sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Monteiro Lobato (A Reforma da Natureza) Capítulo 8 – No dia seguinte

No dia seguinte pularam da cama muito cedo e retomaram a obra de reforma da Natureza. Tudo era examinado e reformado no que à elas parecia torto. A Rãzinha continuava com as ideias mais absurdas, de verdadeira maluca.

A reforma do Quindim, por exemplo, que a Rã fez sozinha, era a coisa mais esquisita que se possa imaginar. Em vez do famoso chifre sobre o nariz, que é característico de todos os rinocerontes, a Rã botou uma flecha de Cupido com um coração assado na ponta. Assado, imaginem! E ornamentou os cascos de Quindim com pinturas: Branca de Neve com todos os seus anões. E trocou as quatro pernas do rinoceronte por quatro pernas diferentes - uma de veado, outra de ganso, outra de jacaré, outra de pau. E substituiu aquele couro duríssimo por um revestimento muito bem trançado de palhinha de cadeira. Cauda, botou duas; depois três, depois dez, depois cem; deixou-o com um verdadeiro varal de caudas dando volta inteira em redor do pobre animal.

A reforma do Quindim saiu um tal disparate que nem andar ele podia - uma perninha não acompanhava a outra, e havia a tremenda atrapalhação de tantas caudas, todas diferentes, umas com bolas na ponta, outras com espinhos de ouriço, outras com campainhas.

Quando Emília foi ver a "obra", não pôde deixar de rir se. Aquilo era o "bissurdo dos bissurdos." Quindim estava transformado num verdadeiro destampatório.

- Isso não é reformar, Rãzinha! - disse ela. - Isso é escangalhar com uma pobre criatura. Ele já não é rinoceronte, nem nenhum bicho possível. Virou quarto de badulaques, baú de mascate. Que judiação!...

- E você deixa que ele fique assim? - implorou a Rã, com medo que Emília desmanchasse aquela obra-prima do disparate humano.

- Deixo por enquanto - respondeu Emília - como castigo da preguiça, da velhice e neurastenia que ele anda mostrando duns tempos para cá. No dia do plebiscito sobre o tamanho Quindim me traiu – recusou-se a votar. A falta desse voto deu vitória ao Tamanho e eu saí lograda. Agora que aguente. Mais tarde vou reformá-lo de novo, mas com critério científico ...

A Rã ou era mesmo maluca ou estava "sabotando" a obra reformatória da Emília. Todas as ideia s que apresentava eram tontas, como aquela da mudança dos morros. A Rã tomou um lápis e traçou um desenho assim:

- Que é isso? - perguntou Emília.

- Ah, isto é uma das reformas que acho mais necessárias: as reformas dos morros. Sempre que tenho de subir um morro, fico cansada e sem fôlego. E então imaginei uma coisa assim: os picos serão para baixo, em vez de serem para cima, de modo que quando a gente tem de ir ao pico dum morro, desce, em vez de subir...

Emília ficou a olhar, ora para a Rã ora para o desenho. Era uma reforma que deixava tudo na mesma.

Quando alguém que descesse ao pico do morro tivesse de voltar, teria de subir para o vale...

- Não. Essa ideia está boba. Muito melhor fazermos os morros bem baixinhos, de modo que não canse a gente; ou então deixarmos os morros em paz. Para que subir morro?
––––––––––-
continua…

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