sábado, 6 de fevereiro de 2016

Olivaldo Júnior (Unha-de-gato)

Ontem, ao entrar numa loja de produtos naturais na cidade onde moro, passou por mim uma menina de ou uns oito, ou nove anos, e disse ao avô:

- Vô, olha aqui! Unha de gato moída! Eles pegam a unha do gato e ralam! - O avô, sem lhe dar muita atenção, falou qualquer coisa como se concordasse e já se afastaram da prateleira.

Vejo que tem sido assim em muitos relacionamentos entre adultos e crianças. A pressa, que era inimiga da perfeição, tem sido inimiga também da comunicação. Amizades ou se desfazem, ou sequer começam, porque há muito trabalho a fazer, muito horário a cumprir, e a vida é que se desfaz sem nem ao menos ter sido vivida. As crianças, que são filhos e filhas, netos e netas, sobrinhos e sobrinhas, alunos e alunas, então, têm amargado a indiferença dos adultos, que, entre um zap e outro, se esquecem de que o tempo dos pequenos não segue o dos ponteiros do relógio e ignoram compromissos. Não sou criança, mas, muitas vezes, me sinto ignorado também. O tempo dos músicos, dos poetas e de outros artistas é o tempo das crianças. Disso, tenho certeza. E, igual a elas, ainda que fique calado, não diga nada, sinto toda essa indiferença.

Se o avô que vi ontem com aquela menina tivesse parado um pouco de correr, teria lhe explicado que a unha de gato em questão era uma erva, a unha-de-gato, originária da Amazônia, usada para tratar desde asma até câncer. Mas não. Era preciso ir embora, chegar logo ao destino. Mas a qual, se o mais importante era parar um pouco e se abaixar até a altura da criança e lhe explicar qualquer coisa sobre o que ela via? Acho que ele nunca ouviu aqueles versos perfeitos da dupla Palavra Cantada: "Criança não trabalha / Criança dá trabalho". Quem não quiser ter trabalho, que não tenha filhos, porque dão trabalho mesmo. Eu não os tenho, mas ajudei minha mãe a cuidar do irmão caçula. Deu trabalho.

Crianças querem um pouco de atenção e de carinho, tudo o que lhes têm faltado. Não é por acaso que acreditam em uma casa muito engraçada, que não tinha teto, não tinha nada; ou, ainda, na Chácara do Chico Bolacha, onde o que se procura nunca se acha e numa aquarela que, um dia, descolorirá, com unha-de-gato (erva) e unha de gato mesmo, moída, como se fosse ingrediente de um caldeirão mágico de bruxa má; crianças acreditam nisso porque a fantasia que o tempo permite quando nós o permitimos passar devagar é o que as move e o que nos move para a felicidade, que roda, roda, roda, pé, pé, pé, roda, roda, roda, falso adulto bobo é.
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Fontes:
O Autor
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