sábado, 24 de agosto de 2013

Antonio Brás Constante (A Simplicidade Viva da Morte)


A morte mesmo em sua forma mais incerta é a única certeza que temos. Depois de uma vida de incertezas encontramos na certeza da morte nosso destino final. Ela está sempre à espreita de nossas vidas como uma fera que cedo ou tarde vai nos atacar e subjugar.

Para quem sofre sem ter mais esperanças ela se torna uma amiga bem vinda e aguardada. Uns dizem que ela é violenta, outros que é gelada, pois ao seu toque o sopro da vida se esvai, deixando apenas uma carcaça fria para ser enterrada. Após sua chegada abandonamos nosso transporte terrestre chamado de corpo, que irá reciclar com o universo físico, e deixamos que nossa alma imortal (se é que ela existe) possa enfim voar leve e solta, provavelmente, fazendo aquilo que almas leves e soltas ficam fazendo por aí para passar seu tempo infinito.

Se alguém me perguntasse se existe algo pior que a morte, eu lhes responderia: “Sim, TUDO!”. A morte não é cruel para aqueles que morrem, e ao pensar nisso percebo que quando ouvimos que fulano ou beltrano teve uma morte horrível, na verdade eles tiveram um final de vida horrível. A morte é a mesma para todos, quando ela chega não há mais dor, ou qualquer sofrimento. A paz reina eterna. Nossa existência finita se encontra com a derradeira inexistência infinita. A morte é igual em qualquer parte do mundo, é universal.

Qualquer um que sente que vai morrer torce para encontrar uma luz para seguir, e torce mais ainda para que aquela luminosidade toda não seja obra de algum vaga-lume superdotado. A morte acontece de maneiras implacáveis (não confundam com “emplacáveis” segunda pessoa do plural do pretérito imperfeito do verbo emplacar, pois em se tratando da ceifadora, quando ela emplaca o jogo da vida acaba).

A morte muitas vezes tem a ver com o DNA (Data de Nascimento Antiga) do indivíduo. Ninguém escapa de seu abraço frio, que não escolhe raça, credo, idade, ou time do coração. Teoricamente, aqueles que têm fé deveriam receber sua chegada com mais alegria e menos tristeza, visto que em todas as fábulas religiosas o além é um lugar muito melhor do que esta nossa conhecida, temporária e carnal estadia terrena. Porém, o que vejo é o contrário, ninguém quer morrer, por mais que se acredite em paraísos divinos, ninguém quer largar este tênue lampejo existencial.

A dona morte nada mais é do que o ponto final em um texto, totalmente alheia ao que ali foi escrito, sem julgar se o conteúdo foi bom ou ruim, não é maleável ou influenciável. Ela é uma marca, um final de sentença, um bilhete de ida para o eterno descanso. Claro que talvez alguns punhados de fantasmas possam vir a discordar de mim, mas não devemos nos assombrar com estas assombrações.

Dizem que quando alguém morre uma parte da pessoa continua viva dentro de nós, mas o contrário também é verdadeiro, pois uma parte de nós sempre acaba morrendo junto da pessoa que amamos. A tristeza transformada em depressão, a depressão baixando a imunidade de nosso corpo, nos enfraquecendo, nos atordoando, nos desamparando, arrancando a dor de nosso peito sem qualquer pudor, e expondo-a ao mundo para quem quiser ver. Uma força que nos força chorar, não há como evitar.

Nos velórios vislumbramos muitas faces amigas transfiguradas, onde antes víamos cultivados sorrisos doces, naquele instante brotam lágrimas salgadas, forjadas na mais pura melancolia. O enterro é a pior parte, uma espécie de marcha do sofrimento, seres unidos pela agonia rumando em passos lentos para sepultar aqueles que se foram, para nunca mais voltar.

Em aproximadamente 30 dias deste ano de 2013 a morte me visitou duas vezes, de forma indireta, porém, arrebatadora. Na primeira delas, no inicio de julho, levou meu mestre e amigo Zé Gadis, responsável direto por eu ter seguido esta lida de pretenso escritor. Em sua segunda visita levou minha querida mãe, dia 04 de agosto.

E aqui estou eu, com minhas mãos vivas registrando a morte. A mente instigada e sugestionada pela perda de um mestre e uma guerreira, deixando aqui meu pequeno tributo de lembrança a eles, que merecem bem mais que isso, muito mais mesmo, mas por enquanto, por hoje, e talvez por um indeterminado tempo, ainda longe de meu campo de visão, é tudo que posso lhes oferecer. Um tributo de certa forma inútil, visto que é dedicado em homenagem a pessoas que nunca poderão ler, chorar, rir, ou mesmo desfrutar de qualquer outra maneira desta dedicatória.

Enfim, eles me conheceram assim, um palhaço das palavras perdidas, que transforma a própria tragédia em picadeiro, buscando esboçar um sorriso ainda que em um texto triste, enquanto duas lágrimas deslizam dentro do peito, acariciando meu coração...

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O autor

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