sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Oswald de Andrade (Pau-Brasil)

Análise por Talita Pascoal Bonfim Loubaque
Maíra, publicado pela primeira vez em 1976, é bastante oportuno para entender o conflito de seres que se separam das suas raízes culturais e buscam recuperar sua identidade. Em Maíra, Darcy Robeiro revive as emoções dos anos em que conviveu com os índios, seu tema é a dor e o gozo dos índios.

 O livro narra a história de um índio que, adotado por um padre e convencido a seguir o sacerdócio, questiona sua verdadeira fé e entra em conflito por ter abandonado seu povo.

 Os dois personagens principais, o índio Avá e a jovem loura Alma, por vezes se perdem na busca de uma integração sem conflitos, enveredando pelo caminho da auto-destruição. Avá saiu de sua aldeia ainda menino, para se tornar sacerdote cristão e “aprender com os padres a sabedoria dos caraíbas”. Depois de ir até Roma, ele volta para sua tribo como se tivesse “perdido a alma, roubada pelos curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre os bichos”. Seu drama instiga o leitor na sua volta: “Tudo que tenho são duas mãos inábeis e cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca”.

 Em alguns momentos, Darcy Ribeiro nitidamente se une ao angustiado índio Mairum, que vive extirpado de suas tradições, e constrói com o leitor um coro de indignação: Este é o único mandato de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes (p. 33).

 Renomeado com o nome cristão Isaías, o profeta bíblico, o personagem Avá também é um dos porta-vozes do discurso veemente e indignado que perpassa toda a obra, escrita em tempos de censura e perseguição. Nos tempos em que a ditadura assolava o interior do país em busca de "integrar" o índio à sociedade e o próprio Darcy Ribeiro se encontrava no exílio, a busca persistente da resistência em meio ao caos é claramente perceptível ao leitor.

 O livro é também intercalado por relatos detalhados da natureza, cenário em que ocorre boa parte da trama. Pássaros, rios e caçadas, o cheiro da morte e dos rituais fúnebres, o sexo, as festas e as lutas, tudo aparece ardente na narrativa, só contida pelo lamento da perda das tradições que o antropólogo insistiu, até o fim da vida, em reconhecer e valorizar como suas também.

 A obra é uma combinação de recursos da linguagem literária e filosófica, aventura conseguida apenas por Platão, em Diálogos, e no teatro de Sartre. Reflete uma opção clara de linguagem e de visão de mundo que se alinha na tradição de construção de uma literatura que procura expressar e interpretar nossa "brasilidade" ou, como prefere (e se empenha) seu autor, realizar "um espelho para o brasileiro se ver".

 Segundo o próprio Darcy Ribeiro, em Maíra ele entra no corpo do índio e olha o mundo com os olhos do índio. Tenta carnalizar a dor de ser índio. É também um livro de gozo, da gente que não herdou a brutalidade, a bossalidade judaica-cristã, coisa que ele, autor, nunca poderia ter expressado como antropólogo que é.

 O resultado é a partilha com o leitor do sistema de valores de uma cultura indígena tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade.
 
Fragmento

 Para mim esses mairuns já fizeram a revolução em liberdade. Não há ricos, nem pobres: quando a natureza está sovina todos emagrecem, quando a natureza está dadivosa todos engordam. Ninguém explora ninguém. Ninguém manda em ninguém. Não tem preço esta liberdade de trabalhar e de folgar ao gosto de cada um. Depois, a vida é variada, ninguém é burro, nem metido à besta. Para mim a Terra sem Males está aqui mesmo, agora.

 Nem brigar eles brigam. Só homem e mulher na fúria momentânea das ciumeiras. Deixa essa gente em paz, Isaías. Não complique as coisas rapaz. A discussão sobre os conceitos de integração e interação é sempre oportuna quando se trata de analisar o processo ocorrido quando dois universos, sociedades ou até mesmo conjuntos de idéias entram em contato. O debate sociológico é de longa data, suficiente para gerar um verbete para cada um dos conceitos nos dicionários destinados ao público amplo. Integração ocorre quando dois ou mais entram em contato e perde-se a especificidade de cada um deles: "tornar-se parte integrante, incorporar-se" (Aurélio), ou, especificamente no âmbito da sociologia, "unificação social, processo que garante inteireza de um grupo social ou instituição" (Caldas Aulete). Já a interação ocorre quando duas partes entram em contato, mas a especificidade de cada uma delas é mantida.

 O caráter hierárquico de uma sobre a outra desaparece, ou pelo menos é atenuado, culminando com a seguinte definição: "influência social recíproca" (Caldas Aulete) ou "ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais coisas" (Aurélio).Uma das facetas do educador, antropólogo e político Darcy Ribeiro se pautou pela busca da compreensão do choque (ou integração) entre o universo do branco e o do índio, além de uma militância ostensiva na busca da transformação do Brasil em um país mais justo e, nas suas palavras, como protagonista de um "desenvolvimento autônomo". O primeiro romance escrito pelo autor, Maíra, é, com certeza, um marco nessa batalha. Publicado pela primeira vez em 1976, a obra teve 48 edições em oito línguas. Ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro e Antonio Houaiss, entre outros.

 A obra já foi adaptada para o teatro e, pouco antes da sua morte, em 1997, Ribeiro anunciou um contrato para que ela vire um filme, a exemplo de outro texto, intitulado “Uirá vai ao encontro de Maíra. As experiências de um índio urubu-kaapor que saiu a procura de Deus". Sobre a possibilidade do filme Maíra, declarou: “Quero ver meus personagens encarnados em bons artistas e, mais ainda, os deuses Maíra e Micura mostrando ao grande público o fundo do pensamento indígena e sua cosmogonia, totalmente oposta à cristã, em que o gozo não é pecado, mas uma dádiva dos deuses”.Publicado entre seus clássicos da etnologia e da antropologia da civilização, a obra é bastante oportuna para entender o conflito de seres que se separam das suas raízes culturais e buscam recuperar sua identidade. O dois personagens principais – o índio Avá e a jovem loura Alma – por vezes se perdem na busca de uma integração sem conflitos, enveredando pelo caminho da auto-destruição.

 Avá saiu de sua aldeia ainda menino, para se tornar sacerdote cristão e “aprender com os padres a sabedoria dos caraíbas”. Depois de ir até Roma, ele volta para sua tribo como se tivesse “perdido a alma, roubada pelos curupiras e vivido por anos a fio como bicho entre os bichos”. Seu drama instiga o leitor na sua volta: “Tudo que tenho são duas mãos inábeis e cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca”.Em alguns momentos, Darcy Ribeiro nitidamente se une ao angustiado índio Mairum, que vive extirpado de suas tradições, e constrói com o leitor um coro de indignação: "Este é o único mandato de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes" (p. 33).

 Renomeado com o nome cristão Isaías (o profeta bíblico que ficou conhecido como "aquele que clama no deserto"), o personagem Avá também é um dos porta-vozes do discurso veemente e indignado que perpassa toda a obra, escrita em tempos de censura e perseguição. Nos tempos em que a ditadura assolava o interior do país em busca de "integrar" o índio à sociedade e o próprio Darcy Ribeiro se encontrava no exílio, a busca persistente da resistência em meio ao caos é claramente perceptível ao leitor. Em uma entrevista, pouco antes de morrer, ele declarou que, quando escreveu Maíra, no Peru, não se sentia exilado, porque o trabalho de escrever devolvia o convívio entre os índios Urubus-Kaapor e Kadiwéus, ocorridos principalmente na década de 50.O livro é também intercalado por relatos detalhados da natureza, cenário em que ocorre boa parte da trama. Pássaros, rios e caçadas, o cheiro da morte e dos rituais fúnebres, o sexo, as festas e as lutas, tudo aparece ardente na narrativa, só contida pelo lamento da perda das tradições que o antropólogo insistiu, até o fim da vida, em reconhecer e valorizar como suas também.

 Deste modo, a obra, mesmo não sendo um dos clássicos analíticos de Darcy Ribeiro, coleciona elogios entre grandes pensadores, como Alceu Amoroso Lima e Celso Furtado. Furtado chegou inclusive a citá-la em seu discurso na Associação Brasileira de Letras, em 1997, como uma combinação de recursos da linguagem literária e filosófica, aventura conseguida apenas por Platão, em Diálogos, e no teatro de Sartre.O resultado é a partilha com o leitor do sistema de valores de uma cultura indígena tão rica, oprimida, e contraditória com os valores hegemônicos da nossa sociedade. Uma leitura bastante recomendável àqueles que visam à integração do país a uma lógica de crescimento econômico.  

Fonte:
Sos Estudante

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