sábado, 21 de setembro de 2013

Vera Carvalho Assumpção (A Dama Imortal)

Como já disse diversas vezes nas minhas crônicas, sempre fui apaixonada pelas damas do crime, especialmente as inglesas. Também minha primeira crônica sobre o gênero policial fala sobre o final feliz das histórias. As pessoas gostam e se viciam nas histórias policiais porque sabem que, no final, o assassino será apontado e, diferentemente da realidade, de alguma forma a paz e a ordem serão restabelecidas e a justiça será feita. O que significa um final feliz.

São muitas as escritoras que se sobressaíram no gênero policial. No entanto, Agatha Christie continua sendo sucesso no mundo todo e, aqui no Brasil, as reedições se sucedem. Quem investiga o fenômeno começa sempre com a matemática de suas conquistas: só a Bíblia e Shakespeare venderam mais do que ela. Claro que a Bíblia é comprada e nem sempre lida! Shakespeare, não sei.

A questão permanece: como essa mulher conseguiu tanto sucesso e por tanto tempo? Talvez sua força tenha sido usar o próprio talento para fazer bem feito o que sabia fazer. Durante mais de cinquenta anos, Agatha produziu assassinatos e seus misteriosos desfechos, que continuam a surpreender e encantar seus leitores.

Com certeza o apelo universal de Agatha Christie não repousa em sangue ou violência, não nos corpos crivados de balas nas ruas perigosas dos “hard-boiled” americanos, não na selva de pedra do detetive sardônico, rápido no gatilho e gozador, nem na cuidadosa análise psicológica da depravação humana. Embora seus dois detetives, Poirot e Miss Marple, de vez em quando, investiguem assassinatos no exterior (Morte no Rio Nilo etc.), seu mundo é, na maioria das vezes, uma aconchegante e romantizada cidadezinha inglesa, enraizada em nostalgia, com sua hierarquia bem ordenada: o elegante cavalheiro rico (muitas vezes com uma jovem esposa de antecedentes misteriosos), o coronel poderoso e irascível, o médico da aldeia e sua enfermeira, o farmacêutico (útil para a compra e fabricação de venenos), as solteironas fofoqueiras atrás das cortinas de renda, o pároco local. Todos se movimentando previsivelmente em sua hierarquia social como num tabuleiro de xadrez. No entanto, nessa mítica cidadezinha cujos habitantes aparentemente são inofensivos e familiares, há sempre um que vai nos surpreender.

Ela não usa grande sutileza psicológica em suas caracterizações. Seus vilões e suspeitos são desenhados em traços amplos e claros e, talvez por causa disto, têm uma universalidade que leitores do mundo inteiro reconhecem instantaneamente. A base moral dos livros é simples e sem ambiguidades, resumida na declaração de Poirot: “Tenho uma atitude burguesa em relação ao assassinato: não o aprovo”.

Apesar do assassinato, a última coisa que se obtém num romance de Agatha é a presença perturbadora do mal. Não há emoções perturbadoras, estas ficam para o mundo real do qual buscamos na leitura uma tentativa de escapar. Enquanto lemos, todos os problemas e incertezas da vida são agrupados em um foco central: a identidade do assassino. E sabemos que, no final, isto será satisfatoriamente solucionado e a paz e a ordem serão recuperadas.

Seus leitores podem encontrar, livro após livro, a confortável garantia de rever velhos amigos. Ela nos induz, com delicada esperteza, a enganarmos a nós mesmos. Tomamos cuidado ao entrar naquela que é a mais letal das salas: a biblioteca. Suspeitamos do desocupado e insinuante retornado de terras estrangeiras e atentamos cuidadosamente aos espelhos, às portas entreabertas. Além da atenção redobrada ao mordomo.

Tantos truques são invariavelmente mais engenhosos do que críveis. As histórias são brandos enigmas intelectuais, não esquemas verossímeis do verdadeiro assassinato.

Quando a vítima é assassinada, há pouca informação quanto ao suspeito principal. Só no fim do livro reconhecemos que as pistas estavam todas ali e não percebemos, ou a autora as colocou de forma tão sutil que conseguiu nos enganar. Mas aí o leitor já está satisfeitíssimo, pois acabou de encontrar a paz e a ordem que procurava. Descobriu-se o assassino e alguma forma de punição vai ocorrer. Pelo menos na ficção!

Fonte:
http://www.kbrdigital.com.br/blog/category/vera-carvalho-assumpcao/

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