terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Contos Populares Portugueses (Os dois compadres)

Era uma vez dois compadres - um era muito rico e o outro muito pobre. Este, querendo apanhar dinheiro ao rico, disse para a mulher:

- Olha, tu compras uma perdiz, eu vou à caça com o compadre e levo de cá um dos coelhos que aqui temos. Lá na caçada dou-lhe um recado para ele te vir cá trazer, que é para tu cozinhares a perdiz. Depois o compadre há de querer comprar-me o coelho e eu peço muito dinheiro por ele.

Assim foi. Na caçada, o pobre disse para o coelho:

- Olha, tu vai lá à minha mulher e diz-lhe que arranje uma perdiz guisada e que faça conta com o nosso compadre.

Deu um sopapo ao coelho, que desatou a fugir. O compadre rico estava ansioso de ir a casa do outro a ver se o coelho tinha dado o recado.

Quando chegaram lá dos matos, disse o homem para a mulher:

- Cuido que falta pouco para o guisado estar na mesa. O nosso coelho trouxe o recado, não foi?

- Pois não havia de trazer?! A perdiz está pronta e contava já com o compadre, tal como o coelho me recomendou da tua parte.

Pediu o rico ao pobre:

- Compadre, venda-me o seu coelho!

- Isso é que eu não vendo, que ele faz-me os mandadinhos todos.

- Compadre, venda-me o coelho, que eu dou-lhe muito dinheiro por ele.

Vendeu-lhe o coelho bem vendido. Claro, entregou-lhe um dos que tinha na coelheira. E a primeira vez que o compadre rico mandou o coelho a um recado, nunca mais lhe apareceu.

Entretanto, quando estava para acabar o dinheiro ao pobre, disse este para a mulher:

- Temos de ver se arranjamos outra marosca para apanharmos bagos ao nosso compadre. Olha, tu arranjas a burra velha, eu junto-lhe dinheiro com a ração e depois dizemos que ela deita pelo rabo muito dinheiro e que já somos muito ricos!

Assim foi. Um dia, na caçada, o compadre rico reparou que a burra deitava dinheiro pelo rabo.

- Compadre, venda-me a burra!

- Isso não vendo eu, que já estou muito rico e quando preciso de dinheiro ela é que me dá. Não vendo. E não se lembra do coelho? Vendi-lho por uma bagatela e logo o deixou fugir!

- Compadre, venda-me a burra.

Tanto teimou que ele lha vendeu por muito dinheiro.

Assim, foi para casa o compadre rico com a burra velha comprada e em casa deu-lhe uma boa ração. Mas a besta não largava dinheiro nenhum. Passados dias, era a mesma coisa, e foi reclamar:

- Ó compadre, a burra não faz dinheiro nenhum.

- Eu é que sou um grande burro em lhe vender as coisas. Não sabe tratar delas e depois diz que o engano. É boa!

Ia-se outra vez acabando o dinheiro, quando se lembrou:

- Olha lá, ó mulher, tu arranjas um papo de peru e mete-lhe dentro as tripas do animal. Põe o papo à cintura debaixo do avental e eu dou-te uma navalhada. No papo, está bem de ver! Tu cais logo morta e com as tripas de fora! Depois toco numa gaitinha que vou comprar e tu levantas-te!

Preparada a coisa, convidou o compadre para outra caçada.

- Ó mulher, arranja aí o alforje num instante.

- Não basta ser todos dias esta seca, senão sempre às pressas!

- Cala-te, mulher, não resmungues!
- E ainda terei de me calar? Pois não faço nada!

Armou-se uma grande discussão e ele deu-lhe umas navalhadas. As tripas saltaram logo e a mulher deixou-se logo cair redonda no chão. O compadre ficou todo aflito:

- Ó desgraçado, olha o que fizeste! Mataste a tua mulher!

- Não se incomode. Tenho aqui uma gaita que dá vida aos mortos!

Começou o pobre a tocar uma musiquinha e a mulher levantou-se logo. E o rico de boca aberta:

- Compadre, venda-me a gaita!

- Qual vender, nem qual diabo!

E tudo era lembrar-lhe o coelho e mais a burra. Por fim, vendeu a gaita. Foi o compadre rico para casa, armou uma grande briga com a mulher e mandou-lhe uma navalhada na barriga. Caída ela por terra, morta, e ele pega na gaitinha e vá de tocar, tocar a bom tocar. Mas a mulher não se mexia.

Veio a Justiça. Ele pôs-se a contar o sucedido com o compadre pobre e levaram este preso. No caminho, os guardas quiseram descansar, amarraram o pobre a uma árvore e deitaram-se a dormir a sesta.

Passou um pastor com uns carneiros e perguntou-lhe o que era.

- Ora, querem à força que eu me case com a princesa, mas eu não quero. Por isso me levam preso.

Diz-lhe o pastor:

- Bem podias casar com a princesa e não te levavam para a forca.

E o preso:

- E tu estás interessado em casar com ela? Queres vir para o meu lugar?

- Pois quero.

E mudaram. Depois, o pastor, amarrado à árvore, começou a gritar:

- Eu já quero! Eu já quero!

- Já queres o quê? - perguntaram os guardas, acordando, estremunhados.

- Já quero casar com a princesa!

- Ora essa! Explica lá o que estás a dizer!

E ele contou tudo.

- Bem - disse o chefe dos guardas-, soltem lá esse homem!

Ele foi-se embora. O outro ia todo contente com os carneiros do pastor quando encontrou o compadre, que lhe perguntou:

- Então tu não foste preso?

- Eu não, pois se a minha gaita dá vida aos mortos, como havia de ser preso?

- Então esses carneiros quem te deu?

- Ora, arranjei-os eu.

- Mas como?

- Olha, anda comigo, que eu te ensino como nascem carneiros!

Levou-o para o pé de um pego, onde a água era muito funda. Perguntou-lhe se queria um carneirinho ou um carneirão. O rico disse que um carneirão. Então o pobre agarrou nele e disse com voz forte:

– Cada mergulhinho, um carneirinho. Cada mergulhão um carneirão.

E atirou com ele para dentro do pego e safou-se com o rebanho, que logo foi vender na feira de S. Mateus.

Fonte:
Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

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