quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

José Amauri do Nascimento (O Assassinato da Esperança)

O alarme soou quando os ponteiros cruzaram cinco horas em ponto e o pequeno cômodo logo foi tomado pela estridente sonoridade do despertador do relógio comprado no camelódromo do Centro do Rio de Janeiro, fazendo com que Luiz Carlos, num sobressalto, o desligasse para que seus irmãos menores não acordassem. Cansadamente abriu os olhos e esticou o corpo ainda sonolento sobre o colchonete estendido no meio do quarto, de joelhos o dobrou e o empurrou com cuidado pra debaixo do beliche onde dormiam os dois mais novos dos quatro irmãos, levantou cambaleante dando longos bocejos e, a custo, pé ante pé, na penumbra embaçada do dia que começava, tateou as duas redes onde os outros dois se remexiam em leve incômodo.

— Ui! Desculpem-me, voltem a dormir... Shhh...

No único banheiro da casa, onde dispunha apenas de água fria, o coração do garoto que acabara de completar 16 anos, experimentava um misto de sensações que fazia seus batimentos acelerarem descompassadamente.

Seu pai já não mais se encontrava em casa, levantara ainda mais cedo, sua labuta diária beirava doze horas. Sua mãe se encontrava na humilde cozinha fervendo água na única boca que funcionava do fogão velho.

Luiz Carlos tomou um banho apressado, em parte pela baixa temperatura da água, mas principalmente, pela ansiedade que o assolava. Aquele haveria de ser um dia muito importante, não queria se atrasar. Na verdade, sabia: a fila a esperá-lo seria enorme e desejava ser, senão o primeiro, um dos primeiros.

Mesmo não tendo muitas opções, vestiu a melhor roupa, pois lera numa matéria de uma revista velha, que uma boa apresentação contaria pontos. Na cozinha, açodadamente, comeu meio pão dormido sem margarina e tomou um gole de café meio amargo que a mãe acabara de preparar. Já na porta, a mulher, pouco vigorosa, lançou-lhe um olhar pesaroso, mais pela dureza dos dias do que propriamente pelo que, de fato, sentia.

Tentando, o máximo que podia passar-lhes as esperanças que somente o âmago das mães pode acumular, abraçou-o com as poucas forças de braços magros e desejou-lhe, amorosamente, boa sorte.

— A sua bênção mãe! (...)

Em meio aos anseios daquele dia que o tomavam de assalto, o jovem sonhador e esperançoso por dias melhores, viu a porta fechar-se às suas costas. Escadaria abaixo seguiu atalhando as bifurcações dos becos da comunidade.

Em cada esquina um sorriso nervoso desenhava-lhe o rosto e um calafrio fazia cócegas na barriga, porém, o pensamento era um só: o de que a sua vida e de toda a família estavam prestes a mudar, e pra melhor...

Já na última esquina, acesso a avenida principal, onde pegaria a condução que o levaria ao seu destino, num gesto inocente, levou a mão ao bolso da calça por baixo da camisa. Nesse momento um estrondoso estampido ecoou e um forte impacto o atingiu no peito jogando-o para trás de encontro ao muro. Escorregou lentamente parecendo apenas sentar-se, enquanto uma mancha escorria às suas costas pintando de vermelho a parede descascada.

Policiais que se preparavam para uma incursão surpresa, aproximavam-se:

— Você viu tudo! Ele estava armado, ia atirar...

— Não parceiro, esse daí não faz parte da facção, ele só tinha um papel no bolso!

Abaixando-se, retira da mão do jovem, de olhar estático e sem vida, um panfleto onde se lia: Primeiro emprego! Entrevista: A partir das 08:00h.
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*Suboficial da Marinha do Brasil, reside no Rio de Janeiro/RJ, é membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni.
Fonte:
Revista Literária Café-com-Letras – Ano 11 n.11. Teófilo Otoni: Academia de Letras de Teófilo Otoni, 2013.

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