terça-feira, 16 de abril de 2013

Luis Vaz de Camões (Caravela da Poesia XXVIII)

Fernando Pessoa e Camões
Sonetos
(foi mantida a grafia original)
026

Grão tempo há já que soube da Ventura
a vida que me tinha destinada;
que a longa experiência da passada
me dava claro indício da futura.

Amor fero, cruel, Fortuna dura,
bem tendes vossa força exprimentada:
assolai, destruí, não fique nada;
vingai vos desta vida, qu'inda dura.

Soube Amor da Ventura, que a não tinha,
e, por que mais sentisse a falta dela,
de imagens impossíveis me mantinha.

Mas vós, Senhora, pois que minha estrela
não foi milhor, vivei nesta alma minha,
que não tem a Fortuna poder nela.

162
Ilustre o dino ramo dos Meneses,
aos quais o prudente e largo Céu
(que errar não sabe), em dote concedeu
rompesse os maométicos arneses;

desprezando a Fortuna e seus reveses,
ide para onde o Fado vos moveu;
erguei flamas no Mar alto Eritreu,
e sereis nova luz aos Portugueses.

Oprimi com tão firme e forte peito
o Pirata insolente, que se espante
e trema Taprobana e Gedrosia.

Dai nova causa à cor do Arabo estreito:
assi que o roxo mar, daqui em diante,
o seja só co sangue de Turquia!

112

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:

—A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

078

Lá a saudosa Aurora destoucava
os seus cabelos d'ouro delicados,
e as flores, nos campos esmaltados,
do cristalino orvalho borrifava;

quando o fermoso gado se espalhava
de Sílvio e de Laurente pelos prados;
pastores ambos, e ambos apartados,
de quem o mesmo Amor não se apartava.

Com verdadeiras lágrimas, Laurente,
—Não sei (dizia) ó Ninfa delicada,
porque não morre já quem vive ausente,

pois a vida sem ti não presta nada?
Responde Sílvio:—Amor não o consente,
que ofende as esperanças da tornada.

127

Já não sinto, Senhora, os desenganos
com que minha afeição sempre tratastes,
nem ver o galardão que me negastes,
merecido por fé, há tantos anos.

A mágoa choro só, só choro os danos
de ver por quem, Senhora, me trocastes;
mas em tal caso vós só me vingastes
de vossa ingratidão, vossos enganos.

Dobrada glória dá qualquer vingança,
que o ofendido toma do culpado,
quando se satisfaz com cousa justa;

mas eu de vossos males e esquivança,
de que agora me vejo bem vingado,
não o quisera eu tanto à vossa custa.

105

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tão entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rústico, enganado,
quem não é com meu mal engrandecido.

Vão revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu só em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n'alma.

113

Lembranças que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente,
deixai-me (se quereis) viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado
viver (como se vê) tão descontente,
venha (se vier) o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,
perdendo-se as lembranças da memória,
pois fazem tanto dano ao pensamento.

Assi que nada perde, quem perdida
a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.

015

Lembranças saudosas, se cuidais
de me acabar a vida neste estado,
não vivo com meu mal tão enganado,
que não espere dele muito mais.

De muito longe já me costumais
a viver de algum bem desesperado;
já tenho co a Fortuna concertado
de sofrer os trabalhos que me dais.

Atado ao remo tenho a paciência,
para quantos desgostos der a vida,
cuide em quanto quiser o pensamento;

que, pois não há i outra resistência
para tão certa queda da caída,
aparar-lhe hei debaixo o sofrimento.

023

Lindo e sutil trançado, que ficaste
em penhor do remédio que mereço,
se só contigo, vendo te, endoudeço,
que fora cos cabelos que apertaste?

Aquelas tranças d'ouro, que ligaste,
que os raios do Sol têm em pouco preço,
não sei se para engano do que peço
se para me atar, os desataste.

Lindo trançado, em minhas mãos te vejo,
e por satisfação de minhas dores
como quem não tem outra, hei de tomar te.

E se não for contente meu desejo,
dir lhe hei que, nesta regra dos amores,
pelo todo também se toma a parte.

084

Males, que contra mim vos conjurastes,
quanto há de durar tão duro intento?
Se dura porque dura meu tormento,
baste vos quanto já me atormentastes.

Mas se assi perfiais porque cuidastes
derrubar meu tão alto pensamento,
mais pode a causa dele, em que o sustento,
que vós, que dela mesma o ser tomastes.

E, pois vossa tenção, com minha morte,
há de acabar o mal destes amores,
dai já fim a um tormento tão comprido,

porque d'ambos contente seja a sorte:
vós, porque me acabastes, vencedores;
e eu, porque acabei de vós vencido.

Fonte:
CAMÕES, Luís Vaz de. Sonetos. A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro . Texto-base digitalizado por: FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt) IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)
Imagem com formatação sobreposta obtidas na internet, sem identificação do autor.

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