domingo, 29 de dezembro de 2013

Machado de Assis (Gazeta de Holanda) N.° 15 – 20 de marco de 1887

“Câmara Municipal
Sem ter regimento interno!”
Exclamou, com ar paterno
Vereador pontual.

“Sem um acordo fraterno,
Um papel, um manual,
Certo, acabaremos mal,
Faremos disto um inferno.

“Digo-vos que é usual,
Em qualquer lugar externo
Haver regimento interno
Para evitar todo o mal.”

Em tom sossegado e terno
Diz outro municipal
Que o pau (físico ou moral)
É regime mais superno.

— “Há de haver algum sinal
Aqui, pelo lado interno,
Do efeito vivo e fraterno
Desse estatuto formal.

“Palavras (é dito eterno)
Às sopas não trazem sal;
Quero ação, ação real,
Venha do céu ou do averno.

“E que outra menos verbal
Que a ação do cacete alterno,
Não como um vento galerno,
Porém, como um vendaval?

Se, assim amparado, externo
Meu parecer cordial,
Para que me serve o tal
Regimento de caderno?

“Saiba a câmara atual
Que, se eu aqui não governo,
Tenho este dever paterno
De a não fazer trivial.

“Paterno disse? Materno;
Quero outro tom pessoal.
Fique-lhe o tom paternal
Ao colega mais moderno.

“Sim, o pau, é pau real
Venha do céu ou do averno,
E palavras (dito eterno)
Às sopas não trazem sal “.

Não sei que disse o paterno
Vereador pontual;
Eu, por mim, prefiro a tal
Um copo do meu falerno.

Não que seja um casual,
Ruim, triste e subalterno
Modo de encontrar em erno
O consoante final,

É falerno e bom falerno
Sorrir da municipal
Que vive tant bien que mal,
Sem ter regimento interno.

Ou esse escrito legal
Que o outro chamou caderno,
Para o bom viver paterno
Vale tudo ou nada val.

Se não, por que é que o superno
Parlamento nacional
Conserva um trambolho igual,
Quer de verão, quer de inverno?

Se sim, como é curial,
Que não tenha esse uso interno,
Corpo tal, que vive alterno,
Conservador, liberal?

Relevem se um subalterno
Entrou nesse cipoal...
Olha a taça de cristal,
Leitor, vamos ao falerno!

Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.

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