sábado, 19 de abril de 2014

Nilto Maciel (Bééé)

A charretezinha subia e descia a rua, o carneirinho a berrar. Animal altivo, sadio, de pelo branco. Veículo pintado, envernizado, recoberto de frisos coloridos, bancos bem forrados. Verdadeiro carro de príncipes e princesas. O carneirinho berrava bééé. Jairo, na boleia, olhava loiro e feliz para os curiosos. À frente, puxando o cabresto, um homem, provavelmente o pai. Outros garotos, nas janelas e portas das casas, contemplavam o principezinho e sua carruagem real. O animal berrava, talvez para anunciar a passagem do menino rico.

Pela cidade não se viam carros, a não ser, de vez em quando, o jipe do prefeito, um caminhão que chegava num dia e saía no outro, o ônibus que vinha da capital duas ou três vezes por semana.

A quem pertencia a pequena charrete? Ao pai de Jairo? Teria adquirido o veículo apenas para divertir os filhos? Ou cobrava alguns réis pelos passeios? Talvez tenha ele mesmo construído o carro e adestrado os animais. Essas e outras questões faziam parte da conversa dos meninos.

Com o passar dos dias, meses e anos, deixaram de ver a charretezinha e nem se lembravam mais dela, e muito menos do carneirinho a berrar. No ginásio Jairo só falava de meninas e diversões. Não gostava das aulas e muito menos dos padres-professores. Andava a rir à toa, despreocupado de livros e lições, a perambular pelas ruas, a fumar escondido do pai. Pedia auxílio aos colegas nas aulas de português, matemática, inglês, geografia, de tudo. Não sabia nada.

Mais tarde conheceu o álcool, deixou de estudar, não trabalhava, vivia de favores de parentes. Até ser colhido por um veículo numa rua da capital. Andava bêbado, como todo dia. Tentou atravessar a rua e, passos lentos ou trôpegos, não alcançou o outro lado. Morte instantânea, o corpo esfacelado, moído, a sangrar muito. Longe, muito longe dali, um carneirinho berrava bééé.

Fonte:
MACIEL, Nilto. A leste da morte. Editora Bestiário, 2006.

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