quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Contos Populares Portugueses (A Herança Paterna)

Era uma vez um pai que tinha dois filhos, dos quais o mais novo lhe disse:

- Meu pai, dê-me a minha parte, que eu quero ir correr terras a ver se junto fortuna.

Então o pai deu-lhe o que lhe pertencia da parte da mãe e ele partiu para terras longes.

Passaram-se alguns tempos e o rapaz, vendo que não juntava fortuna, antes ia gastando a sua parte, resolveu voltar à casa paterna. Chegado à sua terra natal, soube logo que seu pai havia falecido e seu irmão transformara a casa num palácio, onde vivia regaladamente. Então o rapaz foi ter com o irmão, contou-lhe a sua vida e ele respondeu:

- Eu nada te posso fazer, pois nosso pai nada me deixou e para ti ficou essa caixa velha, recomendando-me que a não abrisse.

Recebeu o rapaz a herança paterna e partiu para outras terras. No caminho desejou ver o que continha a caixa e abriu-a. Eis que lhe sai de dentro um negrinho muito pequenino que lhe diz:

- Mande, senhor!

- Mando que me apresentes um palácio com tudo quanto lhe é dado, carruagens e lacaios para me servirem.

Dito e feito - tudo apareceu como ele desejava. Vivia o rapaz muito feliz no seu palácio, que era muito mais belo que o do rei, quando um. Dia recebeu a notícia de que o seu irmão o ia visitar. Foi o irmão recebido ali com grandes festas e ele então perguntou-lhe como é que em tão pouco tempo tinha arranjado tanta coisa.

- Foi a herança que me deixou o nosso pai.

- Mas - retrucou o irmão - a tua herança foi uma caixa velha!

- Foi o que tu dizes, na verdade. Mas dentro dessa caixa é que estava o segredo.

Então o irmão tratou de lhe roubar a caixa e, sem que ele desse por isso, saiu do palácio. Chegado à sua terra, abriu a caixa e logo o pretinho disse:

- Mande, senhor!

- Mando que meu irmão fique sem o seu palácio e apareça metido numa prisão e que o meu palácio se transforme num mil vezes melhor do que era o dele.

Tudo assim se fez e ele disse mais ao pretinho:

- Ordeno que faças com que a filha do conde de tal case comigo e que eu fique com o título de conde.

Cumpriu-se tudo quanto ele desejava, e para não lhe roubarem a caixa trazia-a sempre consigo e dormia com ela debaixo da cabeça.

Ora o irmão que estava preso tinha um cão e um gato, e estes, logo que souberam que o seu dono estava na cadeia, trataram de lá ir ter com ele. Uma vez chegados, tomaram conhecimento de que o conde, irmão do seu dono, lhe tinha roubado a caixa e cuidaram ambos de ir ao palácio dele para a trazer. Para esse fim fizeram um batel de casca de abóbora, pois tinham de atravessar o mar.

Chegados ao palácio do conde, disseram-lhes logo que ele dormia com a caixa debaixo da cabeça. Então, o cão disse ao gato:

- Eu meto-me debaixo da cama e tu vais à cozinha molhar o rabo no vinagre e chegas com ele ao nariz do conde. Enquanto ele espirra, eu tiro a caixa e depois fugimos com ela!

Assim fizeram, e logo se acharam fora do palácio. Embarcaram no batel e foram navegando. Em determinada altura avistaram um navio de ratos, que logo içou bandeiras de guerra. Mas eles, que iam em paz, não fizeram mal aos ratos e contaram-lhes o motivo que ali os levava. Então os ratos disseram:

- Se formos precisos, ao vosso serviço estamos!

- Obrigados - responderam o cão e o gato.

Quando já estavam quase no termo da viagem, tiveram uma grande questão por causa de decidirem qual havia de levar a caixa ao dono. Neste dize-tu-direi-eu, deixaram cair a caixa ao mar. Então, o cão, aflito, exclamou:

– Valha-me aqui o rei dos peixes!

E logo apareceu um grande peixe, que lhe perguntou:

- Aqui estou; que me queres?

- Eu vinha em viagem mais o gato e trazíamos uma caixa que nos caiu ao mar. Só Vossa Majestade nos pode valer.

- Eu não sei disso, mas vou chamar os meus vassalos, pois talvez eles saibam.

Então vieram muitos peixes e uma lagosta, que trazia uma perna quebrada. Esta informou:

- Eu vi essa caixa. Por sinal, caiu-me em cima de uma perna e partiu-a.

O rei dos peixes ordenou-lhe que a fosse buscar e deu-a ao cão. Este e o gato, depois de mil agradecimentos partiram para a prisão do seu dono, resolvendo entrar ambos com a caixa às costas.

O dono ficou muito contente e abriu a caixa. Logo ordenou ao pretinho:

- Quero desfeita esta prisão. Quero um palácio em frente do do  meu irmão. Quero casar com a filha do rei.

Tudo assim aconteceu. Depois ele dirigiu-se ao irmão: - Podia fazer-te muito mal, mas não quero. Antes hei de repartir contigo a minha riqueza e seremos muito amigos de hoje em diante.

Esquecia-me de dizer que o cão e o gato tiveram coleiras de ouro fino e pedras preciosas. Morreram muito velhos.

Viale Moutinho (org.) . Contos Populares Portugueses. 2.ed. Portugal: Publicações Europa-América.

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