quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Olivaldo Júnior (A última carta)

Aquele homem pegou suas últimas palavras e juntou numa carta para seu amigo. Não, não se matou. Pensou que iria ficar para semente e plantou uma carta, uma última carta. Mais que tão só expressão, a última carta daquele homem era cheia de estrelas que caíram do céu e viraram poesia. Poesia é a lua que hiberna.

Não sabia de onde vinha, nem para onde ia, mas tinha um amigo. Dizia na carta o quão importante tinha sido encontrar alguém para as horas de morte, em que a vida renasce nos olhos de quem nos entende. Tanto a dizer, e nada se diz. Tanto a fazer, e pouco se faz. Será que a vida é assim, um eterno externo a fazer? Será?

Gostava do amigo a seu lado, dizendo de coisas que os dois compreendiam. Não se podia prever o fim da amizade. Tudo tem fim? Começa de novo a canção, e uma nova emoção nasce em nós. Cada ponto cruzado da trama, do acorde, do acordo, enrodilha-se em nós como um elo com a vida, que, mesmo de morte, avoa.

A última carta jamais chegaria ao destino. Com milhões de versos, muitos de pé quebrado, ela dormiria para sempre na gaveta da escura mesinha. Seu violão, de vez em quando, tarde da noite, clamava em silêncio por ele, que o ninava nos braços como quem nina um bebê, um filho, "Pinóquio" a quem dava uma vida.

Bem no fim de tanta escrita, mal assinava seu nome. Não carecia, porque a carência das letras o denunciava nos verbos usados: queria, precisava, gostaria... O som da última carta vinha pleno de noites sem lua, em que se pode ouvir o som do peito e dos roucos soluços na fronha de outrora. Nunca enviaria tal carta, a última, a primeira, a seguinte, igual a tantas e inédita carta.

Fontes
O Autor
Imagem = www.eltrendelavida.mx

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