sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Trovador Homenageado: Fernando Câncio de Araújo

Adeus... e foste saindo,
dizendo que voltarias...
E a saudade entrou sorrindo,
da mentira que dizias...

A ilusão da meninice
com meus netos se refez:
– agora, em plena velhice,
eu sou criança outra vez!…

A mão triste, vacilante,
de porta em porta estendida,
é o troféu mais humilhante
que o pobre ganha na vida.

A mulher do seu Ventura
tem o beijo tão sugante,
que engoliu a dentadura
do dito... 'naquele instante"…

Ao ver-te assim neste encanto,
mãos postas em oração,
fiquei invejando o santo
que olhavas com devoção.

A vida de faz-de-conta
que levo desde menino,
é brinquedo de desmonta
nas peças do meu destino...

Bimbalham sinos tristonhos
entre as horas esquecidas,
como a lembrar velhos sonhos
perdidos em nossas vidas…

Enquanto o sino da igreja
martela o bronze perfeito,
minha saudade solfeja
na catedral do meu peito…

Entre velhos e crianças
há dois sinos na medida.
Quando um bimbalha: – Esperanças.
O outro bate o “pôr-da-vida”.

Era um poeta de mão cheia,
hippie, cabelos revoltos...
Só poetava na cadeia,
detestava versos soltos!

Meus olhos cheios de mágoa
buscam as pedras do chão,
são dois riachos sem água
perdidos na imensidão…

Nas tardes calmas sentidas
Bem-te-vi - que afinidade:
– tu a cantar - tristes vidas
eu, vida triste - saudade!

Na velha igreja em ruína,
desprezada em abandono,
a cruz cansada se inclina,
boceja o sino de sono.

Nesta saudade abrangente
que maltrata qual açoite,
vejo teu vulto silente
passando dentro da noite!

No palco azul desta vida
toda paixão é uma fraude,
pois no ato da despedida
somente a saudade aplaude...

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!

O nosso sonho termina
num adeus triste, exaltado,
deixando no chão da esquina
o teu retrato rasgado!

O que me importa a saudade
se os netos brincam lá fora,
a renovar a ansiedade
dos velhos sonhos de outrora?!...

Pescador dos verdes mares,
quando embarca em procissão,
nos lábios leva cantares
e no peito uma oração…

Saudade, marcas doridas
de um momento que passou;
bandeirinhas coloridas
que o tempo nunca rasgou.

Se de lágrimas brotasse
a água carente do agreste,
talvez nunca mais faltasse
inverno no meu Nordeste.

Sertanejo, envelheceste,
tal cardo nascido ao léu:
– quantas secas tu venceste
com os olhos postos no céu.

Tarde sem chuvas, de estio.
Cigarras, que afinidade,
passamos horas a fio
cantando a mesma saudade...

Nenhum comentário: