quarta-feira, 5 de março de 2014

Humberto Rodrigues Neto (Trovas Avulsas)


Ah, que fados sorrateiros
têm nossas vidas sombrias...
os leitos sempre solteiros,
de duas camas tão vazias!

Ano velho não demora,
põe-te ao largo e vai saindo.
Anda, ano velho! Cai fora,
pois o novo já vem vindo!

Ao teu vigor vibro, tremo,
sinto o sangue em alvoroço
se ao leito te abraço e espremo,
volta a mim o ardor de moço!

As contas de amor resolvo
E as liquido de uma vez:
teu beijo com dois devolvo
pra me dares outros três!

As mulheres são primores,
que Deus fez pensando em mim...
e ao perceber que eram flores,
plantou-as no meu jardim.

Até nos dias frios, nevados,
as nossas sensuais fraquezas
tornam dois corpos gelados
em duas fogueiras acesas!

A um retiro me decido
levar-te pra ousarmos mais,
mas calo e não te convido,
porque não sei se tu vais!

Buscar o céu noutro espaço,
não, meu bem, não é  preciso;
se eu tiver o teu abraço,
que me importa o paraíso?

Como é bom, como eu desejo,
quanto a minh'alma se agita
de nos lábios ter um beijo
de mulher moça e bonita!

Como é doce, em terno encosto,
debruçar por entre apelos,
o entardecer do meu rosto
na noite dos teus cabelos!

Como sofrem meus desejos,
ao saber, meu querubim,
que os teus braços e os teus beijos
não foram feitos pra mim!

Confesso-te meus queixumes,
que esquecer jamais consigo:
suportar mortais ciúmes
desse alguém que está contigo!

Dá-me, Deus, com certa urgência,
a graça que aqui rabisco:
dez por cento da paciência
que puseste em São Francisco!

Dá-me um beijo bem ardente,
já que és moça e tão menina,
só pra ver se assim a gente
sente algo que combina!

Das mágoas que me consomem,
a que mais me faz chorar
é ter ciúme do homem
que puseste em meu lugar!

Desse teu beijo fagueiro,
jamais vou sentir-me farto...
dá-me mais dois, e um terceiro,
e mais três depois do quarto!

Deus foi artista perfeito
no marcar da noite os mastros,
mas bem que podia ter feito
dos teus dois olhos, dois astros!

De vez em quando o ciuminho
vem junto a mim e reclama;
sente inveja desse ursinho
com que enfeitas a tua cama!

Dois mimos teus inda anseio,
pois vivos n’alma  os mantive:
o abraço que jamais veio
e o beijo que nunca tive!

Do paraíso os recamos
não estão nas Escrituras,
pois de há muito os desfrutamos
nas nossas mútuas loucuras!

Do teu rosto a linda imagem
é um colírio à nossa vista,
pois pareces personagem
dessas capas de revista!

Em matéria de grandeza,
Deus não se omitiu em nada;
pegou tudo que é beleza
e deu tudo à minha amada!

É nos becos da tua rua
que eu quero te namorar,
pra que só o olhar da lua
se atreva a nos espiar.

Entre afagos e carinhos,
pressentem meus sonhos vãos
que há mil sins escondidinhos
na timidez dos teus nãos!

Entre nós Deus colocou
da distância os desatinos;
sem saber crucificou
na mesma cruz dois destinos!

É sublime ouvir o frolo
da saia erguida em viés...
desde a alvura do teu colo
ao rosado dos teus pés!

Eu não sei qual julgamento
de ti sobre mim recaia,
mas adoro ver o vento
levantando a tua saia!

Lisinhas, macias, mimosas,
carinhosas e branquinhas,
são fofinhas, são formosas
quais duas rosas, tuas mãozinhas!

Meu amor, eu não pensava,
que pra ver o paraíso,
bastava, apenas bastava
contemplar o teu sorriso!

Meus olhos não mais buscaram
mentirosos paraísos
desde o dia em que pousaram
no encanto dos teus sorrisos!

Mimos de tanta beleza,
tais como os teus, jóia minha,
não possui uma princesa,
nem os sonha uma rainha!

Não maldigas as diabruras
que o amor nos faz cometer,
antes fazer mil loucuras
que ser sãos e não viver!

No amar-te tanto é que sinto
do pecado o vil assomo,
pois ao te abraçar pressinto
mil tentações que eu não domo!

No céu Deus gravou a face
de faiscantes universos
pra que o poeta os cantasse
na beleza dos seus versos!

No olhar que a noite esquadrinha,
eu procuro a imagem tua
e te encontro sentadinha
na foice prata da lua!

Outra mulher não havia
sentido o amor tão desperto,
pois  antes sequer sabia
que o céu ficava tão perto!

Pergunta ao mestre o aprendiz:
- Que é a luz, nos conceitos teus?
E a sorrir, Einstein lhe diz:
– A luz é a sombra de Deus!

Por nuances maravilhosas
meu raciocínio se espraia
no quão devem ser ditosas
as tuas colchas de cambraia!

Possa eu dar-te, ó sepultura,
algo que os vermes não comem:
mente limpa e alma pura,
dois tesouros num só homem!

Pra não viver tão sozinho,
quisera ter-te por dona,
só pra ser como o gatinho
que em teu colinho ronrona.

Quando deito não me esgueiro
de carinho tão escasso,
pois me abraço ao travesseiro
na ilusão de que te abraço!

Que em nós dois Cupido mire
suas flechas num voo breve;
que de ti ninguém me tire,
que de mim ninguém te leve!

Quem foge à paixão tirana
temendo remorsos ter,
ou tem uma mente insana,
ou nunca amou pra valer!

Quero afastar os revezes
das mágoas que me consomem:
ser teu menino cem vezes
e mil vezes ser teu homem!

Quero, em anseio incontido,
do céu levar-te aos confins,
e escutar junto do ouvido
teus nãos simulando sins!

Que vivam na dor, conjuntos,
dois corações machucados,
pois é melhor sofrer juntos
do que chorar separados!

Remexo da mente o cofre,
mas não descubro o que é isto:
na face de alguém que sofre
eu vejo o rosto do Cristo!

Saudade é glória ou castigo
quando alguém, num tom pungente,
noss'alma leva consigo
e deixa a sua com a gente!

Saudade, pensando bem,
é quando a mente se queixa
que tenta esquecer alguém,
mas o coração não deixa...

Se consulto o coração
pra ver aquela que o dome,
ele pulsa de emoção
e diz baixinho o teu nome!

Se há algo que nos deslumbra
e ao proibido nos inclina,
é aquele beijo em penumbra
no cerrar de uma cortina!

Sempre alheia ao meu apelo,
és a encarnação de Fedra,
pois em teu peito de gelo
bate um coração de pedra!

Se puxo as mãozinhas tuas,
tento mais perto senti-las
pra ver dividida em duas,
minha  face em tuas pupilas!

Se teu bem partiu, foi embora,   
não penses nunca mais nele;          
enxuga os olhos, não chora,
e me põe no lugar dele!

Sobre meu chão colocaste
um mar de espinhos e abrolhos
desde o dia em que lançaste
sobre mim teus lindos olhos!

Somos seres incompletos
vivendo eterno amargor...
Você tão pobre de afetos
e eu tão carente de amor!

Tão intenso é aquele amar
que mantemos eu e ela,
que a lua vem nos espiar
pelas frinchas da janela.

Vão tão bem os  teus pezinhos
calçadinhos nas chinelas,
que os meus olhos, coitadinhos,
vão doidinhos atrás delas!

Vem, neste inverno polar,
aquecer-me em teus mormaços...
Vem, meu quindim, me aninhar
no verão dos teus abraços!

Vem, ó “Príncipe Encantado”
dar nela o beijo da vida,
depois deixa a meu cuidado
a tua “Bela Adormecida”!

Ver amor igual ao nosso,
nunca sonhes nem esperes:
quero ter-te mas  não posso,
podes ter-me mas não queres!

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