domingo, 8 de setembro de 2013

Isabel Pakes (Poesias Avulsas) II

Pintura de Francisco Javier Rodriguez (O Poeta)
Às candeias do amanhã

Ausente do meu toque, feito um anjo ou feito um bruxo,
me olhas do alto da lua, me beijas através da brisa
e nas rosas que admiras me mandas lembranças tuas.
Pareces estar vibrando em tudo quanto me envolve,
até nos livros que leio, como se teus mensageiros,
contam-me histórias de amor iguais à tua e a minha.

E isso não te bastando, interceptas meus pensamentos,
seduzes meus argumentos e, de pronto,
te colocas porta adentro dos meus sonhos.
De tal forma te embrenhas em minha mente
que não há como fugir dos teus enleios e nem tenho eu por quê.
Se às vezes me exasperas pelo ontem que adiaste,
outras vezes me comoves, muito, profundamente,
quando feito a canção que mais gosto,
vens, manso e cativo, aninhar-te no meu peito.

Alheio ao tempo e à distância
por onde vou me alcanças trespassando dimensões,
alongando os teus sentidos aos menores dos meus gestos,
guardando-me em calmaria, às candeias do amanhã,
em noite de turbilhão.

Se és um anjo ou um bruxo, não sei.
Se me guardas ou me enfeitiças, não sei.
Talvez em mim só preserves o alento em cuja sombra repousas.
Mas estás aí, é o que importa!
Estás aí e me ouves devotado
e sem que te apercebas, minha alma embevecida
por um breve instante me escapa para abraçar-se à tua.

Anjos na Terra

Eu sei de um anjo. Eu sei de muitos anjos!
Não desses de belas faces e olhares plácidos
que povoam as páginas dos livros sacros
e as abóbadas das catedrais. Não desses.
Anjos de verdade, que posso tocar e sentir.
Anjos que, corporeamente, me livram do mal
da vaidade, do orgulho, da ambição...
Que me dizem do quanto sou feliz
com o que tenho e o que sou.
Anjos que trazem as asas atadas
e caminham a passos lentos e difíceis,
pelas barrancas que ladeiam o caminho por que vou,
a fim de que eu possa passar livremente e sem demoras.
E que se mostram a mim, sem reservas,
para que eu possa me pensar e dizer:- Obrigada, Deus,
por me conceder os meios com que exercitar o amor.
Anjos. Anjos do Senhor, na terra.

Estes anjos que sei,
trazem o céu dentro de si.
Às vezes, são como crianças grandes,
mas sempre puros como os pequeninos.
Jamais se abrem às ilusões do mundo.
Não vivem senão à vontade do Pai.

E pensar que, um dia, eu me julguei perfeita...
Eu! Que sempre fui tão vulnerável às tentações
e preciso deles como escoras
para suster minha pretensa evolução.

Estes anjos de que falo, existem por aí,
em todas as partes do planeta
e para reconhecê-los nem preciso aguçar minha visão.
São tão evidentes e tanto se parecem
nos rostos, nos gestos, na autenticidade do carinho,
no jeito excepcional de amar!
A quem de coração de entender, ou não.

Amor, substantivo concreto

Você é o amor feito criança!
Amor substantivo concreto
que tomo nos braços,
afago, aperto...

Quando olho pra você
esqueço-me em sua serenidade
sentindo-me alongar
no estado do meu ser.

E deixo-me ficar assim, agigantada!
Abandonada à sua angelical figura.
É tão doce esta paz de que me inundo
que me custa acreditar que o céu
é além divisas deste mundo.

É quando minha alma transparece
e minha voz te adormece
feito canção de ninar.

Sobras de amor

Há sobras de amor
rolando pelos cantos das casas inférteis
enquanto crianças, órfãos de afeto,
se abortam pelas sarjetas.

Não, isto não é poesia,
apenas um pensamento,
um desconforto da alma
num ter que viver terreno.
Igual quando vejo laranjas
apodrecendo nas árvores,
enquanto um espantalho mesquinho
afugenta os sanhaços.

Cerquilho - Cidade menina

Quando passeio meus olhos por tuas ruas e praças
tuas rosas me saúdam e fico orgulhosa de ti!
Lembro-me de que nasceste de um humilde vilarejo
onde abrigavas tropeiros que na calidez do teu colo
descansavam seus quebrantos...

Lembro-me dos estrangeiros, audaciosos lavradores
chegados na Estação, trazendo de além-mar
nada mais que garra e força, nada mais que amor e fé
e tuas terras verdejaram, vestindo-as de cafezais!

Lembro-me dos saber adentrando tuas portas;
tua primeira professora, teus primeiros aprendizes,
teu burburinho infantil no velho grupo escolar!

Lembro-me do teu grito quando a dor te estilhaçou,
do teu pranto, do teu luto, das tuas flores soterradas...
E de como renasceste, como a hera entre as ruínas,
tímida, assustada, mas ansiosa por viver!

Quantas lágrimas te banharam! Quanto suor te regou!
Mãos de aço, incansáveis, te soergueram das cinzas
e te fizeram mais forte, mais vigorosa ainda!

Lembro-me de como cresceste vitoriosa!
Do verde-cana mesclando-se ao verde-cor do café...
Das tuas indústrias ativando suas rodas
para nunca mais parar.

Lembro-me dos teus filhos, trabalhadores devotos
que honram teu padroeiro, teu amado São José!
Dos teus filhos cujos braços sempre abertos
acolhem quem te procura buscando o teu amparo
e cujas mãos se entrelaçam, unificados na prece,
entoando louvor e glória à providência dos céus!

Lembro-me da tua bandeira que baila com a brisa,
toda vaidosa ostentando os frutos do teu trabalho,
margeando de azul anil as páginas da tua história!
Ah... Minha cidade menina!

Tão robusta, mas menina. Radiante, graciosa!
Exalas essência de rosas e provocas dentro em mim
algo que não explico, porque não sei definir.
Só sei que estou orgulhosa, muito orgulhosa de ti!

Cerquilho - Cidade menina II

Remodelam a cidade.
Derrubam-se as minhas saudades-
- lugares meus da infância, da mocidade...
Santuários onde algum dia,
cheia de fé, rezando as minhas esperanças,
fiei quimeras e amoldei meu íntimo,
(entulhos agora) demovem-se do tempo,
desaparecem...

Fico triste. Choro...
Porém, num processo mágico,
talvez por maternal instinto,
as lágrimas que verto converto em seiva
para vitalizar meus novos ideais.

E a cidade se afigura sorridente!
Assume ares diferentes
qual menina adolescente preocupada em se enfeitar.
Diante dos meus olhos cada vez se faz mais bela
e, vaidosa, sempre cheirando à rosas,
ainda mais me envolve, ainda mais me seduz!
E mais ainda me induz
a me orgulhar sempre dela!

Minha eternidade

Conduze-me ao teu infinito!
Deixa-me romper-te
como o sol rompe a noite.
Eu quero afugentar os teus temores,
teus pesares, tuas dores...
Eu quero iluminar-te em larga aurora
num eterno amanhecer!
Quero-te claro como o dia,
sem segredos, inteiro!
Quero-te na plenitude do teu ser.

Conduze-me ao teu infinito!
Deixa-me lançar-me em tua vida
como uma aeronave no espaço etéreo.
Eu quero desvendar os teus mistérios,
descobrir-te como um novo mundo
e exilar-me em ti, confiar-me a ti,
compor contigo uma unidade,
esquecer-me em teu amor
como se fosse a minha eternidade!

É preciso

É preciso, antes do replante, revolver a terra;
retalhar raízes que, irreverentes, se torceram,
se tramaram... perderam-se das origens;
demover as ervas que, daninhas, se embrenharam nos trigais.

Que a seiva retorne ao seio.
Que vicejem as espigas
e se multiplique o pão!

É preciso alentar a terra;
lancetar as chagas, remover as pedras, dar vazão às lavas...
Dissolver as nuvens, destilar as águas, saciar-lhe a sede.
Que se refrigere!

Que essa febre cesse,
essa dor se aquiete,
que se cicatrize!

É preciso temperar a terra,
afastar as sombras, dar passagem à luz
que se lhe adentre no cansado ventre
e o restabeleça do desconforto da nossa inconsequência.
Que outra vez fecundo possa germinar a paz!

Sobretudo, é preciso cultivar a fé e preservar virtudes,
até que, preparada a seara, venha o lavrador
selecionar as mudas.

Bom tempo

Acendi o sol dentro de mim
hoje de manhãzinha,
depois da chuva que passou
e levou os meus entulhos
com as folhas mortas,
na enxurrada.

Revivescência

 Deixa refluir o vento...
Depois, quando no limiar da hora
for se desintegrando a noite
aos primeiros raios da esperada aurora,
há de a tempestade amainar-se
e se fazer bom tempo!

E há de brilhar o sol
como se, do eterno, na manhã primaz!

E soprará a brisa,
renascerão as flores,
revoarão os pássaros...
Toda a natureza se pontuará de luz!

E na memória,
nada a se lembrar do que foi mal passado,
nenhum resquício.
Porque aos ares da bonança
profundamente se alteram
as sementes dos abrolhos.

Tudo será novo,
como no despertar do sétimo dia!

E haverá calma e doçura...
a quem de boa vontade.

Fontes:
Portal CEN http://www.caestamosnos.org/
Blog da Autora. http://belpakes.blogspot.com/

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