segunda-feira, 13 de maio de 2013

Manuel Alegre (Caravela da Poesia)

Manuel Alegre de Melo Duarte (Águeda/ Portugal, 12 de Maio de 1936)

AS MÃOS

 Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
 Com mãos tudo se faz e se desfaz.
 Com mãos se faz o poema - e são de terra.
 Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

 Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
 Não são de pedras estas casas, mas
 de mãos. E estão no fruto e na palavra
 as mãos que são o canto e são as armas.

 E cravam-se no tempo como farpas
 as mãos que vês nas coisas transformadas.
 Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 De mãos é cada flor, cada cidade.
 Ninguém pode vencer estas espadas:
 nas tuas mãos começa a liberdade.

O PRIMEIRO SONETO DO PORTUGUÊS ERRANTE

Eu sou o solitário o estrangeirado
o que tem uma pátria que já foi
e a que não é. Eu sou o exilado
de um país que não há e que me dói.

Sou o ausente mesmo se presente
o sedentário que partiu em viagem
eu sou o inconformado o renitente
o que ficando fica de passagem.

Eu sou o que pertence a um só lugar
perdido como o grego em outra ilíada.
Eu sou este partir este ficar.

E a nau que me levou não voltará.
Eu sou talvez o último lusíada
em demanda do porto que não há.

ÚLTIMA PÁGINA

Vou deixar este livro. Adeus.
Aqui morei nas ruas infinitas.
Adeus meu bairro página branca
onde morri onde nasci algumas vezes.

Adeus palavras comboios
adeus navio. De ti povo
não me despeço. Vou contigo.
Adeus meu bairro versos ventos.

Não voltarei a Nambuangongo
onde tu meu amor não viste nada. Adeus
camaradas dos campos de batalha.
Parto sem ti Pedro Soldado.

Tu Rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da primavera. Vamos soltar
a primavera no País de Abril.

Livro: meu suor meu sangue
aqui te deixo no cimo da pátria
Meto a viola debaixo do braço
e viro a página. Adeus.

SOBRE UM MOTE DE CAMÕES

Se me desta terra for
eu vos levarei amor.
Nem amor deixo na terra
que deixando levarei.

Deixo a dor de te deixar
na terra onde amor não vive
na que levar levarei
amor onde só dor tive.

Nem amor pode ser livre
se não há na terra amor.
Deixo a dor de não levar
a dor de onde amor não vive.

E levo a terra que deixo
onde deixo a dor que tive.
Na que levar levarei
este amor que é livre livre.

ILHA DE COS

Eu sabia que tinha de haver um sítio
Onde o humano e o divino se tocassem
Não propriamente a terra do sagrado
Mas uma terra para o homem e para os deuses
Feitos à sua imagem e semelhança
Um lugar de harmonia
Com sua tragédia é certo
Mas onde a luz incita à busca da verdade
E onde o homem não tem outros limites
Senão os da sua própria liberdade

AS MÃOS

 Com mãos se faz a paz se faz guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

 Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

 E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

 De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.

O HOMEM SENTADO À MESA
 
Eis o homem sentado à mesa
Diante da folha branca.
Um longo, longo caminho,
Da vida para a palavra.

Decantação, purificação
Para chegar ao pássaro.

O homem que está à mesa
Atravessou muitos desertos
Virou do avesso a certeza
Naufragou nos mares do sul.

Entre ditongo e ditongo
Para chegar ao pássaro
Tu próprio terás de ser
Cada vez mais substantivo.

Irás de sílaba em sílaba
Ferido por sete espadas
Diante da folha branca
Serás fome e serás sede
Como o homem que está à mesa,

O homem tão despojado
Que a si mesmo se transforma
No pássaro que busca a forma.

Este é tempo do homem
perdido na multidão
Como ser desintegrado
Na folha branca da cidade.

Tempo do homem sentado
À mesa da solidão.

Há palavras como asas,
outras mais como raízes

O pássaro voa por dentro
Do homem sentado à mesa.
Vai de fonema em fonema
Sobre as cordas dos sentidos.
 
Se vires o homem que passa
Como se fosse no ar
Já sabes: é o homem que está
Diante da folha branca.
 
Às vezes levanta vôo
Para outro espaço, outro azul
E deixa dentro das sílabas
Um rastro como de sul.
 
Quando recordas,
Quando a tristeza
toca demais as cordas do coração
 
Quando um ritmo começa
Dentro das palavras,
 
Um sapateado inconfundível
(Malagueña, malagueña!)
E a folha branca é uma Espanha
Para cantar, para dançar
Para morrer entre sol e sombra
Às cinco em sangue...
 
Então verás chegar
O homem sentado à mesa
Às cinco en sombra de la tarde
Malagueña, Malagueña!
Diante da folha branca
Como por terras de Espanha.
 
Nos descampados deste tempo
Nos aeroportos auto-estradas
Nos anúncios sob as pontes
Talvez no marco geodésico
 
No fumo do lixo ardendo
No cheiro do alcatrão
Nos dejectos de lata e plástico
Nos jornais amarrotados
Nas barracas sobre a encosta
Na estrutura de betão
Sobre o gasóleo e a tristeza
Sobre a grande poluição
Onde nem folha ou erva cresce
 
Seco, duro, estéril tempo
Diante da folha branca
Da solidão suburbana
Onde a multidão se perde
Entre tristeza e tristeza
 
Às vezes um coração:
Talvez um pássaro verde
Ou talvez só a canção
Do homem sentado à mesa
 
O homem que está à mesa
Tem qualquer coisa que escapa
Qualquer coisa que o faz ser
Ausente quando presente
 
Às vezes como de mar
Às vezes como de sul
 
Um certo modo de olhar
Como atravessando as coisas
Um certo jeito de quem
Está sempre para partir.
 
O homem sentado à mesa
Não está sentado: caminha
Navega por sobre os mares
Ou por dentro de si mesmo.
 
Vem de longe para longe
Do passado para agora
De agora para amanhã
Está no avesso da hora!
 
Solta o pássaro, não pára,
Tem outro espaço, outro azul
Às vezes como de mar
Às vezes como de azul
 
E não se tem a certeza se está do lado de cá
Ou se está do outro lado, deste lado onde não está.
Mesmo se sentado à mesa
Não é possível detê-lo
O homem que tem um pássaro
É sempre um homem que passa.
 
Tem qualquer coisa que nem se sabe
O quê nem de quem
 
É talvez um mais além
Algo que sobe e que voa
Entre o Aqui e o Ali
Algo que não se perdoa
Ao homem quando ele tem
Um pássaro dentro de si...
 
Há um tocador a tocar
As harpas de cada sílaba
 
Diante da folha branca
Tudo é guitarra e surpresa.
 
Escutai o pássaro e o canto
Do homem sentado à mesa!

TROVA DO VENTO QUE PASSA

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/portugal/manoel_alegre.html
http://www.jornaldepoesia.jor.br/alegre.html
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html

Nenhum comentário: