sábado, 16 de janeiro de 2016

Contos Populares do Tibete (O Homem Bom)

Era uma vez um homem muito bom e generoso. Suas obras faziam-no querido e admirado por todos. Certo dia, chegou a seu povoado um lama muito famoso. O homem pediu para falar com o famoso lama, e quando este desejo lhe foi concedido, prostrou-se aos pés do santo homem e lhe falou assim:

— Queria chegar a ser um iluminado, cheio de compaixão e sabedoria, para poder ajudar a todos os seres vivos e dedicar a minha vida ao ensinamento de Buda. Que devo fazer?

O lama viu que o homem era sincero em suas intenções. Recomendou-lhe, então, que fosse às montanhas e que passasse a sua vida orando e meditando. Deu ao bom homem uma oração especial para invocar e lhe explicou que se assim procedesse continuamente e com grande devoção, então, poderia estar certo de que se converteria num iluminado, capaz de ajudar a todos os demais com sua sabedoria e compaixão.

O homem fez tal como o lama lhe havia recomendado. Partiu para as montanhas que rodeavam o povoado, entrou numa caverna e se pôs a meditar com o maior fervor. Durante muitos anos, foi perseverante, mas, apesar disso, não obteve a iluminação.

Passados vinte anos, o famoso lama visitou novamente o povoado. O homem bom soube da sua chegada e desceu da sua caverna nas montanhas para obter uma audiência com ele.

Teve de esperar muitos dias, pois muita gente fazia fila para ver o famoso lama e obter a sua bênção. Finalmente, lhe foi concedido ver o santo homem. Depois de lhe ter rendido homenagem prostrando-se três vezes aos seus pés, e de ter-lhe oferecido uma echarpe branca, o bom homem contou ao lama a sua situação:

— Tenho estado há vinte anos orando e meditando como o senhor me recomendou — disse —, mas ainda não obtive a iluminação. Devo estar fazendo algo errado. O lama adotou um porte solene e perguntou ao homem:

— O que eu lhe disse que fizesse?

O homem bom contou-lhe tudo o que havia estado fazendo durante os vinte anos.

— Oh! — disse o lama — temo que isso não tenha servido para nada. Foi errado o que eu lhe disse, e agora nunca mais obterá a iluminação.

O homem bom ficou desesperado, e, lançando-se aos pés do lama, chorou.

— Sinto muito, disse o lama, mas não posso fazer nada por você.

O homem bom, que já estava muito velho, sentiu que havia perdido vinte anos de sua vida. De volta à sua caverna, perguntava-se: "Que vou fazer? Durante todos estes anos, acreditei que poderia obter a iluminação e agora devo abandonar toda a esperança de alcançar esse objetivo.

Sentou-se sobre a laje que, durante vinte anos, tinha sido seu travesseiro, sua cama e sua mesa, cruzou as pernas, fechou os olhos e pensou: "Vou continuar com a minha oração e com a minha meditação, porque, que outra coisa, se não isso, poderia fazer agora?"

Assim, pois, sem nenhuma esperança de obter a iluminação, pôs-se a meditar e a invocar as orações que se haviam tornado tão familiares a ele, durante todo aquele seu longo retiro. E, imediatamente, obteve a iluminação. Viu o mundo em toda a sua realidade. Tudo estava claro. Compreendeu, por fim, que havia sido apenas a sua ânsia por obter a iluminação que o impedira de alcançá-la. Agora, poderia ajudar a todos os seres vivos a encontrarem a paz, graças a sua sabedoria e sua compaixão. Agora, abandonaria a sua caverna e voltaria ao mundo para espalhar os ensinamentos de Buda.

Saiu da sua caverna e contemplou o povo lá embaixo. Tantas vezes o havia visto antes, mas nunca com tanta claridade como agora. Por um momento, acreditou ouvir o doce riso do famoso lama, enquanto levantava os olhos para o céu e contemplava o imenso arco-íris que se estendia sobre os picos nevados.1
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Nota
1. Neste relato vemos um exemplo da colocação de prática, por parte do lama, de uma das virtudes (ou perfeições: paramitâ-s) do bodhisattva: a upâya-kausalva ou "habilidade nos meios".

Fonte:
Jayang Rinpoche. Contos Populares do Tibete. (Tradução: Lenis E. Gemignani de Almeida).

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