terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ana Maria Machado (Lenda grega recontada: A Tapeçaria de Aracne)


Há muito, muito tempo, na Grécia Antiga, contavam que Palas, a deusa da sabedoria (que mais tarde os romanos chamariam de Minerva), ensinava todos os segredos de fiação e tecelagem a uma moça chamada Aracne. 

Aracne era de origem humilde, mas se tornou tão habilidosa com fios e tramas que até as ninfas dos bosques e dos rios vinham vê-la trabalhar. Não só porque os tecidos que fazia eram incomparáveis, mas até porque a graça de seus movimentos tinha a beleza de uma arte, desde que puxava os chumaços de lã ou cânhamo até quando fazia novelos e meadas. E, principalmente, depois, quando a linha macia e longa se convertia em belos panos num tear ou era ricamente bordada em desenhos divinos. Divinos, sim. Pois todos os que viam o trabalho de Aracne logo concluíam que ela aprendera seu ofício com Palas, e cobriam a deusa de louvores.

Ora, quanto mais atenção atraía, mais Aracne se ofendia com os elogios a Palas e negava qualquer mérito à deusa. Até que certo dia acabou exclamando:

Sou muito melhor tecelã que Palas! Se ela viesse competir comigo, todos iam ver isso. E, se me vencesse, poderia fazer comigo o que quisesse. 

Antes de aceitar o desafio, a deusa se disfarçou e veio visitar Aracne sob a forma de uma velha, aconselhando-a a respeitar a experiência e a sabedoria dos anciãos e a reconhecer a superioridade dos deuses.

— Se você se arrepender de suas palavras e pedir perdão, tenho certeza de que Palas a perdoará — disse.

— Você está é de miolo mole, sua velha. Quer dar conselho? Vá procurar suas netas... Eu me defendo sozinha. Palas tem medo de mim. Se não tivesse, já teria vindo me enterrar.

A velha deixou cair o disfarce e se revelou em todo o seu esplendor:

— Pois Palas veio, sua tonta!

As ninfas e todas as mulheres se prostraram diante da deusa, mas Aracne manteve seu desafio. 

Sem perder tempo, cada uma das duas foi para um canto do enorme salão, com seus novelos, meadas, fios e seu tear. 

Durante muito tempo, uma belíssima tapeçaria foi surgindo em cada tear. Palas fez questão de ilustrar em seu bordado todas as histórias de mortais que tinham desafiado os deuses e os terríveis preços que tiveram de pagar por isso. Aracne, por outro lado, mostrou em sua tapeçaria os inúmeros crimes que os deuses já tinham cometido, recriados com exatidão e minúcia de detalhes. Cada uma, ao final, rematou seu trabalho com uma preciosa moldura tecida.

Ninguém se surpreendeu com a perfeição da obra de Palas. Mas quem ficou surpresa foi a deusa, pois, por mais que procurasse o mínimo defeito na obra de Aracne, não conseguiu encontrar uma única falha. Com raiva, bateu várias vezes com seu bastão na testa da tecelã. 

Não suportando a dor, Aracne passou um fio no pescoço para se enforcar. Mas Palas teve pena e a segurou, suspensa no ar, dizendo:

— Você tem má índole e é vaidosa, mas tenho que respeitar sua arte. Não admito que morra. Porém, você e seus descendentes viverão sempre assim, suspensos o tempo todo.

E, ao partir, borrifou-lhe uma poção que fez o cabelo da moça cair, a cabeça e o corpo encolherem, os dedos crescerem, e a transformou para sempre numa aranha, condenada a fabricar fio e teia até o final dos tempos. Sempre com perfeição incomparável. 

Fonte:
Revista Nova Escola

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