obs.: Se você necessitar citar outros textos de outros autores para fundamentar suas posições na análise de um texto, proceda como foi mencionado acima e não se esqueça de dar a fonte bibliográfica: autor, obra, edição, cidade, editora, ano, torno, volume, capítulo e página.

Questões específicas (do texto narrativo)

       Vamos tomar como base o texto a seguir para esclarecer alguns problemas específicos da análise das narrativas que costumam apresentar dificuldades:

       1º p.     Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando empostação de voz, a música quadrafônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala? perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.

       2° p.     Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?

       3° p.     A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e minha mulher estávamos gordos. E aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher na da pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta.

       4º p.     Vamos dar uma volta de carro? convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.

       5° p.     Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu carro. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na Avenida Brasil, ali não po dia ser. muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminanda, cheia de árvores escuras, o lugar ideal Homem ou mulher? realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava o alivio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande do se de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos Joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões dei uma guinada rápida para a esquerda passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em onze segundos Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de Subúrbio.

6.° p. Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os Pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.

7.° p. A família estava vendo televisão. Deu a sua Voltinha, agora está mais calmo? perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fíxamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.
(FONSECA Rubem Passeio noturno
In:________Feliz Ano Novo. Rio de Janeiro, Artenova, 1975. Parte i, p. 49-50.)

Continua…

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

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