terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Marcelo Spalding (Figuras de Linguagem e A Escrita Criativa)


Publiquei um texto com 3 dicas para a escrita criativa. A repercussão foi grande, maior do que a média, e surgiram alguns pedidos para novos textos nesse sentido. Resolvi, então, disponibilizar o material de uma das aulas da minha Oficina de Escrita Criativa Online, sobre figuras de linguagem, algo fundamental para quem quer escrever um texto com literariedade (o que não se aplica apenas para escritores, pois de um texto jornalístico, publicitário ou acadêmico também se requer alguma literariedade).

Figuras de linguagem, como se sabe, são estratégias/recursos que o escritor pode aplicar no texto para conseguir um efeito determinado na interpretação do leitor. São formas de expressão mais localizadas em comparação às funções da linguagem, que são características globais do texto. Reconhecer figuras de linguagem, ainda que sem saber os seus nomes técnicos, ajuda a compreender a linguagem literária e o que torna um texto mais criativo.

A grosso modo, podemos dividir essas figuras em quatro grandes grupos, as de construção, de som, de palavra e de pensamento. A lista das figuras é inesgotável, mas compartilhamos alguns dos mais importantes com nosso leitor.

Figuras de construção:

Paralelismo sintático: encadeamento de funções sintáticas idênticas ou encadeamento de orações de valores sintáticos iguais. Exemplo: Funcionários cogitam nova greve e isolamento do governador. Observe que a construção "Funcionários cogitam nova greve e isolar o governador" está errada devido à falta de paralelismo.

Elipse: consiste na omissão de um termo facilmente identificável pelo contexto.

Exemplo: "Na sala, apenas quatro ou cinco convidados." (omissão de havia) 

Zeugma: consiste na elipse de um termo que já apareceu antes. Exemplo: "Ele prefere cinema; eu, teatro." (omissão de prefiro).

Anáfora: consiste na repetição de uma mesma palavra no início de versos ou frases. 

Exemplo: "Amor é um fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói e não se sente; / É um contentamento descontente; / É dor que desatina sem doer". Este poema de Luís de Camões tem quase 500 anos e até hoje é considerado um dos melhores poemas de amor da história da literatura de língua portuguesa. Confira uma releitura feita por Renato Russo na famosa música Monte Castelo.

Monte Castelo
Renato Russo

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
 E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor.
 Que conhece o que é verdade.
 O amor é bom, não quer o mal.
 Não sente inveja ou se envaidece.

O amor é o fogo que arde sem se ver.
 É ferida que dói e não se sente.
 É um contentamento descontente.
 É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
 E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer.
 É solitário andar por entre a gente.
 É um não contentar-se de contente.
 É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade.
 É servir a quem vence, o vencedor;
 É um ter com quem nos mata a lealdade.
 Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem todos dormem todos dormem.
 Agora vejo em parte. Mas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amor.
 Que conhece o que é verdade.

Ainda que eu falasse a língua dos homens.
 E falasse a língua do anjos, sem amor eu nada seria.

Polissíndeto: consiste na repetição de conectivos ligando termos da oração ou elementos do período. 

Exemplo: "E sob as ondas ritmadas / e sob as nuvens e os ventos / e sob as pontes e sob o sarcasmo e sob a gosma e sob o vômito (...)"

Inversão: consiste na mudança da ordem natural dos termos na frase. 

Exemplo: "De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco."

Silepse: consiste na concordância não com o que vem expresso, mas com o que se subentende, com o que está implícito. A silepse pode ser: de gênero: Vossa Excelência está preocupado; de número: Os Lusíadas glorificou nossa literatura; de pessoa: O que me parece inexplicável é que os brasileiros persistamos em comer essa coisinha verde e mole que se derrete na boca.

Anacoluto: consiste em deixar um termo solto na frase. Normalmente, isso ocorre porque se inicia uma determinada construção sintática e depois se opta por outra. 

Exemplo: A vida, não sei realmente se ela vale alguma coisa. 

Pleonasmo: consiste numa redundância cuja finalidade é reforçar a mensagem. Exemplo: "E rir meu riso e derramar meu pranto." . Confira abaixo um divertido vídeo sobre o pleonasmo, aqui visto como um vício de linguagem, mas lembrando que ele pode ser um recurso usado intencionalmente.

http://www.youtube.com/watch?v=Qbm2w_T4laY&feature=player_embedded

Figuras de som:

Aliteração: consiste na repetição ordenada de mesmos sons consonantais.

Exemplo: "Esperando, parada, pregada na pedra do porto." 

Assonância: consiste na repetição ordenada de sons vocálicos idênticos.

Exemplo:
 "Sou um mulato nato no sentido lato
 mulato democrático do litoral." 

Paronomásia: consiste na aproximação de palavras de sons parecidos, mas de significados distintos. 

Exemplo: "Eu que passo, penso e peço." 

 Esta música de Chico Buarque consegue ter as três figuras de som na mesma letra, confira:

Atrás da Porta
Chico Buarque

Quando olhaste bem nos olhos meus
 E o teu olhar era de adeus
 Juro que não acreditei, eu te estranhei
 Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
 E me arrastei e te arranhei
 E me agarrei nos teus cabelos
 No teu peito, teu pijama
 Nos teus pés ao pé da cama
 Sem carinho, sem coberta
 No tapete atrás da porta
 Reclamei baixinho
 Dei pra maldizer o nosso lar
 Pra sujar teu nome, te humilhar
 E me vingar a qualquer preço
 Te adorando pelo avesso
 Pra mostrar que ainda sou tua

Figuras de palavra:

Metáfora: empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, uma comparação em que o conectivo comparativo fica subentendido. 

Exemplo: "Meu pensamento é um rio subterrâneo." 

Metonímia: como a metáfora, uma palavra que usualmente significa uma coisa passa a ser usada com outro significado. A metonímia explora sempre alguma relação lógica entre os termos. 

Exemplo: Não tinha teto em que se abrigasse. (teto em lugar de casa)

Catacrese: ocorre quando, por falta de um termo específico para designar um conceito, torna-se outro por empréstimo. 

Exemplo: O pé da mesa estava quebrado.

Antonomásia ou perífrase: consiste em substituir um nome por uma expressão que o identifique:

 Exemplo: ...os quatro rapazes de Liverpool (em vez de os Beatles) 

Sinestesia: trata-se de mesclar, numa expressão, sensações percebidas por diferentes órgãos do sentido. 

Exemplo: A luz crua da madrugada invadia meu quarto. 

Figuras de pensamento:

Antítese: consiste na aproximação de termos contrários, de palavras que se opõem pelo sentido. 

Exemplo: "Os jardins têm vida e morte." 

Ironia: é a figura que apresenta um termo em sentido oposto ao usual, obtendo-se, com isso, efeito crítico ou humorístico. 

Exemplo: "A excelente Dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças." 

Eufemismo: consiste em substituir uma expressão por outra menos brusca; em síntese, procura-se suavizar alguma afirmação desagradável. 

Exemplo: Ele enriqueceu por meios ilícitos. (em vez de ele roubou)

Hipérbole: trata-se de exagerar uma ideia com finalidade enfática. 

Exemplo: Estou morrendo de sede. (em vez de estou com muita sede). A música "Exagerado", do Cazuza, é quase um hino da hipérbole.

Exagerado
Cazuza

Amor da minha vida
Daqui até a eternidade
Nossos destinos foram traçados
Na maternidade

Paixão cruel, desenfreada
Te trago mil rosas roubadas
Pra desculpar minhas mentiras
Minhas mancadas

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado

Eu nunca mais vou respirar
Se você não me notar
Eu posso até morrer de fome
Se você não me amar

Por você eu largo tudo
Vou mendigar, roubar, matar
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais

Exagerado
Jogado aos teus pés
Eu sou mesmo exagerado
Adoro um amor inventado

Que por você eu largo tudo
Carreira, dinheiro, canudo
Até nas coisas mais banais
Pra mim é tudo ou nunca mais

Prosopopéia ou personificação: consiste em atribuir a seres inanimados predicativos que são próprios de seres animados. 

Exemplo: O jardim olhava as crianças sem dizer nada.

Gradação ou clímax: é a apresentação de ideias em progressão ascendente (clímax) ou descendente (anticlímax). 

Exemplo: "Um coração chagado de desejos / Latejando, batendo, restrugindo."

Apóstrofe: consiste na interpelação enfática a alguém (ou alguma coisa personificada). 

Exemplo: "Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus!”

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