terça-feira, 6 de agosto de 2013

Francisco Sobreira (Isa)

Ele a viu aparecer em uma das duas entradas que davam acesso ao bar, de repente estacar, movendo os olhos na direção dos poucos fregueses ali presentes naquele começo de noite. Ele estava em uma mesa perto da entrada de onde ela surgira, na parte do bar que não era coberta, e o rosto voltado para o mesmo local, de maneira a ser facilmente reconhecido. Ainda assim, achou necessário acenar-lhe com a mão, e o gesto, ele não deixou de perceber, apesar de estar tão atento à chegada dela, chamou a atenção dos outros fregueses. Ela acenou também, talvez mais para demonstrar que o vira, e apressou o passo na direção dele, que se levantou para recebê-la. Trocaram beijinhos, ela sentou-se e ele perguntou se o acompanhava na cerveja. Ela preferiu um refrigerante diet.

“Pensei que não viesse mais.”

“Quase que eu não vinha. Relutei muito, antes de me decidir a vir.”

“É, já pelo telefone você resistiu muito à minha proposta de nos encontrarmos. Por que, Isa?”

Ela, que estava com as mãos juntas, afastou-as com um gesto largo, como a sublinhar a resposta.

“Mas eu lhe disse por quê. Achava e continuo achando inútil este encontro.”

“Tudo bem. Mas o que quero ouvir de você é uma razão plausível para não continuarmos. Por que você diz que não dá certo continuarmos?”

Ela ia começar a responder, mas reteve a fala quando notou o garçom se aproximar da mesa, trazendo o refrigerante e um copo. Puxou a argola da latinha, despejou parte do conteúdo no copo, quase o enchendo, sorveu um longo gole, depois do que pôde responder a pergunta.

“Você disse que queria que lhe desse uma razão plausível, não foi? Pois muito bem. O caso é que não sou livre.”

“Não é livre? Como assim?”

Ele alteou a voz, outra vez atraindo a atenção das pessoas sentadas nas mesas próximas. Ela encostou o indicador nos lábios e moveu os olhos para os lados.

“Desculpe, Isa (ele baixou sensivelmente a voz). É que fui surpreendido pelo que você acabou de dizer. Explique­-se melhor.”

“Eu não sou livre. Já lhe disse”

Ele bebeu um longo gole, depois tirou um cigarro da carteira sobre a mesa e o acendeu. Parecia buscar na bebida e no fumo o apoio necessário para não perder a calma.

“Mas, Isa, você não me garantiu que era sozinha? Não foi você que quis que ficássemos na sua própria casa, com aquele papo de que não se sentiria à vontade num motel? Não foi?”

Ela não respondeu, ele repetiu não foi? ela disse foi.

“E então? Que história é essa de que não é livre?”

“Eu menti pra você. Mas agora vou dizer a verdade: eu vivo com um homem há muitos anos. E eu amo esse homem.”

Ele soltou uma risada curta, sem ligar para a curiosidade dos fregueses, nem para a censura gestual que ela podia fazer, mas que não fez. Em seguida ele disse:

“Você tá querendo gozar com a minha cara.”

“Bom, se você não acredita, não posso fazer nada. Acho que não tenho mais nada a fazer aqui.”

Ela fez menção de se levantar, mas ele a reteve com um gesto de mão.

“Queria que você me respondesse com toda a sinceridade de que for capaz. Eu não signifiquei nada pra você?”

A mirada de Isa teve a duração de um piscar de olho. Logo em seguida ela baixou o rosto e não disse uma palavra.

“Não é mais preciso responder. Está muito claro pra mim. Só não está claro é você ter aberto a sua casa para alguém que não representou nada pra você, já que você ama o homem com quem habita nessa mesma casa. Seria pedir demais, Isa, que esclarecesse pra mim essa parte obscura do nosso relacionamento?”

“Você quer mesmo saber?” (Ela tinha levantado o rosto e de novo o encarou.)

“É tudo o que quero saber.”

“Será que vai suportar ouvir a verdade?”

“Vá em frente, Isa.”

Ela esfregou uma mão na outra, como se as mãos estivessem úmidas e precisassem ser aquecidas.

“Não sei como dizer isso.”

“Vá em frente, Isa,” ele repetiu, já com uma certa impaciência.

“Bom. Você foi um... uma... digamos... uma espécie de instrumento...”

“Instrumento?”

“Como os outros...”

“Outros? Houve outros homens?”

Ela estava de novo curvada, insistindo em atritar as mãos.

“É ele, sabe? Precisa que eu faça... O caso é que ele... Eu tenho... tá entendendo?... que ter contato com outros homens...”

Calou-se de repente, como se aquelas palavras lhe tivessem exigido um esforço sobre-humano, deixando-a sem fôlego para prosseguir. Também calado, ele olhava para aquela mulher com a cabeça quase derreada sobre a mesa, indeciso entre a compaixão e o desprezo. Por fim disse:

“Você já pode ir.”

Ela se ergueu, sem olhar para ele, e, sem um mínimo gesto de despedida, afastou-se em passos rápidos. Já ele não tirou os olhos de Isa, até vê-la desaparecer.

Fonte:
http://contosbrasileiros.blogspot.com.br/2007/10/francisco-sobreira.html

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