terça-feira, 1 de setembro de 2015

Aparício Fernandes (A Trova no Brasil) Trovas de Protesto



Com trovas também se protesta. Foi o que fiz certa vez, penalizado com a situação das professoras mineiras que, além de receberem (no caso seria melhor dizer “não receberem”) um salário ridículo, ainda se viam sujeitas a vexames devido ao atraso sistemático, às vezes de muitos meses, no tocante ao recebimento de sua raquítica remuneração. Vai daí, enderecei ao então Governador Israel Pinheiro, o seguinte protesto:

Ilustre Governador
Doutor Israel Pinheiro,
peço vênia para expor
um drama que é bem mineiro.

Talvez não tenham levado
até seu conhecimento
que as professoras do Estado
não recebem pagamento.

Sim porque, desde janeiro,
(meu Deus, como o tempo passa!)
as mestras, sem ver dinheiro,
vão trabalhando de graça…

Essas moças estudaram,
são cheias de idealismo,
e o que sabem propagaram,
dando lições de civismo!

Aguentam alunos burros,
que nem Jó aguentaria,
e suportam pais casmurros
e mães com “filholotria”.

Um ano vai, outro vem,
elas sempre sorridentes…
– São heroínas também,
como herói foi Tiradentes!

Ah! Que vergonha danada!
– Aí mesmo, em seu Estado,
já existe escola fechada
por atraso de ordenado!

Quanto mais Minas precisa
de cultura e de instrução,
vemos pobres professoras
morrendo de inanição!

Mas há manobras manhosas
na sua filosofia:
– as classes mais poderosas
sempre recebem em dia…

E enquanto o ensino se afoga,
vai crescendo a cretinice.
– Será que o Senhor advoga
o incremento da burrice?

Não é que eu queira impedir
gestões governamentais:
– o senhor há de convir
que já foi longe demais…

Na justiça eu me regulo,
não fujo dessa premissa.
Por isso é que eu fico fulo
quando vejo uma injustiça!

A professora primária
merece todo respeito:
– solte esta verba ordinária
a que elas já têm direito!

Analisando a questão,
com muita filosofia,
eu vejo a contradição
nesta tremenda ironia:

“Israel” é tradição
de sucesso financeiro.
E o seu sobrenome, então,
até rima com dinheiro!

Além disso, governando
as minas que são gerais,
o senhor está zombando
de quem esperou demais…

A situação é séria
e exige uma solução.
– Não deixemos na miséria
os esteios da nação!
 
Portanto, Governador,
pague às moças sem demora.
Ou então faça um favor:
– renuncie e dê o fora!…

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972

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