domingo, 18 de novembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Botequim)


O texto de Gianfrancesco Guarnieri, encenado em 1973, é tanto uma metáfora sobre a situação política do país como também uma imagem do próprio teatro, encurralado pela repressão da ditadura militar. É uma das produções representativas do teatro de resistência.

A peça se passa dentro de um velho botequim, que simboliza a oposição às mudanças impostas pelo desenvolvimento econômico, onde um grupo heterogêneo de freqüentadores fica preso durante uma noite de tempestade. Apesar do recurso à metáfora e à reviravolta no enredo, que faz com que, em dado momento, se instaure a festa em lugar do desespero, é a análise social o que efetivamente marca o texto, que faz de cada personagem a expressão crítica de um determinado comportamento diante da situação adversa. O cenário realista de Arlindo Rodrigues reproduz os elementos e as características dos estabelecimentos antigos, a sonoplastia ambienta a situação com um constante som de chuva, a direção de Antônio Pedro Borges se concentra sobre os comportamentos e as ações das personagens. 

Roberto de Cleto, no jornal Última Hora, assim resume as qualidades do espetáculo: 

"Um cenário de Arlindo Rodrigues muito bonito, que reconstitui com perfeição velhos botequins do Rio, hoje quase inexistentes. Uma interpretação absolutamente sensacional de Oswaldo Louzada, de uma verdade tão grande que às vezes a gente tem a impressão que frases que ele está dizendo não são absolutamente de Guarnieri, mas dele mesmo, tal a sinceridade com que soam. Uma garra e uma verdade também muito grandes de Marlene".[1]

Aldomar Conrado, no Diário de Notícias, ressaltando a direção seca e direta, comenta o desempenho dos atores em cada personagem: 

"Na condução dos atores, Antônio Pedro revela-se excepcionalmente seguro. Não existe um ator sequer a quem fazer restrições. Evidente que alguns se sobressaem pela própria oportunidade que os personagens lhes oferecem, mas o nível geral é de rara qualidade. Marlene (em que sempre admiramos a cantora e sempre duvidamos do talento de atriz) explode no Botequim com uma força, uma garra, que lhe garantem, de antemão, uma nova carreira cheia de sucesso. Isolda Cresta estava precisando, há muito tempo, da oportunidade que Olga lhe oferece. E a atriz cria um personagem pungente, rico em sutilezas, certamente o melhor momento de sua carreira [...]. Louzadinha - Oswaldo Louzada, vivendo um Carrapato com profunda humanidade. Ivan Candido, com extrema correção, num personagem totalmente impossível: o operário. Thaia Perez e Eduardo Tornaghi interpretam com uma sinceridade comovente os dois jovens estudantes, que no final da peça são considerados 'contaminados' pelas autoridades sanitárias. Alvim Barbosa e Toninho Vasconcelos como os Encapados pareceram-nos à vontade demais. Para André Valli, um destaque especial. O Túlio criado por André terminou me acompanhando até agora. Eu não consigo esquecer aquele ar pungente de quem é leitor da seção Cartas do Leitor, de quem nunca prevaricou, de quem sempre grita estrangulado. Um personagem, enfim, que termina sendo um pouco o protótipo de todos nós, na nossa impossibilidade de gritar mais alto. E que André Valli realiza com muita segurança".[2]

Numa época em que o realismo foi banido do palco como estilo preferencial de denúncia e reflexão política, Guarnieri consegue se manter no fio da navalha: escapa à censura e transmite sua mensagem ao público por meio de uma metáfora mais humana do que didática. Em depoimento ao Serviço Nacional de Teatro - SNT, ele define Botequim e Um Grito Parado no Ar como um "teatro de ocasião", explicando: 

"um teatro que eu não faria se não fossem as contingências. Que não corresponde, exatamente, ao que eu, como artista, estaria fazendo. Agora, como artista, eu também verifico minha realidade, e sei até quando, até onde e como a gente pode dizer e fazer as coisas".[3] 

Notas

1. CLETO, Roberto de. Botequim. Última Hora, Rio de Janeiro, 07 mai. 1973.
2. CONRADO, Aldomar. Botequim (o espetáculo). Diário de Notícias, Rio de Janeiro, sem data.
3. ALMEIDA, Abílio Pereira de et al. Depoimentos V, Rio de Janeiro: SNT, 1981 apud FARIA, João Roberto. O teatro na estante: estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira. 1998. p. 167.

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