sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Clevane Pessoa (Poemas Avulsos)


SERIAL KISSER

Formal, beija-lhe as costas da mão direita
ao despedir-se, numa festa.
Lembra o antigo gesto:
beijava-lhe o côncavo da mão esquerda
a pedir que guardasse o precioso segredo

Até que uma noite, o vê passar de carro,
outra em seu lugar,
a beijar a outra mão
– o mesmo gesto, que julgava seu,
noutra epiderme.
Agora, ato sem perdão,
Modelagem, por certo, em série
Na pedra sabão
Que não mais quer ganhar.

CHUVA ALHEIA

No mundo há os que dizem,
os que dizem e fazem,
os que apenas dizem e nada fazem
e aqueles que pouco falam,
mas realizam, no casulo do segredo,
o que é preciso fazer.

Há os que fingem ser,
na lógica do parecer
e do fechamento de gestalts, protótipos
estratégias e insinuações.
Mas não são, não fazem,
não doam,
apenas simulam,
revolvendo-se em ninho
feito pelos outros,
cantando suas canções.

Se fossem chuva, choveriam com água alheia
à noite, para não serem descobertos
e de dia, para acharem que seriam nuvens férteis.

FUNÇÃO

Lençóis d'água
Subterrâneos frescores
A amenizar
Os fogachos da menopáusica
Mãe Terra...

Jasmins d'água
Em touceiras.
O olor pungente
Bordeja o rio
que borda a Terra...
De longe, querubins
Em miniatura
Adejando brancas asas...
De perto, parecem
Borboletas que não voam,
Presas ao verde...
De quando em vez,
Caem pétalas
Sem ruído perceptível
E cada qual beija a água
Respingando ternura
Flutuando, leves plumas,
Por certo merecem
Que meu olhar
De brasas acesas
Perscrute o ondulado
E frio caminho...

Até onde irão? Aonde
Deságua a água
Cantando,
Ao mar se entregando?
Ou... Fenecerão antes
Que o Tempo e a poluição as insulte
Roubando-lhes a beleza?…

MISTÉRIO

Para onde se vão
os escritos perdidos
nesse universo cibernético?
Será que há um batalhão de
anjinhos
garis de palavras perdidas,
a recolhê-las?
Será que caçadores de
antiguidades
(saiu do hoje, já é passado,
saiu do agora,
já é antigo...)
as recolhem no limbo
de outras dimensões
e por elas cobram fortunas
de gotas d'água ao sol,
para que os arco-íris
não se acabem jamais?
Será que os escribas
já em outra dimensão
lêem, corrigem
aprovam, declamam,
repassam,
fazem pastas de nuvens
e arquivam?
Quem souber,
conte aos poetas,
conte-me que lhes repasso...
Mas... para onde foi o poema
feito ainda agora
e que fugiu para o espaço?
Será que vai chover Poesia?

CHOVENDO

Tempo no gerúndio, coisa de poetas:
A natureza continua
chorando em cima das últimas pétalas...
vestígios de lágrimas
nas calçadas da rua.

TERMÔMETRO

O beijo, essência do real
promove sensações
no soma, na anima, no animus
toca espaços antes ignotos.
- mesmo se dado na boca
atinge mil points de prazer.
O beijo é mediado  pela impossibilidade
de não acontecer.
Em simbiose de quereres,
faz-se medida do desejo.
Se frio, bom desistir
de investir num futuro pobre
ao lado de quem ser parceiro
arqueiro mais que certeiro
ao alvo a atingir
mas não acende o devido aceiro:
não acende chamas
quando beija o beijo
que não logrou aquecer

INÚTIL NÃO
 

Lamenta pela vida inteira
o beijo que não deixou acontecer,
Qual saber da brasa sob cinzas
e não soprá-la para reacender...
E o frio se instalou no centro
de sua frustração.
Agora, ouve a sinfonia repetitiva do Não
qual antigo disco quebrado…

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