sábado, 18 de janeiro de 2014

Miguel Carneiro (Balada do Cangaceiro sem Mãe e Outras Baladas) IV

Balada de um Homem Apaixonado em Meio ao Luar na Baía de Todos os Santos
 
Dos meus olhos cintilam faíscas vermelhas
Que incendeiam como fachos de fogo
Teu lençol encharcado de suor e centelha
A boca vermelha, rubra de tanta paixão
Busco na madrugada me embeber de tanta predileção.

O hálito delicioso de estranho almíscar
Envolve-me num clima de verdadeiro estupor
Respiga na memória as ancas belas de meretriz
E minha mão desliza na tua escultura verniz
Moldada em febre por Camile Claudel
E o lençol do véu
Lentamente descubro na penumbra desse meu céu.

Trêmulo de ardor dessa paixão
Toco com a ponta dos dedos
O bico eriçado de teu peito mortal
E como um bebê que busca a mama
Sugo com sede teu fruto abissal.
Revira-se, então, com pose de gazela,
E como um caçador de estepes africanas
Lanço o falo em tua gruta aveludada e bela.

Pego teus cabelos sedosos e macios
Mergulho os dedos na direção
De teu rosto de porcelana chinesa
Repousa enfim em meu peito de esfinges.
Lentamente adormece, e à francesa
a lua cruza a abóbada celeste
Em direção ao Japão.

Canção para ninar Gaiaku Luíza

Eu
não sei dos mistérios,
e nem ousaria desvendar.
Dentro de mim correm negros
que me fazem de ti aproximar.

Trago, porém, de longe
guardado em meu peito
teu doce nome para te louvar.

Minha Mãe dos Caminhos
me embale até eu sonhar.
Ò Gaiaku Luíza
Teu povo jeje veio nos tumbeiros a penar

Transportados feitos animais,
chicoteados, humilhados.
Renascem por tuas mãos,
na longa luta,
através de teus Orixás.

Declaração de Princípios
Para o poeta Zéduardo Souza

Quem andou em cavalo baio
Nunca esquece a montaria
Chuva de molha não enche barreiro
Pedra de toque não é cantaria

Eu sou madeira de dar em doido
Eu sou barro bom de alvenaria
Martelo, prumo e serrote
Sou poeta da Bahia

No tempo de meninote
Andei tudo que é freguesia
Farra pra mim só três noites
Homem valente não é sinal de valentia
Bacalhau já foi comida de pobre
Asfalto foi quem trouxe a carestia

O diabo já morou no céu
Chuva do sul é invilia
Marmanjo já teve na escola
Conversa de bêbado nunca teve serventia

Eu sou madeira de dar em doido
Eu sou barro bom de alvenaria
Martelo, prumo e serrote
Sou poeta da Bahia.

Canção das noites de abril

A minha amada
tem olhos de madrugada
como fachos acesos de tição.
A minha amada é inquilina
bem menina
de meu velho coração.

Chama-me pro canto
Fascina-me
faz-se de traquina
em meu templo de celebração.

A minha amada tem a boca de mel
semelhante ao manjar do céu.
De travo tão bom,
espairecida no Jardim das Delícias
E nessa preguiça
permaneço a lhe enamorar.

Minha amada tem um cheirinho
que de longe eu posso identificar
Aquece-me e me cobre
e dorme sempre depois que eu estou a cochilar

Para Boi Dormir

Maria da Anunciação Moranda das Noitinhas,
onde os grilos cantam à tardezinha,
para avisar que a barrinha,
estava sumindo.

Perto da Malhada Comprida,
seu Zé da Anunciação,
com sua solidão,
vem capengando,
aboiando,
sem se importar com a cara do Cão.

No fogão de lenha,
a panela de feijão mulatinho chia,
pia,
ó tia,
e a cascavel no bote esperando uma rã.

Aquela vontade terçã,
de avistar as serras do Bugio,
e de onde me guio,
lembro dos Rios,
que enterraram patacas de ouro,
para as cabras do Istopô,
berrarem chamando os aliados.

Lá em casa meu louro,
sem nenhum agouro,
está a me aguardar.
Os meninos da Anunciação,
soletram o abc do sertão:
Da chegada de Lampião.

Tá tudo no mato,
e eu sem sapato,
com sandália de rabicho,
vendo tudo que é bicho,
nesse chapadão.

Vai desaguar trovoada,
Meus companheiros darão gaitada,
e a terra vai despregar da lua,
e ela toda nua,
com o cavalo de São Jorge despontando garboso,
todo formoso,
com as bridas de prata alumiando o sertão.

E essa cambada de gente,
nessa aporrinhação.
Empalhando jaracuçu,
comendo teiú,
e não sabe onde fica o Boqueirão,
Né, mesmo, Seu Zé da Anunciação?

Fontes:
Miguel Carneiro. Balada do Cangaceiro Sem Mãe e outras Baladas
Imagem = Pintura em tela . textura e tinta acrílica, de Katia Almeida

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