sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Teófilo Braga (A Feia que fica Bonita)

Recolhido no Algarve

Era uma vez uma velha, que tinha uma neta, que era feia como um bicho. A velha morava defronte do palácio do rei, e meteu-se-lhe em cabeça de vir a casar a neta com o rei. Lembrou-se de uma gíria. Todas as vezes que o rei saía a passeio, ao passar por diante da porta da velha, ela despejava para a rua uma bacia de água de cheiro, e dizia:

— A água em que a minha neta se lava cheira que rescende.

Sucedeu isto assim tantas vezes, que o rei reparou para o caso, e pediu à velha que lhe deixasse ver a neta, que se lavava em água tão cheirosa.

A velha escusou-se dizendo que não, porque a neta era muito vergonhosa, mas que tudo se arranjaria, porque assim que fosse noite iria com ela fazer uma visita, e por este engano a levaria ao palácio. Disse também ao rei que era a cara mais linda do mundo; o rei esperou que anoitecesse, até que ouviu o sinal combinado, e veio buscar a rapariga.

A velha foi-se embora, pensando que o rei ficaria com a neta; quando o rei chegou ao seu quarto e acendeu a luz, deu com uma mulher feíssima e desengraçada; ficou zangado com o logro, e na sua raiva despiu-a toda e fechou-a numa varanda ao relento da noite.

A pobre rapariga não podia perceber a sua desgraça, e com o frio e com o medo da escuridão estava bem perto de morrer.

Lá por essa meia-noite passou um rancho de fadas, que andavam a distrair um príncipe que tinha perdido o riso; o príncipe assim que viu a rapariga nua desatou logo às gargalhadas. As fadas ficaram muito contentes, e quando viram que a causa fora aquela rapariga nua, negra e feia, disseram-lhe:

— Nós te fadamos, para que sejas a cara mais linda do mundo.
   
Quando de madrugada o rei veio ver se a rapariga teria morrido, achou-a lindíssima, e ficou pasmado do seu engano. Pediu-lhe muito perdão, e pediu-lhe logo para casar com ela. Casaram e fizeram-se grandes festas.

A velha avó, que morava defronte do palácio, soube que a nova rainha era a sua neta; foi ao palácio pedir para lhe dar uma fala. Chegou-se ao pé da neta e perguntou-lhe baixinho:

— Quem é que te fez tão bonita?

A neta respondeu na sua boa verdade:

— Fadaram-me.

Como a velha era surda, entendeu que lhe dizia: «Esfolaram-me».

O rei, deu-lhe muito dinheiro assim que ela se despediu, e ela foi logo a casa de um barbeiro para que a esfolasse, porque queria ficar outra vez nova.

O barbeiro não queria, ela deu-lhe todo o dinheiro que levava; por fim começou a esfolá-la, e a velha morreu no meio de grandes dores, pensando que ficava bonita.
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Nota

Nos Contos Populares Portugueses, nº LXV, há uma versão de Coimbra com o título A Velha Fadada.

Fonte:
Contos Tradicionais do Povo Português

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