quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Cristina Pires (Sonetos Escolhidos)


SILÊNCIOS QUE PERDURAM

 Serás tu, Tempo, responsável pelo uso
 Dos mares e das naus perdidas nas rotas
 Dos céus gastos p'las asas das gaivotas
 Que rondam o patamar de um olhar difuso?

 Serás tu, Tempo, o guardião das imortais
 Trocas de frases silenciosas e das rondas
 Dos desejos que pululam em tíbias ondas?
 Gastaram-se as janelas, e os véus orientais

 Que estas mãos tanto amarrotaram...figurantes
 De um cenário de passos e risos vagantes!
 Gastaram-se, para sempre, as rocas e os fusos

 Que urdiam colchas em lentas e suaves gavotas.
 Só os muros, forrados com ais poliglotas,
 Ó Tempo, não se usam c'os silêncios reclusos…

EFÉMERO

 Ilusões! Ilusões e desencantos!
 Ouropéis... consciências ressequidas
 Nas ruelas das lágrimas pungidas
 P'la Essência nefanda de alguns cantos.

 Céus! Glória! Entoam mudos os santos
 Do vale Azul da alma, que com bridas
 De algodão chafurdam às escondidas
 Nas promessas olvidadas nos prantos.

 Almos encantos! Queixumes opacos
 Em esquifes sublimes de uns patacos,
 Purgam no fel de ventos subalternos.

 Vai! Adentra, sem dó, no prazer rubro
 E sepulta, na Terra, esse delubro,
 Dos pórticos de ferro e dos Infernos!

GEADAS DE INVERNO

 Por entre as frestas, cinzeladas na janela
 do meu singelo olhar, perdido num vão,
 Assisto a duelos, entre o Sol e o Deus Trovão,
 Nos frios lençóis dum leito ornado de procela.

 Glaciais rajadas, vêm num ímpeto selvagem,
 Fustigar, calmamente, o fraco Sol restante
 nos poiais azuis celestes, do árido semblante,
 Que me ofertaste, gentilhomem, com friagem.

 Se o Vento, cruel, não permite um fim feliz,
 Nem deixa entrar as réstias finais dum dia claro,
 Que seque já a Primavera..., e a cicatriz

 Que tu deixaste, em geadas, e extinguiste, assim,
 as altaneiras chamas, fósseis dum amparo
 num Inverno conjugal; num leito de marfim!

NOITES DE ÂMBAR E D'ARGENTO

 Folheio, em um resumo, as belas noites quentes; 
 As noites salpicadas de âmbar e de argento, 
 Que iluminavam paixões, em quartos crescentes, 
 Com brilhos intensos, levados pelo vento... 

 Foram tão breves as insónias no teu corpo; 
 Nos braços teus..., relíquias dum tempo voraz! 
 Amante fui, amante sou, e serei porto 
 Dos teus passados! Já passados, fica a paz... 

 Relembro, hoje, os teus cabelos já nevados 
 No frio do Inverno cruel; os lençóis enrugados; 
 A minha pele de tons cor de rosa murcha... 

 Agora, não sei dormitar só e ao relento; 
 É, pois, nos braços teus, que morre o sofrimento 
 Do corpo meu, que pelo teu, tanto estrebucha…

XV - REMINISCÊNCIAS DESSE BEIJO 

 Ah ! Aprazíveis eram aqueles momentos, 
 Quando, eufórica, ficava à tua espera 
 À janela, vestida de carmim e hera, 
 Flutuava nas alamedas do firmamento. 

 Ah ! Que ainda hoje rememoro esse beijo, 
 Que de tão incendiário, desbastava o pranto, 
 Quando me banhava sob o nenúfar branco, 
 Na noite..., sob o luar prateado de desejo, 

 E hoje figuram as marcas do resguardo, 
 Nas folhas dos álamos..., nas horas do aguardo 
 Onde deixei solitário e virgem, o carme. 

 Hoje, trajo-me tão só de velhas lembranças… 
 Enterradas no peito ficam as tuas danças, 
 Daquele incendiário beijo pleno de charme.

XIV - BEIJOS LÍRICOS 

 Quando, eufórica, ficava à tua espera, 
 À janela via as andorinhas passar... 
 Vestidas de gala voando no versejar, 
 Voam, como eu voo, nas esquinas da primavera ! 

 Ficam os tempos, vão-se as cálidas vontades, 
 De abraçar o tempo fútil, desperdiçado 
 Em retóricas infecundas do passado, 
 Que só voltam nas asas livres das saudades ! 

 Ah ! Quem me dera viver a vida outra vez, 
 Lutar arduamente contra esta timidez, 
 E deixar de enaltecer tantos sofrimentos ! 

 Cortar as asas do abutre venenoso, 
 Morrer no antídoto do beijo amoroso... 
 Ah ! Aprazíveis eram aqueles momentos !

XII - BEIJO DO PECADO 

 Flutuava nas alamedas do firmamento, 
 De mãos dadas com a cupidez e o pecado. 
 Que mais me dá se me ofertam o mau olhado 
 Se é o teu beijo que me invade o pensamento ? 

 Permaneçam com o meu corpo!... Tanto dá ! 
 Essa não é essa a minha maior preocupação. 
 Que deixem a minha alma viver na monção... 
 Modesta moradia que a Terra engolirá. 

 Para ver-te chegar vestido de canela, 
 Nem os ventos me arredarão desta janela, 
 Nem os Diabos afastarão esta quimera, 

 Recolher esses teus doces lábios nos meus. 
 Impávida vejo-os passar esses ateus, 
 À janela, vestida de carmim e hera.

VII - BEIJO PROFANO 

 E hoje figuram as marcas do resguardo, 
 Nos rostos carcomidos pela vil demência, 
 De pensar que cada beijo alimenta a ausência, 
 Da liaça que preserva cada novo fardo. 

 Assim fui ! Demente ! Ávida de prazer ! 
 Febre delirante..., obcecação pelo achaque. 
 Fui larápia e profana. Ah ! Ignorei o vate. 
 Choro os pesares sem saber o que fazer. 

 Ilumina-me neste empedrado caminho, 
 Deus das Trevas, cede-me as hastes do azevinho, 
 Sucumbirei aos castigos por tanto vicejo. 

 Saberei reprimir esta minha avareza, 
 Quando adormeço nua no seio da natureza, 
 Na noite..., sob o luar prateado de desejo !

IV - BEIJO SALGADO 

 Hoje trajo-me tão só de velhas lembranças, 
 Como um ancião soneto que resiste ao tempo, 
 Em cadência, ritmo da dança do lamento, 
 Nas harpas suaves, acordes e ressonâncias. 

 Salteador implacável foste dos meus véus, 
 Trovador de lira, cancioneiro do luar, 
 Amo da lisonja, ático do meu pecar. 
 Excomungada serei dos valentes céus, 

 Se enxugar o sabor a sal do meu caminho. 
 Ébria solitária, cálice em desalinho, 
 Recuso veementemente a oferenda alarde. 

 Ao lado do orvalho do cardo das saudades, 
 Encaro o maligno Deus das Tempestades, 
 Onde deixei solitário e virgem, o carme !

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/meulivro.php?a=4

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