sábado, 31 de agosto de 2013

Mensagem em Imagens 2 - Machado de Assis


Alfredo Santos Mendes (Livro de Sonetos)

PLAGIADORES

Há poetas que sabem enganar.
Pois nasceram eternos fingidores!
E fingem serem grandes escritores,
Mas palavras de outros, vão buscar!

Já dissera Pessoa, a versejar:
Que chegava a fingir que suas dores,
Das quais ia sentindo seus horrores,
Eram dores, que fingia acreditar!

Por isso muita gente anda a fingir,
Que escreve nos poemas seu sentir,
E orgulhoso os lê, à descarada!

O seu fingir é forte, tem poder!
Que consegue a si próprio fazer crer,
Que não é poesia plagiada!

A MEIA LARANJA

Senti meu coração alvoraçado,
Bater desordenado no meu peito.
Impávido fiquei! Fiquei sem jeito!
Que raio o pôs assim em tal estado?

Olhei em meu redor, desconfiado.
Senti-me desolado, contrafeito!
Por não compreender, a causa efeito,
Que o pusera a bater descontrolado!

Tive depois, a estranha sensação.
Que me tinham aberto o coração,
E dentro dele, alguém se aboletava!

Aos poucos o meu ser se aquietou.
Pois percebeu, que o ser, que se alojou…
Era a meia laranja que faltava!

ADEUS JUVENTUDE

Depois da juventude ultrapassada,
a vida passa a ter outro sentido.
E todo o aprendizado adquirido,
Será o nosso guia de jornada!

Teremos pela frente, tudo ou nada.
Qual deles será de nós, o nosso adido?
Será que ficaremos no olvido?
Nossa porta estará sempre fechada?

Há que sorrir em cada despertar.
E nunca esquecer de comentar:
que há mais um dia todas as manhãs!

E quando já passados muitos anos,
não devemos chorar os desenganos,
mas olhar com orgulho nossas cãs!

AGRADECIMENTO

Eu agradeço a Deus tanta ventura,
que orna a minha vida, o meu caminho!
Não deixar que em meus pés, um só espinho,
os façam fraquejar pela tortura!

Enfeitar os meus dias, de ternura,
rechear minhas horas de carinho!
Nunca deixar, que ficasse sozinho,
em triste solidão, torpe amargura!

Obrigado meu Deus, pelos amigos,
que me abraçam, me livram dos perigos,
e que por Ti, estão ao meu dispor!

A todos que me dão tanta amizade,
eu desejo a maior felicidade,
muitas graças de Deus, e muito amor!

AMAR O PRÓXIMO

Amar sem condição, amar somente!
Abrir o coração ao semelhante.
Fazer do nosso amor, uma constante,
E nas horas amargas, ‘star presente!

Amar sem condição, devotamente.
Amar só por amar, ser tolerante.
Com o próximo, não ser arrogante,
P’ra com seus impropérios, indulgente!

Tratemos toda a gente tal e qual.
Com a mesma ternura, e modo igual,
Como gostamos nós de ser tratados!

Se estendermos a todos nossas mãos!
E fizermos vivência como irmãos!
Por certo nós seremos mais amados!

CANÇÃO NAVEGANTE

Compus uma canção, lancei ao mar!
Pedi-lhe humildemente que a levasse!
E em caso de procela a amparasse,
Para nenhuma estrofe se afundar!

Às estrelas pedi para a guiar,
Ao luar que o seu rumo iluminasse.
A Neptuno roguei, que não deixasse,
De a um porto seguro a acompanhar!

Eu sei que alguém espera esta canção.
Terá seu peito arfando de emoção,
P’ra ouvir a melodia, e seu cantar!

Meus versos, um a um recolherá!
Seu peito generoso se abrirá,
Para nele a canção se aboletar!

CORAÇÃO AMANTE

Fui fazer um electrocardiograma.
Quis o meu coração compreender!
Saber se ele alterou o seu bater,
Quando se apercebeu quanto te ama!

Teria lá ficado a dita chama,
A crepitar no peito, sem se ver,
E ficará teimosamente arder…
Numa severidade desumana?

As agulhas da máquina vibraram.
Nas folhas de papel elas deixaram,
Um tracejado torto, transversal!

Diz o cardiologista, meio sem jeito:
Você tem a pular dentro do peito.
Um coração amante sem igual!

DEUS QUEIRA

Ficar sem ti, amor, será meu fim.
Não irei suportar tua partida.
És um órgão vital na minha vida…
És um gene que faz parte de mim!

És parte do meu corpo…tu és, enfim,
A fonte alimentar mais requerida.
Não podes fraquejar, sê aguerrida…
Não aceites a morte e o seu afim!

Não permitas que ceifem teu viver.
Minha vida darei para te ter,
Sempre juntinha a mim, à minha beira!

Mas se eu te vir partir para o além,
Mais nada neste mundo me detém,
Breve irei ter contigo, assim Deus queira

DIREITOS HUMANOS

Cortaram meu cordão umbilical!
Fiquei um ser liberto nesse dia!
Foi como receber a alforria…
O ter deixado o ventre maternal!

A vida não seria mais igual!
O conforto uterino acabaria!
Seria mais um ser que enfrentaria…
A crueza de um mundo desigual!

Iria ser exposto à crueldade!
Teria de enfrentar a sociedade,
Aonde proliferam seres ufanos!

Teria no futuro, de gritar:
A todo aquele que gosta de humilhar.
Senhor, respeite os direitos humanos!

  FLOR SEM PECADO

Queria ser teu par, na dança ardente.
Ser chama que desperta tua alma.
Serpentear teu corpo em doce calma,
E beijar tua boca, avidamente!

Quero ouvir-te dizer em voz plangente:
Devora meus desejos, me acalma.
Aperta-me em teus braços, me espalma…
Seremos sintonia eloquente!

Eu ficarei braseiro nos teus braços.
Resistirei a todos os cansaços,
Em apagar o fogo que te envolve!

Teu corpo junto ao meu, jamais se inflama.
Não vai haver por certo alguma chama,
Pois teu beijo de amor, tudo resolve!

FRENESI

Semicerrei os olhos p’ra não ver,
A luz que teu olhar irradiava.
Eu receei o brilho que emanava,
E o frenesi que via, transparecer!

Teu corpo sedutor me fez tremer,
Pois tua formosura me ofuscava.
O teu porte de deusa dominava…
Ali fiquei refém do teu poder!

Miríades de estrelas te envolviam.
Meus lacrimantes olhos não te viam…
Perante o esplendor do teu olhar!

Cerrei de novo os olhos p’ra não ver!
Chorei por teu amor não poder ter,
Ceguinho por amor irei ficar!

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A. A. de Assis (Revista Virtual Trovia - n. 165 - setembro de 2013)



            Eu amo a vida, querida,        
com todo o mal que ela tem,
só pelo bem - que há na vida,
de se poder querer bem.
Anis Murad
 

És rico... Mas que tristeza,
  tens vazio o coração... 
Não ter amor é pobreza
mais triste que não ter pão.
Jesy Barbosa

Tua visão permanece
no meu olhar. Não fugiu.
O lago nunca se esquece
da estrela que refletiu.
Raul Serrano

Não me chames de senhor
que não sou tão velho assim,
e ao teu lado, meu amor,
não sou senhor... nem de mim!
Rodrigues Crespo

 
Foi um choque e muita mágoa
para quem acreditou:
a tua barriga d'água
com nove meses chorou...
Edmar Japiassu Maia – RJ

– Não tem perigo, mãezinha,
meu noivo é como um bebê...
– Eu acredito, filhinha:
eu não confio é em você!
Heloisa Zanconatto – MG

Sai do bar – e já sem prumo –
tropeçando, cuca em brasa,
pergunta, todo sem-rumo:
– “Onde mora a minha casa?”
Héron Patrício – SP

Da sua casa ao cartório
apenas um quarteirão...
Dada a preguiça, o casório
se fez por procuração.
Lucília Decarli – PR

Um sujeito extravagante
com “cc” meio bodoso
bebia desodorante
para suar mais cheiroso...
Maria Nascimento – RJ

Olhando o escorregador,
palco da infância sem pressa,
filosofa o trovador:
 – Os anos passam depressa!
Olympio Coutinho – MG

Na cozinha, quebra o galho,
mas é tão lerda e pateta
que para poupar trabalho
em vez de “torta” faz reta!
Regiane Ornellas – SP
 

Contra a vontade do amado,
nada faça... e se conforme.
Dizia o velho ditado:
“Quando um não quer... o outro dorme”.
Renata Paccola – SP
Se a justiça, um dia, enfim,
a todos der vez e voz,
Deus dirá  que agora, sim,
mora no meio de nós!
A. A. de Assis – PR

Xadrez? Tenha paciência!...
Amor, não quero jogar;
opto pela transparência
que brilha no teu olhar.
Agostinho Rodrigues – RJ

Do tempo em que tu me amavas
guardo a doçura que vinha
nas uvas que tu passavas
da tua boca pra minha.
Almerinda Liporage – RJ

Enviei aos céus um recado,
Deus não viu o meu apelo.
Porém, se O tenho a meu lado,
para que preciso vê-lo ?
Almir Pinto de Azevedo – RJ

A vida é um laço apertado
que nos tortura sem dó;
e quanto mais amarrado,
mais atado fica o nó!
A.M.A. Sardenberg – RJ

A natureza agredida
não se defende nem xinga,
mas no decorrer da vida
cedo ou tarde, ela se vinga.
Amilton Maciel – SP

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
poesia em mim fez pousada,
sem ter qualquer leviandade.
Andréa Motta – PR

La medianoche ha llegado
pero no llegas con ella,
pasa el tiempo despiadado
dejando en mi alma honda huella.
Ángela Desirée – Venezuela

Estando nos braços teus,
vítima da ingenuidade,
não lembrei que existe adeus,
vivo agora na saudade!
Ângela Stefanelli – RJ

Felicidade – brinquedo
que todos querem, porém,
se para alguns chega cedo,
para outros tarda ou não vem...
Antonio Juraci Siqueira – PA

Na feirinha da amizade,
de produtos desiguais,
a cebola da saudade
já me fez chorar demais.
Carolina Ramos – SP

No contorno do teu rosto
– flor em forma de buquê –
vejo que tenho bom gosto
de ser louco por você
Clênio Borges – RS

No colo a filha do filho
pela avó é acalentada,
qual noite sem luz e brilho
embalando a madrugada.
Conceição Assis – MG

Pra que possa haver perdão,
estenda a mão o ofensor
ao ofendido – e do irmão
cure a dor com muito amor.
Cônego Telles – PR
 

Los Mandamientos Sagrados
confirman con su nirvana
que a ti estarán hilvanados
para salvarte mañana...
Cristina Oliveira Chávez – EUA

Enquanto me redesenho,
faço o esboço do passado:
quero ver o que mantenho
pra deixar como legado.
Dáguima Verônica – MG

Tinha portas de poesia
e janelas de luar
essa morada que um dia
deixou meu amor entrar.
Delcy Canalles – RS

Ser feliz é ser poeta;
mais feliz, só trovador:
ambos, sendo um só esteta,
dizem tudo com amor!
Diamantino Ferreira – RJ

Deprimida, com saudade,
por saber que foste embora,
só me restou a vontade
de eu mesma jogar-me fora...
Djalda Winter Santos – RJ

Com as “notas” da alegria,
ou “dissonância” sofrida,
Deus compõe a melodia
da partitura da vida.
Domitilla Borges Beltrame – SP
 
É símbolo de confiança
e a tensão nos descontrai
a mãozinha da criança
aninhada à mão do pai.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Cada qual com seu quinhão
de tristeza ou de alegria:
bem viver é aceitação
da jornada, a cada dia.
Eliana Jimenez – SC

A mão que vai e que vem,
lenta e triste, num aceno,
pertence ao braço de alguém
que ama e perde, mas sereno.
Eliana Palma – PR

Tenho saudades de mim,
saudades, e eu sei por quê...
do tempo em que fui, enfim,
muito feliz com você!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

As pedras do meu caminho
vou transpondo-as com ardor,
e cada dia um trechinho
vira caminho de amor.
Flávio Stefani – RS

A natureza resiste,
mas a tristeza do monte
é enxugar o pranto triste
dos olhos tristes da fonte.
Francisco Garcia – RN

Todo coração ferido
mostra sua cicatriz...
O sentir sem ser sentido,
o sorrir sem ser feliz!
Francisco Pessoa – CE

Para abrandar desatinos
e a violência dos marmanjos,
Deus põe em nossos meninos
a inocência dos seus anjos!
Gabriel Bicalho – MG

Se o tempo voltasse atrás
e eu soubesse a minha sina
de certeza era capaz
de ficar sempre menina!
Gisela Sinfrónio – Portugal

Vivemos juntos, mas sós.
Nossa solidão somada,
fez de ti, de mim, de nós,
a soma triste do nada!
Gislaine Canales – SC

Um sorriso, uma indulgência,
um gesto ingênuo de adeus...
Por onde houver inocência
há um pedacinho de Deus...
J.B. Xavier – SP

Que tu estejas presente,
junto a mim, é o que desejo,
inda que seja somente
o tempo exato de um beijo.
Jeanette De Cnop – PR

Dei a ti meu coração,
muito te amei e te quis.
Se tudo foi ilusão,
não importa, fui feliz!...
João Costa – RJ

Ontem plantaste uma flor
na rocha da solidão.
Hoje dou-te com amor
um postal do coração.
José Feldman – PR

Se a saudade me machuca,
Longe da terra querida,
Eu tenho a impressão maluca
De estar distante da vida!
José Lucas de Barros – RN

O tempo passa depressa
mas, quem diz que eu envelheço?
- cada olhar é uma promessa!
- cada espera... um recomeço!
José Ouverney – SP

Nesta terra, qual tesouro
nos traz só felicidade?
– Não é fama, não é ouro...
É paz, saúde, amizade!
Laérson Quaresma – SP

Benditas fotografias,
que contam fatos passados,
retalhos de alegres dias,
pelo tempo,  costurados!
Lisete Johnson – RS

Nem o sofista profundo
esta verdade falseia:
quem se julga rei do mundo
é um pequeno grão de areia!
Luiz Carlos Abritta – MG

À medida que envelheço
mais me dói e sem clemência
o que nunca mais esqueço:
presença da tua ausência.
Manoel F. Menendez – SP

Muito pouco foi preciso
para em Deus acreditar.
No encanto do teu sorriso
eu vejo o céu se espelhar.
Mª Luíza Walendowsky – SC

Existe muita tristeza
que ao rosto jamais aflora,
guardada na profundeza
dos olhos de quem não chora.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

A força de uma palavra
semeia uma flor em mim;
palavra, essa pá que lavra
poemas no meu jardim!
Mário Zamataro – PR

Toda trova sintetiza
o que pensa o seu autor;
e, nos versos, simboliza
seus sentimentos de amor!
Maurício Friedrich – PR

Cascatas de paz eleitas
cultivadas no jardim
são rosas brancas perfeitas
que despetalam assim...
Mifori – SP

Revendo porta-retratos,
que o tempo guarda, sem fim,
vejo, nos tempos exatos,
cada pedaço de mim.
Nei Garcez – PR

Tua amizade eu guardei
com muito amor e afeição.
Quando de ti precisei,
fui buscar no coração.
Neiva Fernandes – RJ

No colo do solo bruto,
se a semente é bem tratada,
por prêmio colhe-se o fruto
da esperança ali plantada.
Olga Agulhon – PR

O sonho, eterna magia,
ao retratar o passado,
mostra a doce fantasia
de estar, ainda, a teu lado.
Olga Maria Ferreira – RS

O amor é muito exigente,
jamais tira férias não...
Dia e noite pede à gente
que aos irmãos estenda a mão.
Osvaldo Reis – PR

De que vale o estardalhaço
de quem grita que é cristão,
quando a Bíblia, sob o braço,
não está no coração?
Pedro Melo – SP

O mestre faz da alma um templo
para ouvir nossa oração
e nos mostra que é o exemplo
que ensina qualquer lição!
Renato Alves – RJ

O meu prazer se renova
e a minha alma se extasia
ao perceber numa trova
um canteiro de poesia!
Roza de Oliveira – PR

Ante o terror das queimadas
na floresta, com carinho,
as árvores abraçadas
tentam proteger os ninhos.
Ruth Farah – RJ

Tu lês os versos que eu faço,
e nem sequer adivinhas
o segredo que eu te passo
no espaço das entrelinhas...
Selma Patti Spinelli – SP

Pediste: “Espere, querida”,
no  cartãozinho assinado...
E eu fiquei, por toda a vida,
refém de um simples recado!
Thereza Costa Val – MG

Eu olho a rua e, se o vejo,
a razão já sai de perto.
Fecho a janela... e o desejo
esquece o cadeado aberto!
Therezinha Brisolla – SP

Em meus tempos de criança,
pelas poças, num tropel,
lançava minha esperança,
em barquinhos de papel...
Vanda Alves da Silva – PR

Mesmo em trovas mais dispersas,
por laços universais,
identidades diversas
congregam sonhos iguais.
Wandira F. Queiroz – PR

Assim como a vida soube,
sem dó, romper nossos laços,
a saudade também coube
nos meus braços sem abraços.
Walneide F. Guedes – PR

Minha insensata paixão
passou – transpondo barreiras –
das fronteiras da ilusão
para a ilusão sem fronteiras...
Wanda Mourthé – MG
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Luiz Eduardo Caminha (Poemas Escolhidos)

VELEJADOR

Um barco.
Uma vela (branca).
Uma aragem.
Oceano.

Lá se vai,
o poeta velejador!

Um lápis.
Uma folha (em branco).
Um sopro.
Pensamento.

Lá se vai,
velejando o poeta!

Mar.
Vela.
Folha.
Versos.
Tudo se lhe assemelha!

Um remo.
Um lápis.
Um, quase nada.
Outro, quase tudo.

OUTONO

O compasso da vida
Me abre os olhos,
A bruma cobre,
Densa, silente,
O leito do rio,
A roupagem da mata.

A brisa fresca da manhã,
Faz a pele aquecida,
Contrastar com a natureza,
O calor do corpo, da noite.

A vida,
Parte deste ar outonal,
Desperta alegre,
Aos primeiros raios,
Do astro rei.

Num cochilo do tempo,
De repente,
Como se um hiato houvesse,
A névoa some,
A mata descortina seu verde,
É manhã.

O céu azul límpido,
Perpassa à bicharada,
A onda cálida,
Do novo dia.

A sinfônica dos pássaros,
A voz dos bichos,
A melodia das águas,
Serpenteando a corrida do rio,
Misturam-se ao som,
Barulho da cidade.

O tempo passa,
A tribo humana,
Segue seu passo.
A natureza aguarda,
Como mágica,
A volta do crepúsculo,
O sumir do novo dia.

AMIZADE

Uma estrada que acaba,
Num ponto do horizonte.
Um cais que finda, no infinito
Que é mar,
Um feixe doirado refletido. Do sol.
No oceano sem fim,
Uma canoa, um pescador. Solitários,
Solidários navegam.

Como guia o feixe prateado.
Da lua,
O luar.

Tudo, tudo é infinitude,
Tudo, tudo leva. (Todos).
A algum ponto. Distante.
Horizonte de esperança.

Um fio, como se fosse de espada,
Conduz, passo a passo.
Qual equilibrista,
Na corda de arame.

Certeza mesmo, uma só.
Haverá lá no fim,
Alguém.
Um amigo,
Um abraço,
Um ombro,
Um teto a nos colher.

Amizade.
Um meio?

Um fim.

NATL MENDIGO

Natal lembra um novo rebento,
Esperança que o mendigo sente
Triste alegria que se faz semente
Fé convertida, novo advento.

Natal estrela que lhe alumia
Por mais que lhe sofra a dor parida
Molhe o rosto a lágrima furtiva.
É menino, caminho que nos guia.

Natal é partilha do pão dormido
Que aplaca a fome do desvalido.
É felicidade quase certa.

Até que soe o sino da manhã,
Que volva mendaz a esperança vã.
Sonho vai. O mendigo desperta.

RAÍZES

Que seja ela,
A poesia,
Firme como a árvore.
Embora estática
Finca raízes,
Suga da terra...

E mostra, um dia
Nas folhas e frutos,
A razão que a move.

Que exprima ela,
A poesia,
Como a árvore,
Da seiva, o fruto.
Rabiscos de letras,
Amores e paixões,
No leito virgem, papel,
O seu doce cantar.

Sobretudo,
Que seja ela,
A poesia,
Como a água
Que se move
Corredeira abaixo.
Busca mar oceano,
Onde singram velas,
Horizontes sem fim...

FONTES

Lua cheia,
Estrelas que faíscam,

Sol nascente,
Poente eterno,

Fontes inspiram,
Respiram,
Poesias.

SONHOS

Estás louco poeta?
Queres tu imaginar,
Que o imponderável
Acontece?

Sonha, sonha, oh! Poeta.
Ainda bem que dormes,
Melhor: existes.

E sonhas...
Poesias!

PRENÚNCIO DE VERÃO
Que os ventos de Agosto,
Tão frios cá no Sul,
Tragam breve, a gosto,
O céu de Primavera, azul.

Pássaros a cantar,
Ninhos a fazer, então,
Amores a desbravar,
Prenúncio de verão.

POEMÍNIMO


no
sul
é

frio
que


quiçá
saudade
do
verão

é
tão
frio
que
não

pra
mim
mas

um
bom
surf
prá
pinguim

RODA DE VIOLA

O som,
Enche de romantismo,
O ambiente cálido
Da cantina acolhedora.

Lá está êle,
Cinquenta anos após,
A dedilhar as notas
Que lhe mandam o coração.

Olhos cerrados,
Cabeça inclinada,
Violeiro e Violão,
Misturam-se ao transe,
Da platéia; apoteose.

As mãos,
Aquelas mãos cheias de rugas,
Dedos finos,
Mostram um movimento frenético.

O toque suave,
Compasso a compasso
Sobre as cordas do violão,
Embaraçam solos e arpejos,
Maviosa sinfonia.

A seu lado,
Um copo de cerveja,
Um bandolim afinado,
Uma mesa vazia.

A platéia delira,
Canta contente :
Naquela mesa,
Eles sentavam sempre...

P.S.: Homenagem aos anônimos boêmios, a Jacó do Bandolim e a Velha Guarda, que fizeram da música brasileira, o romantismo, que até hoje, embalou tantas décadas.

Fonte:
http://caminhapoetando.blogspot.com.br/search/label/meus%20poemas

Conhecendo o Mundo Acadêmico (Quais são as diferenças entre monografia, dissertação e tese?)

Muitas pessoas confundem os termos monografia, dissertação e tese. Entretanto, esses erros não se restringem apenas ao significado dos termos e muito menos às pessoas que não estão ligadas à área acadêmica.

É possível encontrar, em alguns programas de pós-graduação, alunos de doutorado defendendo dissertações e chamando-as de teses, o que é algo muito sério.

Uma dissertação não é uma tese de pior qualidade ou mais superficial. Da mesma forma, uma tese não é uma dissertação com mais páginas ou um conjunto de dissertações em um trabalho só. A diferença fundamental não é o número de páginas. É a originalidade.

Monografia

A monografia é um trabalho acadêmico Lato sensu que tem por objetivo a reflexão sobre um tema ou problema específico e que resulta de processo de investigação sistemática. As monografias tratam de temas circunscritos, com abordagem que implica análise, crítica, reflexão e aprofundamento por parte do autor.

Dissertação

A dissertação é um trabalho acadêmico Stricto sensu que se destina à obtenção do grau acadêmico de mestre. Os projetos de dissertação não precisam abordar temas e/ou métodos inéditos. O aluno de mestrado deve demonstrar a habilidade em realizar estudos científicos e em seguir linhas mestras na área de formação escolhida.

Tese

A tese é um trabalho acadêmico Stricto sensu que importa em contribuição inédita para o conhecimento e visa a obtenção do grau acadêmico de doutor. O doutorando deve defender uma ideia, um método, uma descoberta, uma conclusão obtida a partir de uma exaustiva pesquisa e trabalho científicos.

Fonte:
http://www.posgraduando.com/blog/quais-sao-as-diferencas-entre-monografia-dissertacao-e-tese

Maria Inez Fontes Ricco (Projeto de Trovas para uma Vida Melhor. PARTICIPE!!! Prazo: 21 de outubro)

OBJETIVOS E FINALIDADE:

- Incentivar o gosto pela trova e pela participação em concursos culturais saudáveis;

- divulgar valores e princípios humanitários, religiosos e sociais;

- ousar querer uma vida melhor, despertando a capacidade de criação; por meio desta modalidade poética – TROVA;

- descobrir novos trovadores e publicar boas trovas.

Este projeto tem por fim difundir o conhecimento, para uma vida melhor, por meio de trovas, atingindo alunos do ensino básico(GR. 3), e todos os amantes desta modalidade poética. Grupo 1 – Trovadores Consagrados - que tem trovas premiadas(não considerar Menção Honrosa, nem Menção Especial); Grupo 2 – Trovadores iniciantes e/ou não Consagrados - não premiados ainda.

Serão realizados, bimestralmente, um concurso de trovas em nível Nacional e Internacional, por meio da Internet, em língua portuguesa e em espanhol.

Cada Etapa do Projeto é comporta seis Concursos

Apenas uma (01) trova, inédita, por tema e por autor, conforme cronograma.
Endereço de encaminhamento das trovas: mifori14@yahoo.com.br

Cada trova virá com o nome e endereço completo do autor

Já estamos no 2º Concurso - tema: ESCOLA da 4ª Etapa do Projeto DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR

4ª ETAPA DO PROJETO DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR

2º CONCURSO DA 4ª ETAPA DO PROJETO: Tema - ESCOLA
de 21/08/2013 a 21/10/2013 – resultado em 20/11/2013

CONVIVENDO EM SOCIEDADE

Vamos desenvolver princípios e valores, por meio de trovas com...

Temas sobre:

A família, primeira célula da sociedade, compete a semeadura dos valores e princípios universais, assim como a ESCOLA , por seu desenvolvimento, reforçando e aprimorando-os, a educação como um todo.

A tomada de atitude, a autenticidade e coerência, no convívio em sociedade, é de suma importância, alem de serem verdadeiros valores, contribuem para a formação dos princípios universais e humanitários.

Apenas uma trova inédita por trovador(a),via Internet, em Língua portuguesa ou em Língua Espanhola

O tema deverá constar da trova:

4 versos setessílabos, rimando o 1º com o 3º e o 2º verso com o 4º, tendo sentido completo.

Enviar para: mifori14@yahoo.com.br

OBS: Após as classificações, as trovas corretas que não atingiram os pontos necessários, serão colocadas em destaque, pois irão para a Ciranda de mesmo nome. As demais trovas, com erros de Portugues (de espanhol) de métrica e sonoridade, sem sentido serão deletadas.

O julgamento da Comissão escolhida é soberano.

(Aquele procedimento anterior, de enviar as trovas com falhas ao autor, para que o mesmo a corrija, tendo seus erros apontados, e assim fazer parte da Ciranda não haverá mais. )
trova:
Tema – ESCOLA
A
B
A
B
Lembrem-se de colocar o grupo:

GR 1 - trovador consagrado(trova premiada - não contar Menção Honrosa nem M. especial)

GR 2 - trovador não consagrado (não premiado) e iniciante

GR 3 - Grupo de língua hispanica - Trovadores concorrendo em espanhol

GR 4 - Aluno da Educação Básica(ginásio e colégio; 1º e 2º grau) e Ensino Médio.

Nome:
Cidade:.........SP - Brasil
Escola que estuda
Idade e série.
E-mail

VENHAM PARTICIPAR DOS CONCURSOS DE TROVAS DA 4ª ETAPA DO PROJETO DE TROVAS PARA UMA VIDA MELHOR

RESULTADO DOS CONCURSO ATUAIS(até o dia 20/08) e ANTERIORES
Neste Endereço e http://www.falandodetrovas/trovas/índice.htm

Guilherme de Azevedo (Alma Nova) IV

foi mantida a grafia original.
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ASTRO DA RUA

Fazia ontem já tarde um nevoeiro espesso.
— Que insónia em mim produz este húmido vapor! -
Eu vinha enfastiado, ou turvo, enfim confesso,
Dos fumos do café, da luz e do rumor.

Um fantástico véu cobria as longas praças;
E o gás ria através da grande cerração
Que em lágrimas descia ao longo das vidraças
E em flocos de alva neve humedecia o chão.

Eu mesmo achava em tudo um tom maravilhoso.
Dispus-me a crer no céu a amar este ideal:
De súbito eis que passa um astro radioso
Luzindo-me através do mágico cendal!
Que vaga exalação ó coisas vis que adoro!
Que belo olhar de Deus, deixai-me assim dizer!
Pelo sulco de luz julguei um meteoro,
Pelo aroma subtil sonhei uma mulher!

Passou porém, fugiu: no fim eis em resumo
A sua breve história! O sonho é sempre assim!
Há cousas que ao passar ainda deixam fumo:
Aquela só deixava um vácuo dentro de mim.

Arcanjos caminhai, que eu espero o grande dia
Da nossa atirou vingança, ó déspotas do céu!
Nossa alma anda algemada à vossa tirania
Mas há de erguer-se a escrava... — Assim dizia eu
E a mesma aparição de novo a deslumbrar-me!

De novo a mesma aurora o espaço a iluminar!
Agora pude vê-la e posso recordar-me
Dos abismos de luz que havia em seu olhar.

O astro vinha envolto em nuvens de escumilha:
De resto era uma fada, eu mais não sei dizer.
Deixava atrás de si um aroma de baunilha
De um louco se abismar de um pobre enlouquecer!

Quem quer que sejas tu, que sejam sempre belos
Teus céus sem vendaval, teus dias sem revés!
Feliz de quem puder beijar os teus cabelos
E aos lábios aquentar os teus pequenos pés!

— Dizendo caminhei. Porém novo prodígio!
Ainda a perseguir-me a mesma aparição
E eu ainda sentia o lúcido vestígio
Que há pouco em mim deixara a outra exalação!

Mas agora reparo, atento na sua chama!
Que olhar tão insolente, o céu não luz assim!
Na gaze que ela arrasta há um debrum de lama,
Na face macerada uns traços de carmim!

Oh! Astro! Enfim conheço a órbita que traça
O teu curso veloz! Bem sei onde tu vais!
Prossegue no teu giro em volta dessa praça
E Deus te dê mais luz e menos lamaçais.

Quando Marta morrer, depois do extremo arranco,
Não tratem de orações;
Desprendam-lhe o cabelo e vistam-na de branco
À moda das visões.

Desejo vê-la então passar desta maneira
Depois de tal revés,
Por entre a chama azul e ténue da poncheira
No fumo dos cafés.

Aquele bom país das pálidas quimeras,
Monotonia azul;
Não temam que ela vá no fogo das esferas
Queimar o véu de tule.

Assusta-a muito o frio, a chuva, o sol dos trópicos
A nuvem triste e vã,
E podem-lhe prender os pés tão microscópicos
As névoas da manhã!

De noite ela virá com seus trajes singelos,
Arcanjo doutros céus,
Nos suspiros febris dos meigos violoncelos
Dizer-nos mal de Deus.

Contar-nos porque foge à doce transparência
Que o céu formoso tem,
Meiga filha gentil da mesma decadência
Que é nossa boa mãe.

Se as lágrimas de luz que chora o firmamento
Em noites de luar,
Ao seu pescoço nu pudessem, num momento,
Cingir-me num colar;

Decerto ela daria ao pálido cometa
E à estrela trivial,
A mesma adoração que dava à cançoneta
Que amou até final!
E à saída do circo, ao astro romanesco,
A noite iria, então,
Contar, ainda a sorrir, o ardor funambulesco
Do lívido truão!

Assim, não quer ouvir aos coros invisíveis
Um hino de enfadar,
Cantado por milhões de arcanos insensíveis
Sem um que a possa amar!

E não lhe esquecem nunca os rápidos instantes
Do que ela amava mais:
— a vida iluminada à luz dos restaurantes
Num sonho de cristais!

Fonte:
http://luso-livros.net/

Curiosidades Multiplub sobre Livros (Publicar livro com uma editora vale a pena?)

Publicar um livro hoje em dia pode ser algo fácil por conta da grande quantidade de ferramentas disponíveis na internet, além de softwares e demais acessórios e meios, só que o mais importante de se publicar é a pós - publicação, e é isso que as editoras ainda podem oferecer aos autores, pois a parte do serviço que garante a compra do livro não é efetiva se feita somente por uma pessoa, com seus canais pessoais básicos, e sim merece um amparo mais institucional.

Além do mais: temos tantas ferramentas, mas todas elas são “fabricadas para serem fáceis de usar” e acabam, com isso, sendo básicas demais, não oferecendo uma funcionalidade tão profissional quanto os bons e velhos: PageMaker, InDesign, Corel Draw e o bom olho do editor, coisas que só uma editora pode oferecer – pois se a prática leva à perfeição: um editor que já editou 100 livros pode fazer melhor do que um escritor que “editou” um ou dois exemplares.
 
A Editora não morreu

Temos tantos sites de self-publishing hoje em dia, mas vejamos que a quantidade de exemplares vendidos nestes sites é incrivelmente desproporcional à chuva de obras que neles são cadastradas diariamente – isso porque as pessoas querem conteúdos direcionados, querem bons livros, e não qualquer livro, e em uma editora: só boas obras entram e só bons livros saem, pois se não: a editora fecha.

Mesmo que bons livros estejam também como self-publishing, o número de pessoas que lê a obra antes dela ser publicada é bem menor (na maioria das vezes: só autor mesmo), e com isso retira-se o processo de lapidação que toda obra merece.
Nasceu uma nova editora

A MultiPlub alia a tecnologia e os meios atuais de publicação com o bom e velho conceito de editora: filtrar, lapidar e publicar bons livros, de todos os gêneros e autores. Só que nem tudo é igual: a editora está aberta somente a autores nacionais, inéditos ou não, e se recusa a “traduzir” autores de fora por acreditar que nossa cultura está mesmo aqui, entre tantos autores aguardando sua obra e oportunidade de publicar.

Portas abertas

Escreveu um bom livro e deseja publicá-lo? Conheça a MultiPlub! (http://multiplub.com.br/)

Fonte:
http://publicarumlivro.com/artigos/como-e-a-publicacao-de-um-livro/
Imagem = http://multiplub.com.br

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 29

CAPÍTULO XXI

E no entanto, à noite desse mesmo dia, travava-se entre o Coruja, D. Margarida e a filha desta o seguinte torneio de palavras:

— Então, seu Miranda; o senhor decide ou não decide o diabo deste casamento?

— Agora, agora Sra. D. Margarida, é que as coisas vão endireitando e, se Deus não mandar o contrário, pode bem ser que tudo se realize até mais cedo do que esperamos.

— Ora! Já não é de hoje que o senhor diz isso mesmo!

E note-se que, depois que Teobaldo melhorara de circunstâncias, D. Margarida havia abrandado muito a 8spereza de suas palavras para com o futuro genro; isto quer dizer que ultimamente podia André, como no princípio de seu namoro, levar alguns presentes à noiva e mais à velha. Mas, nem por isso, deixava esta de falar às vizinhas, desde pela manhã até à noite, a respeito do célebre casamento da filha, que, segundo a sua expressão, parecia encantado.

— Pois se tu também não te mexes! Gritava ela às vezes, ralhando com a rapariga. A ti tanto se te dá que as coisas corram bem como que não corram. Nunca vi tamanho descanso, credo! Ninguém dirá que és a mais interessada no negócio!

— Ora, mamãe, mais vale a nossa saúde!... Respondia Inês, invariavelmente. O que tem de ser traz força!

— Oh! Que raiva me metes tu quando dizes isso, criatura!

— Mas se é…

— Qual é o que! Cada um que não trate de si para ver como elas lhe saem! Não me tiram da cabeça que, se apertasses um pouco o rapaz, ele talvez até já tivesse aviado por uma vez com isto! Já com a tal história do ensino foi a mesma coisa; tu, tanto remancheaste, tanto te descuidaste, que afinal lá se foi tudo por água abaixo!

— Ora, eu ensino em casa da mesma forma...

— A quatro pintos pelados, que levam aí todo o santo dia a me atenazarem os ouvidos com o "b-a faz bá, b-e faz bé!" Ora; Deus me livre!

— Rendem quase tanto como uma cadeira...

— Mas não são certos. De um momento para o outro podes ficar sem nenhum... Ao passo que a cadeira...

— Mais vale a quem Deus ajuda...

— Sim, mas Cristo disse: "Faze por ti que eu te ajudarei". E é justamente do que não te importas — é de fazer por ti!

Estas conversas acabavam quase sempre arreliando a velha, que por fim lançava à conta do Coruja toda a responsabilidade do seu azedume. Porém o que mais a mortificava era o falatório da vizinhança, era o comentário dos conhecidos da casa, que principiavam já a zombar abertamente do "tal casório". A mezinha está só esperando a idade para casar... diziam eles em ar de chacota, para mexer com o gênio da velha. E conseguiam, porque D. Margarida ficava furiosa; mas não contra aquele e sim contra o pobre André.

Este, todavia, com a regularidade de um cronometro, não faltava à casa da noiva, às horas do costume. Apresentava-se lá com a mesmíssima cara do primeiro dia, sempre muito sério, muito respeitoso e muito dedicado; Inês, também inalterável, vinha assentar-se ao lado dele, enquanto a velha Se postava defronte dos dois. E assim conversavam das sete às dez horas todos os domingos e das sete às nove nas terças, quintas e sábados.

E lá se iam cinco anos em que isto se verificava com a mesma pontualidade. André era já conhecido no quarteirão e, quando ele surgia na esquina da rua, resmungavam os vizinhos de D. Margarida:

— Ali vem o noivo empedrado!

Houve espanto geral em vê-lo passar uma sexta-feira fora das horas costumeiras e muito mais apressado e mais preocupado que das outras vezes. Ia pedir à velha um obséquio bastante melindroso: e, que nesse dia, pela volta das onze, Teobaldo lhe surgira no colégio, com um ar levado dos diabos, o chapéu à ré, o rosto em fogo, para lhe dizer:

— Sabes? Fiz o pedido ao velho!

— Já? Acho que foste precipitado!

— Pois se ele quer enterrar a filha em Paquetá, até que ela se resolva a casar com o primo!

— Mas então?

— Negou-ma!

— Negou-ta?

— Abertamente! Chegou até a contar-me uma porção de histórias, que me fizeram subir o sangue à cabeça!

— Que disse ele?

— Ora! Que eu não estava no caso de fazer a felicidade da filha; que eu era um estróina, um doido; que eu tinha mais amantes do que dentes na boca (foi a sua frase) e que eu, para prova de que não gostava do trabalho, nunca tomara a sério o emprego que ele me dera em sua casa; e que eu entrava sempre mais tarde que os outros; que eu era isto e que era aquilo, e que, ainda mesmo que eu não fosse quem sou, ele não podia me dar a filha, porque já estava comprometido com outro...

— O Aguiar...

— Já se vê!

— E tu, que lhe respondeste.

— Eu? Eu olhei muito sério para ele e disse-lhe: Você sempre é um ginja muito idiota! O velho ficou mais vermelho que o lacre, tremeu da cabeça aos pés, cresceu meio palmo e não pode dar uma palavra, porque estava completamente gago. Então agarrei no chapéu, enterrei-o na cabeça e bati para Botafogo!

— Para a casa dele? Ah! Isto se passou aqui em baixo...

— Sim. Entrei na chácara e fui enfiando até à escadaria do fundo. O acaso protegeu-me; Branca bispou-me da janela e veio logo ter comigo a um sinal que lhe fiz. "Sabes? Disse-lhe, pedi-te ao comendador; ele declarou que por coisa alguma consentirá que eu seja teu marido e jurou que hás de casar com o Aguiar!" Ela pôs-se a chorar. "Tu me amas?" perguntei-lhe. Ela respondeu que me adorava e que estava disposta a tudo afrontar por minha causa. "Pois então, repliquei, se queres ser minha esposa, só há um meio, é fugirmos! Estás disposta a isso?" Ela disse que sim e ficou decidido que hoje mesmo às dez horas da noite eu a iria buscar. Por conseguinte, tem paciência, preciso de ti, pede licença ao diretor e saiamos, que não há tempo a perder.

— Estou às tuas ordens...

— Tens dinheiro?

— Um pouquinho, mas em casa.

— Ora!

— Podemos dar um pulo até lá! Espera um instante por mim; não me demoro.

Durante o caminho, Teobaldo contou mais minuciosamente a sua conversa com Branca e pintou com exagero de cores a opressão que lhe fazia o pai, para a constranger a casar com o bisbórria do primo. Chegados à casa, mal Teobaldo embolsou o que havia em dinheiro, disse ao amigo:

— Bem! Então, antes de mais nada, enquanto eu vou falar ao cônego Evaristo e depois ver se arranjo mais algum cobre, vai ter à casa de tua noiva e pede à velha que consinta depositarmos lá a menina. Creio que ela não se oporá a isto; que achas!

— Não sei, vou ver...

— Pois então vai quanto antes e volta aqui imediatamente. E quase meio-dia, às duas horas podemos estar juntos; iremos então tratar do carro e do resto; depois jantaremos no hotel e às nove partiremos para Botafogo. A ocasião não pode ser mais favorável ao rapto; a noite há de ser escura; a francesa está doente e de cama e, quando chegarmos, é natural que o comendador já se ache no segundo sono e os criados no terceiro!

— Eu serei o cocheiro do carro, disse Coruja; sabes que tenho boa mão de rédea.

— Bem lembrado! Escusa de metermos estranhos no negócio. E, olha, para melhor disfarce, porás a libré do Caetano e levarás o seu chapéu de feltro.

— A libré do Caetano há de chegar-me até aos pés...

— Melhor, ninguém te reconhecerá.

— Isso é verdade...

— Sabino?

— Meu senhor.

— Preciso hoje de você. Às quatro e meia no hotel. Ouviu?

— Já ouvi, sim senhor.

— Olha! Traze-me uma garrafa daquelas que estão no guarda-louça.

Era um presente de Moscatel d'Asti espumoso, que lhe fizera Leonília no dia dos anos dele.

— Vais beber agora? perguntou o Coruja.

— Vou; sinto-me sufocado! Preciso de um estimulante. Conserva tu em perfeito juízo a tua cabeça e deixa-me beber à vontade.

Encheu duas taças e, erguendo uma delas, disse ao amigo:

— Ao novo horizonte que se rasga defronte de nossos olhos! Ao amor e à fortuna!

Coruja levou a sua taça aos lábios, bebericou uma gota de vinho e afastou-se logo para ir à casa de D. Margarida; enquanto o outro, esticando-se melhor na cadeira em que estava e soprando com volúpia o fumo do seu charuto, murmurava de si para si:

— Amanhã a estas horas tenho à minha disposição uma mulher encantadora e um dote de cem contos de réis! Ah! Geração de imbecis, agora é que vais saber quem é Teobaldo Henrique de Albuquerque!
–––––––––
continua…

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Mensagem em Imagens 1 - Machado de Assis

Foto por José Feldman. Cherie dormindo no fogão.

A. A. de Assis (Bela alma a do poeta, ou o “Hiato” na Trova)

Quantos sons você conta aí?... Suponhamos que sete: Be-la-al-maa-do-po-e-ta. Mas por certo haverá quem conte seis, ou mesmo cinco, dependendo do ouvido de cada um.

Dá-se isso por obra do bendito hiato, o inimigo número um da métrica. Parece que para a maioria dos poetas brasileiros o verso fica mais agradável quando se respeitam os hiatos, porém outros acham mais natural fundir as vogais. E como é que se resolve isso? Sabe-se lá...

O maior drama é nos concursos. Você não sabe se conta poe-ta ou po-e-ta. O jeito é torcer para que os julgadores acatem o sotaque de cada autor.

Em regra, não se derruba nenhuma trova em razão desse problema; entretanto, mesmo assim, o concorrente fica de pé atrás, pelo medo de quebrar o cujo...

A tendência,  como foi dito, é pronunciar po-e-ta, vi-a-gem, a-in-da, a-al-ma, a-ho-ra, o-ho-mem, o-ou-ro, po-ei-ra, su-a, to-a-da etc. Mas... e se você não concordar? Tudo bem. Você continuará escrevendo seus versos do modo que mais lhe agrade, e ponto.

Afinal de contas, quem manda no texto é o autor. Alguns, porém, por via das dúvidas, procuram de toda forma evitar hiatos... Pelo menos assim podem livrar a trova do risco de perder pontos por não soar bem no ouvido do julgador. São ossos que o poeta encontra em seu delicioso ofício...

Em algumas regiões, palavras como  fri-o, ri-o são pronunciadas friu, riu (numa única sílaba). O Decálogo de Metrificação adotado pela UBT estabelece, entretanto, que, em tais casos, em benefício da uniformidade, não será aceita a ditongação: rio será sempre ri-o.
1. Recordemos: hiato é o encontro de duas vogais pronunciadas em dois impulsos distintos, ficando portanto em sílabas separadas.

     2. Nos hiatos em que a vogal átona vem antes da tônica, se esta é distintamente mais forte que aquela, a separação  é obrigatória (a-é-reo, a/es-mo, ba-ú, sa-í-da); se a tônica é pouco mais forte que a átona, a separação é facultativa (na-al-ma ou nal-ma, po-e-ta ou poe-ta, su-a-ve ou sua-ve). Mas atenção: nos casos de separação facultativa, é importante observar a coerência, isto é, nunca usar critérios diferentes na mesma trova.

3. Nos hiatos em que a vogal átona vem depois da tônica, a separação é obrigatória (bo-a, des-vi-o, ri-o, ru-a, tu-a).

4. Em algumas regiões do Brasil, palavras como  fri-o, ri-o são pronunciadas friu, riu (numa única sílaba).

5. Tudo isso precisa ficar bem claro, especialmente quando se trata de concursos, a fim de que o concorrente tenha certeza de que nenhum julgador “despremiará” sua trova por incompatibilidade de sotaque.

Fonte:
Revista Virtual “Trovia” – Ano 8 – n. 88 – Outubro 2006

Curiosidades Multiplub sobre Livros (Como é a publicação de um livro?)

Publicar um livro é um processo complexo e feito por etapas.

Para nós da MultiPlub é importante ter o autor como um parceiro durante todas as etapas do processo, que basicamente são:

1 – Registros

Onde a obra é registrada com seu ISBN e passa a ter uma numeração de identificação que servirá para tudo e todos (leitores, livreiros, bibliotecários, etc) após a publicação.

2 – Revisão
 
Onde a obra é lida por toda a equipe que trabalhará nela e depois segue ao revisor, o qual fará os apontamentos e devidas correções no texto de acordo com as normas mais comuns da Língua Portuguesa.

3 – Diagramação

Onde a obra seguirá a um profissional que, guiado pelo Editor, comporá um esquema de apresentação do texto nas páginas internas, formatando das fontes ás margens, parágrafos e títulos, obtendo uma forma final para o livro.

4 – Arte da Capa

Onde, após ter sido lida pelo capista, a obra ganha uma capa com base também nos apontamentos e dicas do autor e do Editor.

5 – Correções e Alterações

Tendo a obra revisada, diagramada e com capa, os serviços seguem ao autor, que discutirá com o Editor sobre as modificações finais a serem feitas e refeitas.

6 – Impressão

Tendo as artes (diagramação, capa e revisão) todas aprovadas pelo autor, a ora segue para fechamento de formato e vai à impressão, onde ganhará sua forma final.

7 – Entrega

Com os exemplares impressos o autor opta por receber todos ou somente uma parte dos livros em casa e tem concluída a parte inicial da publicação, isto é: a materialização da obra.

8 – Lançamento

De acordo com a vontade do autor é trabalhado o lançamento da obra, com a definição do local ou espaço (geralmente em uma livraria) do evento, seu andamento e apresentação.

9 – Planejamento Comercial

Os exemplares restantes do lançamento é feito um plano para vender todos os livros disponíveis, listando-se os meios (livrarias e distribuidores) onde seria mais viável e inteligente disponibilizar a obra e a seguir é criado um plano de divulgação e propaganda que atinja as pessoas que tem acesso aos locais onde os livros foram disponibilizados. Além disso a venda da obra segue à venda pela internet, em formato impresso e em e-book, caso o autor assim deseje.

10 – Execução do Planejamento

Com a aprovação do autor todos os planos de distribuição e divulgação são colocados em prática, e então a venda passa a ser acompanhada diariamente entre editor e autor, para um acerto de contas das obras vendidas em cada período de acerto (3 ou 6 meses).

Publicação na Multiplub

Este é o processo de publicação praticado pela MultiPlub e que vale muito a pena conhecer. Seja um autor da MultiPlub, solicite um orçamento: http://multiplub.com.br/orcamento/

Qualquer dúvida que você tiver sobre estes processos e tudo mais é só perguntar que nós te responderemos com o maior prazer.

Fonte:
http://publicarumlivro.com/artigos/como-e-a-publicacao-de-um-livro/
Publicação em ago 18, 2013

Isabel Pakes (Poemas Avulsos) II

POEMA DE AMOR INTENSO

Amas-me tanto, Senhor!
Puseste nas alturas a extensão da tua grandeza
e banhaste os meus olhos com as luzes das estrelas
para que eu possa me extasiar ao contemplar tua beleza!

Amas-me tanto, Senhor!
Sobre a terra deixaste transbordar o cálice da tua providência
e fertilizaste o meu espírito nos princípios da fé
para que eu possa me abastar do Pão sem temores de carência!

Amas-me tanto, Senhor!
Concedeste-me o dom da Vida.
Tomaste-me por teu filho e herdeiro dos teus astros,
das tuas águas, das tuas flores...
E para consumar o teu amor por mim
ofereceste em holocausto o teu melhor cordeiro!

Amas-me tanto, Senhor!
Dentro da minha pequenez me constituíste grande e forte
quanto a tua imagem e semelhança.
E tudo o que esperas de mim é tão pouco!
Apenas que eu me guarde simples aos teus olhos, tua eterna criança!

Amas-me tanto, Senhor!
Quantas vezes tenho te agastado com lamúrias infundadas
sem que te apartes de mim...
Quantas vezes tenho te contristado, apresentando-me fraca diante de ti
e mesmo assim me reconfortas e me reconduzes à caminhada!

Amas-me tanto, Senhor!
Que eu me perco em meus anseios de muito te louvar.
E sinto-me impotente na busca de palavras
que retratem fielmente a minha inspiração.
Por mais que eu me desdobre em pensamento
não consigo me alcançar no infinito da minha gratidão!

QUALQUER DIA

Qualquer dia destes
eu vou me vestir de brisa
e brincar nas ondas
dos teus cabelos.

Qualquer dia destes
eu vou me vestir de riso
e me embalar na rede
da tua boca.

Qualquer dia destes
eu vou me vestir de brilho
e refletir no espelho
dos seus olhos.

Qualquer dia destes
eu vou me vestir de amor
e me guardar no cofre
do teu coração.

POETA

Teu ego a descoberto,
teus sentimentos, tuas emoções,
tuas alegrias literalmente expostas,
tua saudade rimando à Auroras, Amélias e Marias...
teus desabafos, teus apelos, teus cuidados,
teu coração pulsando cá do teu lado de fora - tuas agonias,
tua morte de cada dia, tua alma exteriorizada,
teu inferno, teu céu, tua vida tanta vezes renascida,
teus êxtases, teus sonhos, teus delírios...
Teu ser em minhas mãos - tua poesia!

Teu demônio me tentando
teus pecados me pervertendo
teu anjo me guardando
teu amor me absolvendo
tua sina me encantando
tua arte me seduzindo
tua essência escorrendo em mim
pelas entrelinhas
minha alma se entregando à tua estesia
tuas musas fecundando as minhas
meus versos vindo à luz...
Meu ser em tuas mãos!

SAUDADE

Vives de sugar-me a essência.
Vives de estancar-me o riso.
Vives de me envelhecer.

Saudade!

Parasita voraz crescendo dentro em mim,
corroendo-me.
Eco de lembranças retumbando em minha mente,
entorpecendo-me.
Veneno fluindo lentamente em minhas veias,
mortificando-me.

Saudade!

GARI DE ESTRELAS


O Sol, gari de estrelas e amantes,
varreu a noite pela madrugada.
Espanou carícias, recolheu amores,
levou Morfeu dos braços da amada.

Passou o dia austero, inclemente,
a espreitar lembranças e saudade.
Desfez promessas, desmentiu as juras
e demorou-se prolongando a tarde.

Mas o cansaço o alcança e o domina.
Torna-o morno... fraco... sonolento.
Depois o arrasta horizonte além.
O céu muda de cor nesse momento!

E Vênus, esplendorosa alcoviteira,
por sobre os ombros do horizonte espia:
- O Sol já dorme - sussurrando avisa.
Volta, Morfeu, que terminou o dia!

TRANSMUTAÇÃO
Vi esgarçarem-se os véus e a névoa dissipar-se...
E no espocar das lágrimas, meu sonho vi
como num flash
dimensionar-se aqui, magnífico e palpável:
meu mundo modificado, impregnado de amor!
E tudo estava nele! E só o esprecto de mim...

Foi um estado novo que experimentei, atônita!
A dor parindo o riso...!
E ao grito surdo de minh'alma em êxtase
ruíram-se as muralhas à volta do meu ser.

Sou livre, agora! Posso ir-me.
Devo tomar no sonho o lugar
onde o sonhar a mim tem projetado.
Os despojos do que fui...
Que deles se ocupem aqueles que ainda dormem.
Nada mais são que pó e ao pó devem tornar.

Vou dar-me à vida! Soprar-me...
Transmutar o eu em mim.
Tornar verdade o que sonhei, aqui
onde todos estão, só eu que não...
...estava.

VIVERÁS

Viverás para sempre,
perpetuado em mim,
que o meu amor
é transcendente à vida.
Assim, quando eu dormir
na minha noite infinda,
em mim tu viverás ainda!

FLAMAS AZUIS

Emerso das sombras
à força do lume
o sólido imenso se avulta
majestático!

Hermético,
geometricamente plantado
como a levar a terra a contatar no espaço
as emissões celestiais,
em meio a amplidão do deserto
onde os fantasmas se inibem
e se aquietam os sons.

Ao fundo, o negro da noite se acentua
e o azul fosforesce no contraste.
São flamas azuis lhe coroando o ápice,
como se lá dentro se guardasse
o espírito do mundo.
Admirável archote!

Colossal pira pétrea e angular
que os séculos olham, arranham
e... passam,
porquanto perdure...
porquanto perdurem as impressões do artista
neste quadro em que me enquadro,
buscando decifrar...

O POBRE

Sem escrúpulos, no claro do dia,
ele sai pelas ruas assuntando cabeças.
Enquanto elas idealizam, ele trama.
E à hora dos justos, enquanto repousam,
o velho morcego motiva sua insônia
à luz das idéias - delas.
E no domingo veste a lã,
lustra o latão da auréola
e vai à igreja articular seu perdão.
Certo de si, o hipócrita,
infla o peito de vanglórias
e a si mesmo aplaude.
Pensa burlar a divina consciência,
acredita mesmo que pode,
o pobre pseudo-ser.

TRANSCENDÊNCIA

Mergulho o olhar no fundo do espelho
e me guardo dentro dele,
que eu mesma não me possa divisar.

Cristalizo a minha imagem
deixo pesar essa âncora...
que eu me ausente, mas não deixe o lugar.

Abro minhas imensas asas,
espano o pó dos pés
e saio de mim,
diluindo-me no tempo e no espaço.

Leve - mais que a pluma,
livre - mais que o ar,
experimento o meu vôo e gosto!

Ensaio um bailado novo sobre minha sombra fria
e rio-me de sua impotência ante a mudez dos meus passos.

Fortaleço-me no que quero!
Liberta que estou
das tramas da carne e dos ossos,
tudo alcanço. Tudo posso!

Visualizo teus pensamentos e vou buscar-te.
Emaranho-me nas espirais dos teus devaneios
e te arrasto além dos limites da tua imaginação,
onde o silêncio absoluto é a expressão mais forte da palavra
e o sentimento mais oculto se extravasa em comoção!

É quando tu te despes dos teus zelos e pecados
e te entregas a mim, com toda a nudez do teu eu eterno.

É quando te descobres SANTO
e eu te reconheço HOMEM!
e me apresso em aparar-te o pranto.
Porque preciso do sal das tuas lágrimas
com que temperar o meu depois...

Depois. Quando emergir do espelho...

Fontes:
Portal CEN http://www.caestamosnos.org/
Blog da Autora. http://belpakes.blogspot.com/

Guilherme de Azevedo (Alma Nova) III

foi mantida a grafia original.
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OS SONHOS MORTOS

Embora triste a noite, a vagabunda lua
Mais branca do que nunca erguia-se nos céus,
Igual a uma donzela ingénua e toda nua
No leito ajoelhada erguendo a fronte a Deus!

O mar tinha talvez cintilações funestas.
A praia estava fria, as vagas davam ais;
Semelhavam, ao longe, as extensas florestas
Fantasmas ao galope em monstros colossais.

E eu vi num campo imenso, agreste e desolado,
Imerso no fulgor diáfano da luz,
Juncando tristemente o solo ensanguentado
Sinistra multidão de corpos seminus!
Tinha a morte cruel, em sua orgia louca,

Deposto em cada fronte um ósculo brutal;
E um irónico riso ainda em muita boca
Se abria, como a flor fantástica do mal!

E eu vi corpos gentis de virgens delicadas
Beijando a fria terra, as mãos hirtas no ar,
Em sagrada nudez!... Cabeças decepadas!...
Em muito peito ainda o sangue a borbulhar!...

E sobre a corrupção das brancas epidermes
Luzentes de luar e de esplendor dos céus,
Orgulhosos passando os triunfantes vermes,
Da santa formosura os últimos Romeus!

Se tu, a minha alma livre ainda hoje conservas
Memórias das visões que amaste com fervor
Aí as tens agora alimentando as ervas
De novo dando à terra o que ela deu à flor.

São elas! As visões dos meus dias felizes,
Meus sonhos virginais, as minhas ilusões,
Que a seiva dão agora aos vermes e às raízes,
Que em pasto dão seu corpo a novos corações!

São as sombras que amei, divinas, castas, belas;
As quimeras gentis, os vagos ideais,
Que de rosas cingi, que iluminei de estrelas,
E que não podem já da terra erguer-se mais!

FALA A ORDEM

Pequena, donde vens cantando a MARSELHESA;
Da barricada infame, ou doutra vil torpeza?

Que esplêndido porvir! Do nada apenas sais
Começas a morder as púrpuras reais
Ó filho trivial da lívida canalha!...
E, vamos, deixa ver, guardaste uma navalha?!
Não tremas que eu bem vi! Que trazes tu na mão?

Intentas já limar as grades da prisão,
Fazendo cintilar um ferro contra o sólio
Arcanjo que adejais nos fumos do petróleo?!...
Mas, vamos, abre a mão: não queiras que eu te dê.

Bandido eu bem dizia! — a carta do ABC!

Ó lírios da cidade, ó corações doentes
Das vagas afeções modernas e galantes;
Eu sei que vós morreis aos sons agonizantes
Das orquestras febris, — nos sonhos dissolventes!

Sois os fulcros gentis que balançais pendentes
Nas árvores da vida; e os pobres viajantes
Famintos de ideal, sorriem triunfantes
Julgando-vos colher nas seivas inocentes!

E tragam com fervor o pomo apetecido
Que deve ter um mel oculto no tecido,
— um raio bom do sol que nos sorri tão alto;

Mas vós que sois da moda um luminoso aborto,
Como os frutos cruéis das margens do mar morto
Apenas contendes dentro uma porção de asfalto!

MISÉRIA SANTA

Entrando esta manhã num templo da cidade
Aberto à multidão mas triste e quase só,
O ver ao desamparo a velha majestade
Num trono a desabar, meteu-me certo dó.

Restavam tão-somente alguns dourados velhos
Do passado esplendor, e foi-me fácil ver
Que uma nuvem de pó cobria os evangelhos
Como coisa esquecida e imprópria de se ler!

A virgem, sobretudo; a mãe predestinada
Que o Gólgota lavou nas lágrimas de fel
Que sempre há de chorar toda a mulher amada,
Ou seja a mãe de Cristo, ou seja a de Rossel;

Achei-a desolada e triste lá num canto,
Sem pompas e sem luz, coberta de ouropéis
Tão velhos como o roto e desbotado manto
Que há muito, já, deveu à crença dos fiéis!

Dizer-me pode alguém de afetos bons e puros
Que eu posso ainda encontrar as belas catedrais
Aonde o simples Cristo e os mártires obscuros
Campeiam no fulgor de pompas teatrais.

Bem sei; mas como disse, o acaso ou o quer que fosse
Levou-me a um templo pobre e foi nele que vi
Que há mendigos do céu, de olhar sereno e doce,
Proletários do altar a quem ninguém sorri!

E ao ver esta humildade — eu tenho disto às vezes —
Pensei, não sei porquê, nas mórbidas visões
Que não passam de ser as filhas dos burgueses
Mas de rendas de França enfeitam seus roupões!

Fonte:
http://luso-livros.net/

Aluísio Azevedo (O Coruja) Parte 28

CAPÍTULO XX

O Aguiar, ao lhe constar a entrada de Teobaldo para o escritório do tio, esteve a perder os sentidos, tal foi o abalo que lhe produziu a notícia; mas, ordenando as suas idéias e meditando o fato, tocou logo para a casa de Leonília, disposto a por mão em todos os meios que lhe servissem de arma contra o rival.

— Aposto que não adivinhas o que aqui me traz!... Principiou ele, assim que a cortesã lhe apareceu no patamar da escada.

— Saberei se mo disseres…

— É uma revelação de amigo…

— Uma revelação? Entra.

— Com licença.

E, assentando-se defronte dela:

— Ainda gostas muito de Teobaldo?

— Loucamente, por quê?

— Sentirias muito se ele te abandonasse?

— Se me abandonasse? Mas que queres dizer? Há alguma novidade? ele tenciona sair do Rio? Anda! Fala por uma vez!

— Não, não é isso…

— Então que é? Desembucha!

Aguiar estendeu as mãos uma contra a outra, em sinal de casamento e fez um trejeito com os olhos. Casar? Ele? Exclamou Leonília empalidecendo repentinamente. — Ele vai casar?!

— Está tratando disso e é natural que a consiga se lhe não cortarem os planos... Só uma pessoa o poderia fazer e essa pessoa és tu.

— Eu?! Disse ela, afetando indiferença. — Ora, que me importa a mim! Que se case quantas vezes quiser!

Mas puxou logo o lenço da algibeira, escondeu os olhos e atirou-se depois sobre o divã, soluçando aflita.

— Bom, bom! Pensou o rapaz — com esta posso contar!...

E foi assentar-se ao lado da cortesã, para lhe expor o caso minuciosamente.

Soprou-lhe em voz baixa o nome da noiva, o número da casa do tio, falou sobre este e sobre Mme. de Nangis e terminou dando parte do novo emprego de Teobaldo.

— Se aquele patife continuar mais algum tempo no escritório, segredou ele, estará tudo perdido! É preciso antes de mais nada arrancá-lo dali. Conheço-lhe as manhas, é capaz de enfiar um camelo pelo ouvido de uma agulha!... Trata de evitar o casamento e podes, além do resto, contar com uma boa recompensa de minha parte. Adeus.

Leonília deixou-o sair, sem lhe voltar o rosto, nem lhe dar uma palavra. Só alguns minutos depois, ergueu--se, passou as mãos pelos cabelos das fontes, suspirou prolongadamente, mirou-se no espelho que lhe ficava mais perto e apoiou-se a um móvel, com o olhar cravado em um ponto da sala.

— Miserável! Balbuciou ela depois de longa concentração. — Miserável! E ele que nunca me falou nisto... Iludir-me por tanto tempo!... Tinha um casamento ajustado, tinha um namoro, e eu supondo que era amada!... Ah! Quando me lembro que ainda ontem lhe disse que seria capaz de tudo por causa dele, que tudo suportaria para não me privar dos seus carinhos!... Oh! Mas hei de vingar-me, hei de fazê-lo sofrer o quanto for possível, hei de persegui-lo enquanto durar o meu amor! Ou este casamento será desmanchado ou Teobaldo não terá mais um momento de repouso em sua vida!

E desde então principiou Leonília a fazer planos de vingança, a imaginar maldades e represálias contra o amante, disposta a não lhe deixar transparecer o menor indício das suas intenções; mas, na primeira ocasião em que Teobaldo esteve ao seu lado, ela não se pode conter e, entre soluços, deixou rolar contra ele a formidável tempestade de ciúmes que a tanto custo reprimia.

— É exato, respondeu o moço sem se alterar. Já que sabes de tudo confesso-te que vou casar.

— Hipócrita!

— Hipócrita, por quê? Então não posso dispor de mim?

— Não, decerto! A não ser que tenciones me dar o mesmo destino que teve a pobre Ernestina!

Teobaldo fez um gesto de contrariedade e Leonília acrescentou:

— Não, de certo, porque, quando uma mulher ama como eu te amo, não pode consentir que o seu amado se case com outra!

— Mas, filha, é preciso ser razoável!... Querias então que eu fosse eternamente o teu amant de coeur?... Querias que eu não tivesse outras aspirações, outros ideais, senão representar a indigna e falsa posição que represento aqui nesta casa, que não é paga só por mim?... Oh! Já tive ocasião de provar-te que não ligo importância a tudo isto!

— Sim, mas não compreendes que tenho aspirações e prezo o meu futuro? não vês que seria loucura de tua parte contar comigo para toda a vida?... Oh! Às vezes nem me pareces uma mulher de espírito!

— E amas tua noiva?

— Se não a amasse, não desejaria casar com ela.

— Dize antes que lhe cobiças o dote; serias, ao menos, mais delicado para comigo.

— Bem sabes que eu não minto...

— Quando não te faz conta!...

— Desafio-te a citares uma mentira minha!

— Ora! Não tens feito outra coisa até agora, escondendo de mim os teus projetos de casamento.

— Não! Isso seria falta de franqueza, mas nunca mentira.

— E mentir fazer acreditar em um amor que não existe.

— Eu nunca fiz semelhante coisa! Não fui eu quem te iludiu, foste tu própria!

— Confessas então que nunca me amaste, não é assim?

— A que vem esta pergunta?... Amar! Amar! Oh! Como tal palavrão me enjoa e apoquenta!

— É porque és um cínico!

— Não, é porque "amor" nada exprime, é um palavrão sem sentido; fala-me em simpatia, em gostar de ver alguém e senti-lo ao seu lado; fala-me na estima e no apreço em que temos os bons e os generosos, e eu te compreenderei e eu te direi que te aprecio e te quero!

— Vais me oferecer a tua amizade. Aposto.

— Não te posso oferecer uma coisa que dispões há muito tempo... O que eu desejo é apelar justamente para essa amizade e pedir-te em nome dela que não sejas um obstáculo ao meu futuro e A minha tranqüilidade.

— Não te compreendo.

— Meu futuro baseia-se todo neste casamento.

— E vens pedir que eu te auxilie?...

— Sim.

— Pois desiste de tal idéia!

— Não queres me proteger?

— Quero guerrear-te.

— Ah!...

— Hei de fazer o possível para que o teu casamento nunca se realize!

— É assim que és minha amiga?...

— É assim que sou rival de tua noiva! Hei de fazer o que puder contra ela! És meu! Amo-te! Hei de defender-te de toda e qualquer mulher, seja uma das minhas ou seja uma donzela de quinze anos!

— Queres então que eu me arrependa de haver consentido em ser teu amante?

— Não sei! Quero é que não me deixes! Sou muito mais velha do que tu; espera que eu morra e casarás depois com uma das que aí ficarem.

— És má!

— Sou mulher.

— Adeus.

E fez alguns passos na direção da porta; ela atirou-se-lhe no pescoço e começou a soluçar, beijando-o todo, sofregamente, como quem se despede do cadáver de um ente querido a que vão sepultar.

Teobaldo, entretanto, conseguiu desviar-se-lhe dos braços e saiu, disposto a nunca mais tornar ao lado dela.

Mas, no dia seguinte, às duas da tarde, trabalhava no escritório do patrão, quando viu parar à porta o carro de Leonília e logo, em seguida, entrar esta pela casa, à procura do Sr. comendador Rodrigues de Aguiar.

— O comendador não está, disse-lhe um caixeiro. Leonília perguntou a que horas o encontraria; o caixeiro respondeu, e ela saiu com o mesmo desembaraço com que entrara.

Teobaldo, mal ouviu bater a portinhola do carro, atirou para o lado a correspondência, pôs o chapéu, abandonou o escritório, tomou um tílburi e seguiu na pista da cortesã. Quando esta se apeava à porta de casa, ele surgiu ao lado dela.

— Que deseja de mim? Perguntou Leonília parando à entrada.

— Pedir-lhe um favor.

— Agora não lhe posso prestar atenção. Adeus.

— Olha! Ouve!

Ela não respondeu, arrepanhou as saias, galgou a escada e Teobaldo ouviu bater em cima uma porta fechada com arremesso. Tornou à rua estalando de cólera.

— Maldita mulher! Pensou ele. Maldita mulher, que tanto mal me faz!

E, quando mais reconsiderava as vantagens do seu casamento, mais furioso ficava contra Leonília e mais apaixonado se supunha pela graciosa filha do comendador. Meteu-se de novo no tílburi e mandou tocar a toda força para o colégio onde trabalhava o Coruja. Era uma idéia que lhe aparecera de repente. E assim que viu o amigo:

— Arranja uma saída já! Disse-lhe, sacudindo a mão dele entre as suas. Preciso de ti no mesmo instante. É um caso urgente. Vem daí!

O Coruja, meio contrariado por interromper a sua obrigação, mas ao mesmo tempo já em sobressalto com as palavras do amigo, não se fez esperar muito. — Então, que temos? Perguntou logo que se viu a sós com Teobaldo na rua.

— André, preciso que me prestes um serviço, um verdadeiro serviço de amigo: Leonília quer desmanchar o meu casamento; é necessário convence-la do contrário. Só tu me poderás fazer isso; és o único homem sério de que disponho! Vai ter com ela e chama-a à razão! Fala-lhe com franqueza, promete-lhe o que entenderes, contanto que a convenças!

— Ela ameaçou-te de fazer qualquer coisa?

— Nem só ameaçou, como até já foi ao escritório do comendador procurá-lo!.

— Falou-lhe?

— Não porque felizmente ele não estava em casa, mas volta amanhã sem dúvida ou talvez ainda hoje mesmo, e tu bem sabes que, se ela fala ao comendador, estou perdido! E adeus casamento, adeus futuro, adeus tudo!

— E preciso então ir já?

— Sim, imediatamente! Olha! Mete-te no tílburi e vai, anda!

Coruja fez ainda algumas perguntas, tomou certas informações e afinal seguiu para a casa de Leonília.

Veio ela própria recebe-lo, fê-lo entrar para a sala e assentou-se-lhe ao lado. Só então o pobre André avaliou o alcance do seu compromisso; achou a comissão mais difícil do que julgara e a si próprio mais fraco do que supunha; mas vencendo o acanhamento, principiou sem transição:

— Sabe, moça, eu venho aqui para lhe pedir um favor...

— O senhor é o amigo de Teobaldo, não é verdade?

— Sou eu mesmo.

— O Coruja, não?

— Justamente.

— Que favor deseja pedir?

— Que a senhora não faça a desgraça do nosso amigo.

— Como?

— Desmanchando-lhe o casamento.

— Ele então já lhe falou nisso?

— Já, e eu vim pedir à senhora que tenha pena do pobre rapaz.

— E ele teve pena de mim, porventura? Ele não calculou que com esse casamento fazia a minha desgraça? Não se lembrou de que há já um bom par de anos que nos amamos e eu não poderia de braços cruzados vê-lo atirar-se nos de outra mulher?... Ele não calculou tudo isso?

— Mas é necessário, replicou André.

— Para quem? perguntou a rapariga.

— Para ele.

— Pois também é necessário para mim que ele não case.

— Não tanto...

— Não tanto? Ora essa! Por quê?

— Porque a senhora já tem, boa ou má, a sua vida constituída, e ele precisa fazer um futuro, precisa arranjar uma posição.

— Ora!

— E que talvez a senhora não esteja bem informada, as coisas nunca se acharam para ele tão ruins! Teobaldo está em uma situação crítica, muito critica; se não consegue realizar este casamento, fica perdido, perdido para sempre, e, como lhe conheço bem o gênio, receio pela vida dele!...

— Outro tanto não faz ele a meu respeito.

— Ah! ,Mas a senhora não se vê nos mesmos apuros...

— Engana-se, meu amigo, estou até em muito piores condições. Todo este luxo que o senhor tem defronte dos olhos não significa opulência, significa miséria!... Sou mais infeliz do que qualquer das minhas companheiras, porque tenho coração, porque sinto e conheço o terreno em que piso, e sei avaliar cada passo que dou neste tristíssimo caminho de minha vida! Ah! Vêem-me rir; vêem-me zombar de tudo e de todos, e no entanto só eu sei o que vai cá por dentro! Sofro e sofro mais do que ninguém! Cada beijo que tiro dos meus lábios para vender, é mais uma fibra que me estala nalma! Oh! Daria todo o meu sangue para não ser quem sou!

O Coruja principiava a comover-se.

— Mas... Prosseguiu Leonília, o senhor no fim de contas tem toda a razão: meu amor não é como o amor das outras pessoas, o meu amor, em vez de elevar, humilha e rebaixa! Quanto mais delicada, quanto mais escrava e amiga me fizer de Teobaldo, tanto mais o prejudico! Tem toda a razão! E indispensável que eu me afaste dele por uma vez! E preciso que eu acorde deste sonho para cair de novo na triste realidade do meu destino! Que importa que isso agrave os meus sofrimentos; que os torne perigosos; que os torne fatais?... Que importa, se nada lucram os outros com a minha vida ou perdem com a minha morte?... Ele quer abandonar-me? Pois não! Faz o seu dever obrará como um "rapaz de juízo"! Todos os homens sérios e refletidos aplaudirão esse ato! Ele quer casar? Nada mais justo! O casamento é a moral, é a ordem, é a dignidade no amor! Pois alguém lhe perdoaria abandonar um casamento vantajoso só para impedir que sucumba uma desgraçada, uma mulher perdida? Ninguém, decerto! Ah! Tudo tem seu tempo! Amou-me enquanto podia e precisava amar-me; depois nada mais tem que fazer a meu lado e vai buscar o que lhe convém, o que serve para o seu futuro! Aqui não se trata de mim; trata-se dele apenas; eu que não fosse tola! Quem me mandou tomar a sério o que não devia passar de uma brincadeira, de um capricho? Quem me mandou a mim sonhar com felicidades que me não pertencem?... Pois não devia eu calcular logo que as desgraçadas de minha espécie só tem direito à libertinagem, ao vício e à eterna degradação?...

E Leonília rompeu em soluços.

Não se mortifique... aconselhou o Coruja, sem achar o que dizer.

— Ah! Sou muito, muito desgraçada! Ninguém poderá calcular o quanto sofre uma mulher nas minhas condições, quando ela não sabe ser quem é e quer se dar à fantasia de revoltar-se contra o seu próprio meio! Por todos os lados sempre a mesma lama: o que se come, o que se veste, o que se gasta, é tudo prostituição; nada que não tenha a mancha de podre! E no entanto uma coisa boa e pura me restava ainda no meio de tanta imundícia: era o meu amor por Teobaldo; esse não tinha sido contaminado pelo resto... Quando eu me sentia aviltada por tudo e por todos, refugiava-me nele, lembrava-me de que o amo sem interesses mesquinhos, sem hipocrisias, nem baixezas; e esta idéia me fazia por instantes esquecer de mim mesma, esta idéia como que me transformava aos meus próprios olhos, e eu me supunha menos só no mundo e menos prostituta! Agora, querem arrebatá-lo; querem tomar-me o único pretexto que eu tinha para viver... Pois levem-no! Mas, oh! Por quem são! Deixem-me morrer primeiro! Não há de custar tanto!

— Não pense nisso!

— E do que me serve a vida sem Teobaldo?... E que o senhor não conhece, não pode imaginar o que é a existência de nós outras, mulheres perdidas! E simplesmente horrível! Hoje ainda encontro quem me ampare, porque não estou de todo acabada; mas amanhã os homens principiarão a desertar e as suas vagas representarão mil necessidades — Depois a moléstia, a fome completa e afinal — "Uma esmola por amor de Deus!" Eis aí o que me espera, como espera a todas as minhas iguais! Atravessamos uma existência de vergonhas para acabar num hospício de idiotas ou num hospital de mendigos! Pois bem! Com a idéia em Teobaldo, eu me esquecia desse futuro implacável; bem sei que ele nunca me recolheria de todo à sua guarda... Quem sou eu para merecer tanto?... mas dizia comigo "Ele, coitado, tem-me amor, nada me pode fazer por ora; mais tarde, porém, quando me vir totalmente desamparada, virá em meu socorro e não consentirá que eu morra como um cão sem dono !"

— E quem lhe disse que ele não olhará pela senhora?... Por que o há de supor tão mau?

— Ah! Mas uma vez casado, a coisa muda logo de figura... Não há homem que se não modifique deixando o estado de solteiro! Quando eles até então só amam a mulher com que se casam, mal a possuem esquecem-na por outra; e, se antes do casamento já se dedicavam a qualquer amante, será esta sacrificada à legítima esposa. Esta é a lei geral; esta há de ser a lei de Teobaldo!

— Mas, segundo me parece, isso não impede que ele seja eternamente grato aos desvelos que a senhora lhe dedicou.

— Sim, creio, e é justamente por esse motivo que eu nada esperarei dele depois do casamento. Uma mulher aceita a compaixão seja de quem for e pelo que for, menos do seu amado, em substituição da ternura.

— Pois se lhe repugna aceitá-la das mãos dele, pode recebe-la das minhas; comprometo-me a olhar pela senhora.

Leonília, ao ouvir isto, voltou-se de todo para o Coruja e mediu-o em silêncio com os olhos ainda congestionados pelo choro. "Que significaria aquela proposição?..."

— O senhor tenciona tomar-me à sua conta?... Perguntou ela surpresa. Tenciona fazer-se meu amante?

André tornou-se vermelho e balbuciou:

— Está louca?

— Mas não é essa a proposta que acaba de fazer?

— Eu lhe ofereci apenas o meu auxílio pecuniário...

— Quer ser então o meu protetor?

— Quero opor-me à desgraça de Teobaldo.

— Quanto o senhor é amigo daquele ingrato!

— Se a senhora se acha disposta a sair do Rio de Janeiro, arranja-se-lhe o necessário para a viagem. Concorda?

— Sim; creia, porém, que é mais pelo senhor do que por ele.

— Obrigado. Amanhã mesmo lhe chegará o dinheiro às mãos. Adeus.

Leonília foi acompanhá-lo até à porta e o Coruja saiu para ir ter com Teobaldo.


— Bonito! Exclamou este, quando o amigo lhe prestou contas da sua comissão — Fizeste-la bonita!

— Como assim?

— Pois tu foste prometer dinheiro à mulher? Não sabes que não tenho onde ir buscá-lo?

— Dividiremos a despesa... eu posso arranjar a metade. Creio que, se lhe mandarmos uns duzentos mil réis.

— Duzentos mil réis! Isso nem dobrado vale nada para ela! Não conheces esta gente! Foi o diabo!

— E quanto entendes tu que é necessário dar-lhe?

— Sei cá! Nunca menos de cem libras esterlinas!

— Um conto de réis!

— Com menos disso duvido que ela se vá embora!

— Há de se lhe dar um jeito! Não te aflijas.

— E que eu estou sem vintém!

— Arranja-se...

— Não admito que te sacrifiques tão estupidamente! Ora essa!

— Descansa que não me sacrificarei.

Mas, ao tirar-se daí, André foi direitinho à sua secretária, sacou de uma das gavetas um pequeno pacote de notas de cem mil réis, meteu-o no bolso e saiu. Quando tornou ao lado de Teobaldo, disse-lhe:

— Sabes? Está tudo arranjado.

— Hein? Como? Ela parte?

— Sim. Levei-lhe em teu nome oitocentos mil réis. Seguirá no primeiro paquete para Buenos-Aires e não tornará cedo ao Brasil.

— Ó desgraçado! Querem ver que lhe deste as tuas economias!

— Não; apenas o que fiz foi adiantar-te o dinheiro; depois de casado me pagarás.

— Nesse caso vou passar-te uma letra.

— Para que? Não precisa.
––––––––––––––
continua…