sábado, 14 de setembro de 2013

Bernardo Guimarães (Poemas Humorísticos e Irônicos :Ao Charuto)

Ode

Vem, ó meu bom charuto, amigo velho,
Que tanto me regalas;
Que em cheirosa fumaça me envolvendo
Entre ilusões me embalas.

Oh! que nem todos sabem quanto vale
Uma fumaça tua!
Nela vai passear do bardo a mente
Às regiões da lua.

E por lá embalado em rósea nuvem
Vagueia pelo espaço,
Onde amorosa fada entre sorrisos
O toma em seu regaço;

E com beijos de requintado afeto
A fronte lhe desruga,
Ou com as tranças d’ouro mansamente
As lágrimas lhe enxuga.

Ó bom charuto, que ilusões não geras!
Que tão suaves sonhos!
Como ao te ver atropelados correm
Cuidados enfadonhos!

Quantas penas não vão por esses ares
Com uma só fumaça!...
Quanto negro pesar, quantos ciúmes,
E quanta dor não passa!

Tu és, charuto, o pai dos bons conselhos,
O símbolo da paz;
Para em santa pachorra adormecer-nos
Nada há mais eficaz.

Quando Anarda com seus caprichos loucos
Me causa dissabores,
Em duas baforadas mando embora
O anjo e seus rigores.

***
Quanto lastimo os nossos bons maiores,
Os Gregos e os Romanos,
Por não te conhecerem, nem gozarem
Teus dotes soberanos!

Quantos males talvez não pouparias
À triste humanidade,
Ó bom charuto, se te possuísse
A velha antigüidade!

Um charuto na boca de Tarquínio
Talvez lhe dissipara
Esse ardor, que matou Lucrécia linda,
Dos mimos seus avara.

Se o peralta do Páris já soubesse
Puxar duas fumaças,
Talvez com elas entregara aos ventos
Helena e suas graças,

E a régia esposa em paz com seu marido
Dormindo ficaria;
E a Tróia antiga com seus altos muros
Inda hoje existiria.

***

Quem dera ao velho Mário um bom cachimbo
Que lhe abrandasse as sanhas,
Para Roma salvar, das que sofrera,
Catástrofes tamanhas!

Mesmo Catão, herói trombudo e fero,
Talvez se não matasse,
Se a raiva que aos tiranos consagrava,
Fumando evaporasse.

***

Fumemos pois! — Ambrósio, traze fogo...
Puff!... oh! que fumaça!
Como me envolve todo entre perfumes,
Qual véu de nívea cassa!

Vai-te, alma minha, embarca-te nas ondas
Desse cheiroso fumo,
Vai-te a peregrinar por essas nuvens,
Sem bússola, nem rumo.

Vai despir no país dos devaneios
Esse ar pesado e triste;
Depois, virás mais lépida e contente,
Contar-me o que lá viste.
 
Ouro Preto, 1857

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