segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Aparício Fernandes (Classificação da Trova) Quanto à Origem



Vamos agora ao último aspecto da classificação de trovas: o da origem. Sob este ângulo, podemos situar a trova em três categorias: literária, popularizada e popular anônima.
        A trova literária é aquela de autor identificado, isto é, cuja autoria não padece dúvida, pelo menos para aqueles que se interessam de alguma forma pelo Movimento Trovadoresco ou pela literatura brasileira. É quase sempre assinada por trovadores atuantes e/ou de certo renome. Devido a isto, alguns a chamam também de erudita; preferimos, porém, a outra designação, por julga-la mais apropriada, embora talvez não seja ainda a ideal. Eis alguns exemplos de trovas literárias:

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Há tantos burros mandando  
em homens de inteligência,   
que às vezes fico pensando    
que a burrice é uma ciência...
SYMACO DA COSTA
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Tanto se canta e enaltece,
do seu mal tanto se diz,
que saudade até parece
um modo de ser feliz.
ZÁLKIND PIATIGORSKY
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Quanta alegria semeia
quem vive sempre contente:
– A felicidade alheia
também faz feliz a gente.
OCTÁVIO BABO FILHO
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Que o verde é a cor da esperança  
vê-se logo que é mentira,
quando o nosso olhar alcança       
o céu azul de safira.       
MERCÊS MARIA MOREIRA LOPES       
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Ame a vida, cante e ria,
da mágoa não seja réu,
que a verdadeira alegria
tem o endereço do céu!
PEDRO GUEDES
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        Podendo-se apontar os autores dessas trovas, que são indubitavelmente aqueles cujos nomes figuram sob as mesmas, e sendo essa autoria de domínio público, comprovada através da publicação em livros, jornais e revistas, além da divulgação em programas radiofônícos, podemos seguramente classificar essas trovas como sendo literárias.
        Passemos agora às trovas poupularizadas. São aquelas que, caindo no gosto popular, são decoradas e repetidas pelo povo, incorporando-se praticamente ao folclore. O autor, como acontece sempre nestes casos, vai aos poucos ficando esquecido, pois o povo quer saber mesmo é da quadrinha, sem se preocupar em associar à mesma o nome de quem a compôs. A glória do anonimato é a paradoxal consagração do trovador. Os autores das trovas popularizadas são geralmente identificados pelos estudiosos mais atentos do trovismo. Todavia, mesmo entre os trovadores, são frequentes as controvérsias quanto à autoria de determinadas trovas popularizadas. Eis dois exemplos de trovas popularizadas:

Até nas flores se encontra      
a diferença da sorte:       
– umas enfeitam a vida, 
outras enfeitam a morte.
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Parece troça, parece,
mas é verdade patente:
– a gente nunca se esquece
de quem se esquece da gente.
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        A primeira destas quadrinhas é de autoria do cigano brasileiro Jerônimo Guimarães, que viveu no século XIX, e a segunda é do poeta pernambucano Jáder de Andrade. Milhões de brasileiros conhecem de cor estas duas trovas, mas, desses, quantos saberão os nomes dos autores? Em se tratando de trovas popularizadas, devemos ainda dizer que às vezes o       povo resolve    modificá-las, por conta própria, trocando palavras ou adulterando um ou mais versos; quando essas modificações são bem feitas e não atentam contra a metrificação, pode até mesmo acontecer que, com o passar do tempo, já não se tenha mais certeza de como era a trova originalmente.
        Na trova de Jáder de Andrade, por exemplo, o verso inicial, "Parece troça, parece", já tem sido modificado para “Parece incrível, parece", ou ainda "É incrível e não parece", enquanto que o resto da trova permanece o mesmo. Poderíamos citar ainda, como exemplo de trova popularizada, a conhecidíssima quadrinha de Bastos Tigre:


Saudade, palavra doce
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fôsse
espinho cheirando à flor.

continua… Trovas populares anônimas

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

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