sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Caldeirão Poético de Tocantins

FRANCISCO PERNA FILHO
Miracema do Norte/TO


VISGO

As pernas daquela moça eram longe
e distantes de tudo;
Longínquas
e humildes.
As pernas dela
souberam dos meus olhos,
ignoraram distâncias.
Fechamos a porta.

ESTADO

Embora presa,
a água borbulha solta na chaleira
efervescente.
É de fora
a sua natureza líquida.
Não há fôrma que a aprisione,
não há temperatura que a molde.

Embora verso,
embora prosa,
A poesia sabe-se leve,
sabe-se solta.
Amorfa,
não se prende ao vocábulo.

GUTEMBERG GUERRA
Marabá/TO


A QUESTÃO

 Deu um tiro no peito
por ser cidadão com direito à busca
da (in)felicidade,
conforme o seu sentimento.

Morrer ou não é outra.
Ser ou não ser é uma.
A dor é
          a questão.

Deu um tiro no peito!

HIRAN CÉLIO DE MONÇÃO
Marabá/TO (1922-1941)


A VIDA
Devassa prostituta do destino,
filha bastarda e má da Divindade;
Es o resíduo amargo do intestino
dessa pantera horrenda- a Humanidade!

Degenerado aborto adulterino
da Criação! Essência da maldade
desde o existir da vida intra-uterina,
és o instrumento da fatalidade!...

No desespero da existência incalma
maldigo os deuses que me deram alma
e me entregaram, sem defesa, à vida!

É felizardo o que já nasceu morto;
não lhe manchara abençoado aborto
dessa Lucrécia, a mãe prostituída!

EU

Filho da carne putrefata e impura
estátua podre de excremento e barro,
trago no crânio o estigma da loucura
e o pus da morte existe em meu escarro.

Desta fumaça azul do meu cigarro
fogem bacilos da garganta escura.
Meu peito é um cofre imundo de catarro
onde se esconde um velho mal sem cura.

Milhões de germes trago no organismo
que em miserando e infame comunismo,
vão destruindo, aos poucos, meus tecidos.

Trago no corpo gangrenoso a essência
de toda podridão que há na excrescência
-glândulas, nervos, sangue apodrecidos…

ISABEL DIAS NEVES
Tocantinópolis/TO


P(OMAR) DE NÓS

         Para Marcelina Dias Neves, minha mãe

 É doce e vão esse pomar;
sombra feita,
flores fartas,
frutos gerados
sensualizam a boca.

Pomar que se almeja e conta
é o que se planta.

Sombra firme - reduzida,
flores novas - raras,
frutos fartos - racionados.
Tudo à mão - sem suor
 nem invenção.

Pomar que se almeja e planta
 é o que conta.

O trabalho com a terra
é um gesto de promessa:
molha a raiz com pranto e riso,
canta o plantio e a colheita,
sonha e arde a todo canto.

Pomar que se planta e conta
é o que se canta.

ORESTES BRANQUINHO FILHO
Araguaina/TO


LUCIDALUSÃO

Pensei que a camisa
Fosse o canto da parede
Como a janela seminua
Me olhando pela mulher
Segurando um coração.

Peguei a cortina
E a vesti correndo
Como se fosse cair,
Aí me deu um rosto
E sai morrendo pelo armário.

Encontrei seus restos rotos
E senti não estar morto
Em querer ser harmonia.

Corri terr´adentro noutro
Dentro em rins atrofiados,
Me doeu clastrofobia.

Moas mascam goma
Moscas mascam moças
Moças mascam mascam
Moscas moscas moscas.

Agora sol, o nublar ferve
Do teu corpo exalo verve
Que me urge e conduz.

Sinto rente à tua sina
Algo novo, longo zoom
Intuindo todo lume.

PEDRO TIERRA
(Hamilton Pereira)
Porto Nacional/TO


A HORA DOS FERREIROS

Quando o sol ferir
com punhais de fogo
                   e forja
a exata hora dos ferreiros,
varrei o pó da oficina
e a mansidão dos terreiros,
libertai a alma dos bronzes
e dos meninos
desatada em som
e nessa aguda solidão
que em ondas se apazigua
— ponta de espinho antigo —
na carne
         do coração.

Convocai enxadas,
foices, forcados, facões,
grades, cutelos, machados,
a pesada procissão dos  ferros
afeitos ao rigor da terra
                   e da procura
e, por fim, as mãos,
                   resignadas,
multiplicadas no cereal maduro.

Mãos talhadas em silêncio
                   e ternura,
que plantam a cada dia
sementes de liberdade
e colhem ao fim da tarde
celeiros de escravidão.

Esgotou-se o tempo de semear
e inventou-se a hora do martelo.
Retorcei na bigorna outros anelos
e a força incandescente deste mar
de ferros levantados.

Esgotou-se o tempo de consentir
e pôs-se a andar
a multidão dos saqueados
contra os cercados do medo.

Homens de terra
e relâmpago!
Convertei em fuzis vossos arados,
armai com farpas e pontas
a paz de vossas espigas!

LURDIANA ARAÚJO
Filadélfia/TO

CÁLICE


Se o amor acabou,
traz-me o cálice
que finda esta vida,
transforma minha alma
nas flores, na lua.

Se o amor acabou,
acabou-se a lida.
Traz-me o cálice
sem despedida.

Esquece as juras
Sob a luz da lua,
esquece que minh’alma
desejava a tua.

Esquece o silêncio
na madrugada fria,
minh’alma partiu,
sem despedida
pra longe da tua.

XAVIER SANTOS
Marabá/TO

INFÂNCIAS

O mundo fez piruetas
Com o pé de manga-rosa
Pintou as bolas-de-gude
Com as sobras do arco-íris.
Brincavam de amarelinhas
Felizes muricizeiros.
Curiós, xexéus e sanhaços
Faziam o maior furdunço
Nas frutas, nos arvoredos.

Os anos de todos eles
A gente contava nos dedos.

Com argamassa dos sonhos
A terra forjava os homens:
Era Bruno, Erick, Carol e Rafa
Brincando de lobisomem.

ZACARIAS MARTINS
Gurupi/TO

POLIVALENTE


Conserto quase tudo
mesmo que às vezes
possa provocar
alguns estragos.

Fazer o quê?
Ninguém é perfeito!

SORRISO ENIGMÁTICO

À noite,
ficava horas a fio
com aquele sorriso maroto,
mergulhada em seus pensamentos.
Jamais se conformou por ser apenas
uma dentadura num copo d´água!

SONHÓDROMO
Não me impeçam de viver o meu sonho.
Também tenho o direito de sonhar,
mesmo que às vezes,
isso incomode muita gente
por causa do barulho.

Fonte:
Antonio Miranda. Poesia dos Brasis.  http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/tocantins/tocantins.html

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