domingo, 24 de novembro de 2013

Carolina Ramos (Caderno de Trovas)


Adeus, filho, segue a vida...
Volta um dia, sem promessa...
que a primeira despedida
no ventre da mãe começa!

A grande, a maior vitória
que até hoje consegui,
foi remover da memória
as batalhas que perdi.

Alforriada, ela passa
gingando frente ao feitor
e o dengo de sua raça
faz dele escravo do amor!

Alforria... e a voz dos bravos
se erga, potente, entre as massas,
negando criar escravos
de um ódio cruel entre raças.

Alforria... ela desperta
tendo ao rosto um novo brilho,
não lhe importa estar liberta,
mas, ver liberto o seu filho!

Alforria... que mentira!
pensa o negro velho a rir...
- seu braço tanto servira,
que apenas crê no servir...

A liberdade germina
quando um povo pulsa e anseia,
qual semente pequenina
que rasga o solo e se alteia!

A lua beija a favela...
A estrela no céu reluz...
- Meu bem, apaga essa vela,
o amor não quer tanta luz!...

Angústia, imensa, dorida,
pior que a dor de morrer,
é não ter apego à vida
e ser forçado a viver…

Ante a força intransigente,
para o caos a paz resvala...
- Deus, deste alma a tanta gente
que nem sabe como usá-la!

Ante a lua, o mar se alteia,
tenta alcança-la na altura,
mas é nos braços da areia,
que encontra a paz que procura!...

Ante os dilemas da vida,
embora ilusões destrua,
à mentira bem vestida,
prefiro a verdade nua!

A pele negra retrata
a dor de uma triste saga,
pois o estigma d chibata
nem mesmo a alforria apaga!

A penumbra da saudade
torna os meus dias tristonhos
e eu bendigo a claridade
das estrelas dos meus sonhos!

As bandeiras desfraldadas..,
O povo em vai-vem nas ruas...
e as esperanças sonhadas
são  minhas... e também  tuas!

A sós, na penumbra doce...
Neste agora sem depois,
é como se o mundo fosse
um mundo só de nós dois!...

A verdadeira alforria
é aquela que estende as mãos,
unindo em plena harmonia
branco e negro, como irmãos.

Bendigo o dom da poesia:
- num mundo de tais perigos,
deu-me a serena alegria
de achar um mundo de amigos!

Bichinho cheio de manha,
terno e manso quando quer;
mas, zangado, morde e arranha:
- É gato? - Não... é mulher!

Boneca sem cor, partida...
uma bola abandonada...
- Saudade mostrando à vida
quanto vale um quase nada!

Buscá-la cansa, é verdade...
mas a vida nos ensina:
- Se queres felicidade,
olha a seta...só lá em cima!

Choram as mães... Alforria!
e os negrinhos, assustados,
não sabem que uma alegria
também faz olhos molhados!

Como é fútil e tamanha
a soberba dos ateus...
Seixos ao pé da montanha,
negando a montanha – Deus!

Como pode haver poesia
nos rumos da humanidade,
se tarda tanto esse dia
da paz ser PAZ de verdade?

Creio num Ser superior,
num Deus-Pai e creio, sim,
na eternidade do Amor
que nem a morte põe fim!

Das cores, qual a mais bela?
- "A negra" - diz o ceguinho...
"pois, dentre todas, é aquela
que eu vejo no meu caminho."

Dessa cruel liberdade
de ofender, há quem abuse
a esquecer de que a verdade
um dia talvez o acuse!

Deu a tantos seu carinho
que no enlace, em confusão,
deu o sim para o padrinho
e o beijo no sacristão!

Ele chega de mansinho,
velho cão ressabiado...
mas, se conquista um carinho,
nos dá carinho dobrado!

Ele mente e se arrebata
com tal veemência e desplante,
que, se um besouro ele mata,
vira o besouro elefante!

Embora sozinha eu siga
e sigas também a sós,
dentro do amor que nos liga
não há distância entre nós!

Enquanto a vida nos cansa,
o poeta, fugindo ao chão,
vai procurar a esperança
entre as nuvens de algodão!

É possível que aconteça:
Seja folclore ou novela,
tanta gente sem cabeça...
por que não mula... sem ela?

Esse que vive algemado
às paixões, odiando a esmo,
mesmo sendo alforriado,
segue escravo de si mesmo!

Esta penumbra... Este frio,
este agora sem porquê...
Este silêncio vazio
é o meu mundo sem você!

Filho, a montanha da vida,
escala devagarinho,
que há muita flor escondida
entre as pedras do caminho!

Foi Mestre. Sábio! Hoje em dia,
na humildade e de olhos baços,
esquece a sabedoria
e um tolo lhe guia os passos!

Guarda sempre esta mensagem
da própria vida que diz:
- é feliz, quem tem coragem
de acreditar que é feliz!

Há contraste em nossas vidas
mas, perfeito é o desempenho:
luz e sombra, quando unidas,
dão força e vida ao desenho…

Há vidas que se parecem
com as roseiras viçosas:
quando podadas, mais crescem
e mais se cobrem de rosas!

Já velhinho, sonha ainda,
mantendo o brilho no olhar,
que a juventude só finda,
quando é impossível sonhar!

Lembrando a ternura antiga,
minha saudade se exalta...
- Bendigo a penumbra amiga
que me esconde a tua falta!

Liberdade de calar
todos têm, mas, cuida, pois,
ser livre é poder falar
e seguir livre depois!

Liberdade, em termos sãos,
vale mais se, humildemente,
podendo retê-la em mãos,
nós a damos de presente!

Liberdade é o grande anelo!
Na mansão, casebre ou ninho,
é o cobiçado castelo
quer do rico ou pobrezinho!

Mente com tal propriedade,
que ao mentir jamais hesita
e quando diz a verdade,
nem ele mesmo acredita.

Mesmo descendo a montanha,
não temo abismos do mundo;
- quando a Fé nos acompanha,
pode haver flores no fundo!

Não prolongues a partida...
Vai... não olhes para atrás,
dói bem mais a despedida,
quão mais longa ela se faz!

Não temas portas fechadas,
nem mesmo fracassos temas,
há sempre forças guardadas
para as conquistas supremas.

Na penumbra, o berço é um templo,
ajoelho e em ternura enorme,
entre rendas eu contemplo
meu pequeno deus que dorme!

Não se queixa de ser pobre,
quem, no seu modesto lar,
trabalha e feliz descobre
que é livre para sonhar!

Na vida, a luta não cessa
em prol do sonho e do pão
e a liberdade começa
onde acaba a servidão!

Na vida, quanta maldade
não punida, se repete!
E, em nome da liberdade,
quantos crimes se comete!

No amor o tempo se gasta
com medidas desiguais:
se estás longe, ele se arrasta;
se perto, corre demais!

No claro-escuro da vida,
fusão de alegria e dor,
a penumbra é colorida
se for penumbra de amor!

No Livro da Eternidade,
o herói a expirar, exangue,
a História da Liberdade
escreve com o próprio sangue!

Nosso amor, quadras desfeitas,
de um poema sem achados...
Rimas tristes, imperfeitas,
fechando versos quebrados!...

Nós somos duas tipóias,
somando forças escassas:
- quando eu fracasso, me apóias,
te apoio, quando fracassas!...

O mar da vida parece
que, às vezes, quer me afogar,
mas, Deus, que nunca me esquece,
atira a boia no mar!...

O mar, raivoso, se alteia,
como todos, quer a altura,
mas, é nos braços da areia
que encontra a paz que procura.

O mundo é paisagem triste,
chora o rico e o pobre chora...
- Meu Deus, se a ventura existe,
onde será que ela mora?!

Os ponteiros marcham lento,
mais um ano que se acaba
- pede PAZ meu pensamento,
para um mundo que desaba!

Ouço teus passos serenos
e o meu abraço se expande,
mas sinto os braços pequenos,
para ternura tão grande!

Para os que entregam ao nada
os sonhos que ontem sonharam,
o orgulho é terra pisada
moldando os pés que a pisaram…

Passa o tempo... bem depressa...
a roubar o que nos deu,
e, uma dúvida se expressa:
- passa o tempo... ou passo eu?!

Paz e Amor - eram Seus planos
e por eles deu a vida.
- Mensagem que há dois mil anos
não foi ainda entendida!

Pequenino grão latente,
que brota e aos poucos se expande,
criança é humana semente,
na conquista de ser grande.

Pobre pássaro!... é de crer
que a prisão não mais suporta
- e vale a pena viver
se a liberdade está morta?!

Por te amar, tenho sofrido,
mas não me arrependo: Vem!
- Quem ama as rosas, querido,
ama os espinhos também!

Preso ao tronco, em ais tristonhos,
geme o negro, sem alarde...
- para quem não tem mais sonhos,
a alforria chegou tarde...

Quando a penumbra descia,
a nossa emoção vibrava,
sonhando o que não dizia,
dizendo o que nem sonhava!...

Quem se agarra a uma quimera,
quem persegue uma utopia,
age como se soubera
que sem sonhos... morreria!

Quem não sabe, quem não sente
que às vezes nos custa caro
essa audácia de ser gente,
quando ser gente é tão raro?

Que o presente se reparta
com o passado, sem queixa...
- A memória não descarta
o que a saudade não deixa!

Queres vencer? - Pensa bem
e não dês passos a esmo,
ninguém pode ser alguém
sem conquistar a si mesmo.

Saltando apenas num pé,
negrinho, maroto e arteiro,
o saci, nada mais é,
que o capeta brasileiro...

Se amigo é o que escuta a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é o que não deixa
sequer o pranto cair!

Se a ternura nos aquece
e um grande amor nos ampara,
é quando a penumbra desce
que a vida fica mais clara!

Se eu sinto fugir a calma
e até viver me angustia,
eu abro as janelas da alma
e deixo entrar a Poesia!

Segue em frente, com cuidados
que a prudência mal não faz
e os bons passos, ontem dados,
dão mais força aos que hoje dás!..

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!

Ser livre é também saber
que a liberdade alcançada
faz parte do próprio ser
e não se troca por nada!

Ser mau é fácil...insiste
em ser bom, sempre a lembrar:
- bondade, às vezes, consiste
em ver, ouvir... e calar!...

Sofre e perdoa sem grito,
o mal que de alguém se emana,
que há outro Alguém no Infinito,
maior que a maldade humana!

Sorrindo ao branco menino,
que o negro seio mordia,
mãe preta cumpre o destino,
alheia à própria alforria.

Sussurrando com ternura,
prova a fonte, sem revolta,
como é possível ser pura,
mesmo tendo lama em volta.

Teu amor... tal força tinha,
que a saudade me conduz
e esta penumbra só minha
ainda é cheia de luz!

Vai-se um dia... Vai-se um mês...
E eu te imploro, sem revolta,
se não regressas de vez,
esta noite, ao menos, volta!

Fonte:
Trova Brasil n. 7- março 2013.

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