sábado, 19 de janeiro de 2013

Paula Ney (Poesias Avulsas)


extraído de A Produção Poética de Paula Nei. Artigo de Bruno Scomparim Pereira (Cuiabá/MT)

A ABOLIÇÃO

A justiça de um povo generoso,
Pesando sobre a negra escravidão,
Esmagou-a de um modo glorioso,
Sufocando-a com a lei da Abolição.

Esse passado tétrico, horroroso,
Da mais nefanda e torpe instituição,
Rolou no chão, no abismo pavoroso,
Assombrado com a luz da Redenção.

Não mais dos homens os fatais horrores,
Não mais o vil zumbir das vergastadas,
Salpicando de sangue o chão e as flores.

Não mais escravos pelas esplanadas!
São todos livres! Não há mais senhores!
Foi-se a noite: só temos alvoradas!


Segundo Raimundo de Menezes, o presente soneto foi escrito nos dias que se sucederam à Abolição, em meio às comemorações que tomavam as ruas centrais do Rio de Janeiro. Diz o biógrafo que Paula Ney escreveu-o de improviso, "entre dois cálices de vermouth, em meio ao ruidar da multidão na rua".

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SEM TÍTULO

Mestre Meira mira o Moura
E o mestre Moura mira o Meira
Na marinha e na salmoura,
Mestre Meira mira o Moura,
Enquanto grita a lavoura,
Saltando doida e brejeira,
Mestre Meira mira o Moura
E o mestre Moura mira o Meira!


Jogo de palavras composto por Paula Ney, sobre desentendimentos havidos entre dois Ministros do Império: João Florentino Meira de Vasconcelos e João Pereira Moura, este ocupando a pasta da Marinha. Segundo R. de M., Ney, na ocasião trabalhando como repórter parlamentar, compôs esses versos e distribui-os aos parlamentares, na Câmara dos Deputados.

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SEM TÍTULO

Aquele piano, que ontem soluçava,
Triste e dolente, a doce cavatina
Dos teus olhos, oh! lânguida bonina,
Parecia uma órfã que chorava...

Parecia uma nuvem que espalhava
A branda luz da estrela matutina;
Parecia uma pomba que arrulhava
Na orla verde-negra da campina.

E eu chorava também... Tinha em meu peito
A dor da ausência, o perenal martírio
Dum grande amor passado e já desfeito!

Então, pedia às brisas que corriam,
Puras e leves, como o odor do lírio,
Para falar-te; e as brisas me fugiam...


Raimundo de Menezes, n'"A Vida Boêmia de Paula Ney", intitula o soneto "O Piano", afirmando que ele foi dedicado a D. Júlia Lima de Freitas Coutinho, com a qual o boêmio se casou já trintagenário. Da união matrimonial nasceram três filhos, sendo que o primogênito faleceu ainda recém-nascido, após intervenção cirúrgica. Já Ciro Vieira da Cunha possui outra versão para o poema. Segundo o biógrafo, o poema nasceu da parceria de Paula Ney e Lins de Albuquerque, poeta parnasiano morto precocemente e  que pertencia à roda boêmia de Ney. O soneto acima, sem título, teria sido, segundo Vieira da Cunha, publicado n'"O Mequetrefe", sob as inicias P. N. e L. A., após ter sido redigido em uma das mesas da Confeitaria Paschoal, no Rio. O biógrafo explica que foi o olvido que baixou sobre a figura de Lins e Albuquerque que fez  com que atribuíssem sua autoria apenas ao nome de Paula Ney. Efetivamente, a versão de Ciro Vieira da Cunha parece-nos mais fidedigna, e por isso optamos por não intitular o soneto do modo como fez Raimundo de Menezes.

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A TRANÇA

Esta santa relíquia imaculada,
De teu saudoso amor, esta lembrança,
Da vida que fugiu, arrebatada,
Ligeira, como um sonho de criança,

Nos sonos de uma noite de bonança...
- Eu guardo, junto a mim, oh! noiva amada,
Enquanto minha vista não se cansa
De vê-la e adorá-la, extasiada!

Com o fio desta trança, tão escura,
Tão negra, sim - que até minha amargura
Lhe invejaria a cor - e tão macia...

Quais pétalas de rosa, eu teço, à noite,
Da viração sentindo o brando açoite,
- O epitáfio de minha campa fria!...


Único poema de Ney de que se tem notícia  que foi publicado na imprensa, à época da composição. Foi este soneto foi estampado no periódico "A Semana", de 16 de Janeiro de 1886.

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ADORAÇÃO

Tu és minha, afinal! Enfim, te vejo
Sobre os meus braços, lânguida, prostrada,
Enquanto em tua face, descorada,
Os lábios colo e sorvo-te num beijo.

Vibra em minh'alma o lúbrico desejo,
De assim gozar-te a sós, abandonada,
De sentir o que sentes, minha amada,
De escutar-te do peito o doce arpejo!

Quando, entretanto, eu sinto que teu seio
Palpita delirante em doido anseio,
Como a luz que do sol à terra emana,

Eu digo dentro em mim: se eu te manchara,
Se eu te manchara, Flor, ai! não te amara,
Oh! branca espuma da beleza humana!


Sobre este soneto escreveu Ney da Silva: "neste encantador quatorzeto vê-se bem delineada toda a idéia: a posse, o desejo, a piedade, e, por fim, a revolta íntima de um ato pouco  digno de um coração que coloca o ideal, sempre intangível e puro, longe, muito longe, das terrenas misérias do mundo. Nele o espírito pode mais do que a matéria vil, e, assim, a doce e a inefável visão dos seus sonhares, ficou-lhe sendo sempre: 'a branca espuma da beleza humana'" – O entusiasmo quiçá exagerado do escritor se escusa pelo fato de seu parentesco com Paula Ney...

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DE VIAGEM

Voa minh'alma, voa pelos ares,
Como o trapo de nuvem flutuante,
Vai perdida, sozinha e soluçante,
Distende as asas tuas sobre os mares!

Leva contigo os lânguidos cismares,
Que um dia acalentaste, delirante,
Como acalenta o vento roçagante,
A copa verde-negra dos palmares.

Atira tudo isso aos pés de Deus,
Lá onde brilha a luz e estão os céus
E virgens mil c'roadas de verbena.

Isto que já brilhou como uma estrela,
_ Adeus! dirás, só pertenceu a ela,
Corpo de um anjo, coração de hiena!


Este poema – conta-nos R. de M. – foi escrito a bordo do navio que levou Ney, em sua mocidade, do Rio de Janeiro para Salvador, onde passou tumultuosa e alegre  temporada. O motivo da viagem, a filha de um comerciante da Corte, pela qual o jovem boêmio se apaixonara, e que lhe serviu de inspiração para o soneto transcrito.

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A FORTALEZA

Ao longe, em brancas praias embalada
Pelas ondas azuis dos verdes mares,
A Fortaleza, a loira desposada
Do sol, dormita à sombra dos palmares.

Loura de sol e branca de luares,
Como uma hóstia de luz cristalizada,
Entre verbenas e jardins pousada
Na brancura de místicos altares.

Lá canta em cada ramo um passarinho,
Há pipilos de amor em cada ninho,
Na solidão dos verdes matagais...

É minha terra! a terra de Iracema,
O decantado e esplêndido poema
De alegria e beleza universais!


Quando se pensa sobre a fama atual de Ney, constata-se que, seguramente, este soneto é seu legado mais vivo, na medida em  que a beleza dos versos de "A Fortaleza" rendeu ao poema o mérito de figurar em diversas coletâneas de poesias, sendo o soneto consideravelmente conhecido pelo público até hoje, principalmente em Fortaleza, que por muitos ainda é chamada de – A loira desposa do sol".

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/44129

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