sábado, 26 de janeiro de 2013

J. G. de Araújo Jorge ("Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou") Parte 18


Corrêa de Araujo
(Raimundo Correa de Araújo)
(Pedreiras/MA, 29 maio 1885 – São Luis/MA, 24 agosto 1951)

" AQUELES OLHOS "

Ela olhou e passou, graciosa e bela.
Passou... e foi-se para sempre, embora
brilhe em meu coração, desde tal hora,
ditosa, a doce luz dos olhos dela...

Estrela que no azul cintila e mora,
viu-a o Poeta e emocionou-se ao vê-la;
e amou a estrela doidamente, e a Estrela
fugiu, fulgindo, pelos céus afora...

Desde então, muitos anos já passaram;
talvez haja fechado - a garra adunca
da morte, - os olhos que me deslumbraram..

Neste vale de lágrimas e abrolhos,
viva cem anos, não verei mais nunca
olhos tão lindos como aqueles olhos!

DENTRO DO ABISMO

Morria... O abismo embaixo, esboroadas
Fauces horríveis para o espaço abria,
E eu suspenso no vácuo, as mãos pousadas
Nas margens negras, já sem fé morria.

Sei que caí mas que, ao cair, sagradas
Mãos me ampararam na voragem fria;
E, ao despertar, Alguém d'asas doiradas,
Alguém que eu amo, junto a mim sorria.

Eras tu! Amparaste-me a fugiste:
E eis-me de novo cheio de desditas!
E eis-me de novo desvairado e triste!

E clamo e gemo... que cruel contraste!
És tu agora que me precipitas
No meu abismo donde me tiraste!

NA ARENA

Sou cavalheiro e menestrel, chorosas,
Notas desfiro no arrabil das dores;
Brando a lança de lendas luminosas
E a guitarra imortal dos trovadores.

Buscando justas e buscando amores,
Vêm-me em sonhos todas as formosas,
Com uma harpa de pétalas de flores,
Com uma espada de jasmins e rosas.

Seguirei combatendo destemido,
E quando um dia em chagas escarlates
Entre agonias eu tombar vencido,

Oh! bando loiro em sonhos absorto!
Ponde este gládio tosco dos combates
Na tumba azul do cavalheiro morto.
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Fernando Torquato Oliveira 
(Rio de Janeiro/GB, 1913 ).

 CERTEZA 

Hás de ser minha, sinto que estás perto,
como alguém que procura, a cada passo
ser a presença que faltou no espaço,
ou ganhar vida em sentimento incerto.

Não procuro caminhos, nem desfaço
a sombra momentânea, e nem desperto
a poesia latente onde, por certo
vibrarás - sensualíssimo compasso.

Porque despontarás a qualquer hora
vinda do azul cruzado pelos mastros
onde a espuma dos sonhos se demora,

ou virás silenciosa, sob os astros,
um momento talvez antes da aurora
quando o amor busca o amor quase de rastros.

MARINHA

Daquele dia breve, inesperado,
recordo a areia, o finar, a vastidão,
gravados com requintes de artesão
no reverso do mundo iluminado.

Recordo o pormenor de uma canção,
gente no dorso liquido, boleado,
o teu nudismo quase consumado,
o zumbido difuso da extensão...

Vagas avultam, prontas ao massacre,
e vagas de cristal... tocando, algumas,
teus pés de unhas polidas, cor de lacre.

Recordo o fundo azul, teu corpo, brumas,
o cheiro, mais sabor, mesclado de acre,
do "champanhe" espoucante das espumas.

MUNDO

Estás ausente. Pela porta aberta
vê-se, lá fora, a trilha luminosa
dos teus pés delicados, que se foram
em busca cie utensílios ou de plantas

Na mesa tosca, longe do papel
um lápis guarda versos na grafita;
há novelos de lã pelo silêncio
com que teces amor para agasalhos.

Delineiam-se frutas saborosas,
descansam porcelanas na penumbra
onde adejam lembranças dos teus gestos.

Nas folhagens cativas, mas felizes,
paira um rumor de pétalas cumprindo
a receita singela de uma flor.

SOLIDÃO

Gosto da solidão, mas por egoísmo.
Piso as estradas ermas, onde a vida
é sincera, nostálgica, esquecida,
entregue ao seu tranqüilo fatalismo.

Posso pensar em ti longe da lida
e do fragor amorfo do realismo.
Minha paixão procura a cor do abismo,
colho temas na estrada impercorrida.

Não há ninguém no azul desses momentos.
Águas mansas, talvez... E a reticência
das coisas vagas, sem delineamentos.

Envolve-me a poesia. Na inclemência
das distâncias, dos rumos, e dos ventos,
paira, como um perfume, a tua ausência. . .

VORAGEM

Recordei-me de ti naquele instante.
No silêncio, entre os riscos dos bambus,
havia um plano de águas, onde a luz
batia quase oblíqua, cintilante.

junto da relva, em movimentos nus,
singela flor da margem, vacilante,
refletia-se inteira, sem cambiante,
sobre os tons a pincel, argênteos... crus.

A lâmina, entretanto, foi quebrada
por algo que não vi, e a flor singela
fugiu na agitação da água nublada.

Sumiste certo dia, muito bela,
entre as ondas concêntricas,
levada por uma tempestade igual aquela.

Fonte:
– J.G . de  Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963

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