segunda-feira, 5 de maio de 2014

Ana Rosenrot (O Relógio de Parede)

As batidas compassadas do relógio a marcar as horas, tão vigorosas e constantes, contrastam com as de meu coração que a cada minuto se torna mais fraco, alertando que meu fim será breve.

Nesta triste cama de hospital, o melancólico relógio que se destaca negro e acusador na cama a minha frente, infelizmente e minha única companhia nestes tristes instantes de agonia e dor.

Abandonado por todos que falsamente diziam me amar, deixei-me abater pelos problemas, ficando a mercê de conflitos e desafios que pouco a pouco flagelaram meu corpo e minha alma. Logo já não conseguia me alimentar e em menos de um mês meu coração demonstrava indícios de parada prematura; nao me importei devido ao enfraquecido estado de espírito em que me encontrava e também não fui capaz de admitir que houvesse me tornado um viciado, não conseguia enxergar meu estado mental confuso nem meu corpo cadavérico. Hoje, largado nesta cama de hospital, sinto falta do nada que deixei para trás, anos e anos de vida inútil, pessimamente aproveitada; estou agora prestes a terminar na solidão total de um leito; somente as batidas do relógio acompanham meu sofrimento e vigiam meu sono perturbado.

As horas vão passando, a morte esta cada vez mais perto, posso senti-la em meu sangue; sei que tudo estará terminado antes das doze badaladas e já está aqui, como um ser palpável, o sopro frio e as garras afiadas da dama das trevas a tocar minhas carnes, o fim vazio que tanto temi durante a vida se concretiza e eu estou sozinho, lamentando o triste destino que busquei para mim mesmo, tantos anos perdidos na desesperada busca por dinheiro, fama e poder. Obtive tudo o que ambicionei passando por cima de todos que cruzaram meu caminho, roubando, enganando e sempre mentindo.

Mas de tudo o que consegui, só me restou o suficiente para pagar um tratamento digno de um mendigo; queria tanto me curar para ter outra chance, para poder fazer tudo diferente...

As badaladas parecem aumentar seu ritmo a cada segundo, ou será meu coração galopando em direção ao fim? Desesperado grito por socorro, mas parece não existir no mundo alguém que possa me ouvir, meus sentidos estão se tornando lentos, meu cérebro lateja, não consigo respirar, sei que meu corpo miserável está partindo.

No medo sufocante que sinto nesses minutos finais e sem perspectiva de salvação, sinto um aperto no peito e uma dor dilacerante, minhas ilusões se acabam neste instante de completo desespero, um turbilhão de visões bizarras habitam minha mente e lentamente somente a imagem do relógio de parede permanece, enquanto minha alma esta prestes a abandonar sua sofrida morada, ele soa em funestas badaladas.

Banhado de suor, com a sensação de morte ainda presente, acordo assustado, o coração aos pulos, minha cabeça esta doendo horrivelmente, meu estômago se revira em náuseas, chego a esquecer que tudo foi somente um sonho e fico um bom tempo imóvel, com medo de sair da cama, um estranho pavor de estar realmente morto neste quarto tão escuro, onde só posso ouvir o badalar do relógio. Respiro fundo e procuro abrir bem os olhos, percebendo que o dia amanhecera já há algum tempo, levantei-me rápido, cambaleando, resolvido a dedicar este e todos os dias que restam de minha vida a efetuar mudanças radicais e evitar a qualquer custo que este terrível sonho – ou premonição, ou pesadelo – possa tornar-se realidade, para minha total desgraça.

Sonhos podem ser tão reveladores, que mudam nossas vidas completamente.

Fonte:
Jacqueline Aisenman (org.). Revista Varal do Brasil n. 27 b – fev 2014 ano 5 – Ed. Especial – Sonhar ainda pode
(Conto publicado na Antologia “O Sonho” da Casa do Novo Auto Editora em 1999.)

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