sábado, 19 de janeiro de 2013

Oliver Sacks (Memórias de uma Infância Química )


Trecho do livro Tio Tungstênio — Memórias de uma Infância Química, 
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Muitas das minhas lembranças da infância têm relação com metais: eles parecem ter exercido poder sobre mim desde o início. Destacavam-se em meio à heterogeneidade do mundo por seu brilho e cintilação, pelos tons prateados, pela uniformidade e peso. Eram frios ao toque, retiniam quando golpeados. 

Eu adorava o amarelo do ouro, seu peso. Minha mãe tirava a aliança do dedo e me deixava pegá-la um pouco, comentando que aquele material se mantinha sempre puro e nunca perdia o brilho. "Está sentindo como é pesado?", ela acrescentava. "Mais pesado até do que o chumbo." Eu sabia o que era chumbo, pois já segurara os canos pesados e maleáveis que o encanador uma vez esquecera lá em casa. O ouro também era maleável, minha mãe explicou, por isso, em geral, o combinavam com outro material para torná-lo mais duro.

O mesmo acontecia com o bronze. Bronze! — a palavra em si já me soava como um clarim, pois uma batalha era o choque valente de bronze contra bronze, espadas de bronze em escudos de bronze, o grande escudo de Aquiles. O cobre também podia ser combinado com zinco para produzir latão, acrescentou minha mãe. Todos nós — minha mãe, meus irmãos e eu — tínhamos nosso menorá de bronze para o Hanuca. (O de meu pai era de prata.)

Eu conhecia o cobre — a reluzente cor rósea do grande caldeirão em nossa cozinha era cobre; o caldeirão era tirado do armário só uma vez por ano, quando os marmelos e as maçãs ácidas amadureciam no pomar e minha mãe fazia geléias com eles.

Eu conhecia o zinco — o pequeno chafariz fosco e levemente azulado onde os pássaros se banhavam no jardim era feito de zinco; e o estanho — a pesada folha-de-flandres em que eram embalados os sanduíches para piquenique. Minha mãe me mostrou que, quando se dobrava estanho ou zinco, eles emitiam um "grito" espacial. "Isso é devido à deformação da estrutura cristalina", ela explicou, esquecendo que eu tinha 5 anos e por isso não a compreendia — mas ainda assim suas palavras me fascinavam, faziam-me querer saber mais.

Havia um enorme rolo compressor de ferro fundido no jardim — pesava mais de 200 quilos, meu pai contou. Nós, crianças, mal conseguíamos movê-lo, mas meu pai era fortíssimo e conseguia erguê-lo do chão. O rolo estava sempre um pouco enferrujado, e isso me afligia — a ferrugem descascava, deixando pequenas cavidades e escamas —, porque eu temia que o rolo inteiro algum dia se esfarelasse pela corrosão, se reduzisse a uma massa de pó e flocos avermelhados. Eu tinha necessidade de ver os metais como estáveis, como é o ouro — capazes de resistir aos danos e estragos do tempo.

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

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