segunda-feira, 28 de março de 2016

Clevane Pessoa (Poemas Avulsos)

DE ANJOS E DE PÁSSAROS

Ergo olhar deslumbramento
vejo anjos sobre cabeças humanas
dentro da catedral;
Anjos de ferro negro,
esculturas na arquitetura
de formas quase profanas
a romper tradição.

Não desabe ó figura
milenar, tu que estás
bem sobre mim ,
que não rezo orações prontas
e somente sei usar
o verbo molhado em pranto
ou a metáfora cheia de luar.

(…)
Que desabem
sobre as cabeças dos poetas
os passarinhos em alarido
dentro de um mercado,
a parecer kamikaze,
suicida em massa,
ao jogar-se do teto ao chão
apenas para bicar migalhas.

São nosso retrato:
livres, sem sermos canalhas,
videntes com olhos cheios de palhas
a pre/dizer os tempos,
cada fato envolvido
no pacote dos tesouros,
crianças e sábios a um mesmo tempo,
a chamar atenção pelos voos inusitados.

(…)

Prefiro os pássaros vagabundos
das ruas e das igrejas,
mercados e sinais.
Não são artes singulares e belas
nem enfeites de catedrais:
os anjos passarinhos
de Brasília
estão presos a cabos
e suspensos
sobre nossas cabeças
a lembrar talvez pecados ,
talento, criatividade embora.
Já os pássaros – anjos
desde o Egito antigo
têm a missão de carregar almas
entre a vida terrena
e a morada dos deuses.
ALEGORIA DAS PALAVRAS SOLTAS

Que as mãos dos poetas
libertem as palavras de conceitos e preconceitos antigos.
Que a voz dos poetas entoe cantos inusitados
e muitas vezes inaudíveis aos demais.
Mas que sejam sempre palavras olorosas,
a perfumar os poros dos amados e dos amigos.
O que vier a mais, será benesse e lucro, e dividendo
mais importante que a glória
e a libertação do proprio menestrel.
Que os versos sejam livres, com palavras soltas,
a resignificar todas as im/possíveis metáforas!
PALMEIRA SOLITÁRIA
para Luiz Lyrio, in memoriam

Do alto, para onde cresce
em busca do azul absoluto,
a palmeira (quase) antiga,
bela e conformada,
vê passar o tempo.
Suporta intempéries e poeira
rebrilha rocio ao sol,
na terra das gemas.
Um dia, voltará ao pó
e renascerá no ciclo da vida.
A ESSÊNCIA DOS POETAS

De metáforas alimenta-se o poeta
mas também dos olores mais fragrantes.
faz das eternidades,
meros instantes,
quando voa nas asas das alegorias…

Mas de denúncia também vivem os seus versos
pois sensível qual bolha de murano
destinada á beleza singular,
aquecido pelo fogo da justiça,
consome-se em seu próprio Gibraltar,
divino e humano,
mero e avatar.

O poeta tem nas mãos,
os segredos da sacra escrita,
consagrada aos deuses da Beleza,
mas também ergue o dedo acusatório:
brilha de indignação seu anular,
pois é humanista, artista, esteta
e sabe colocar-se no lugar
de seu semelhante…

O poeta escreve sobre seus sentires
e sobre os sentimentos alheios.
Sussurra ou brada, conforme a acontecência,
mas é sempre emissário da quintessência
que muitas vezes
nessa Terra não encontra lugar…
IMPRESSÃO

A terra é mais que amante-amada:
sem ela o tudo cotidiano
vira um quase nada…
Com ela, um mínimo amplia-se
parecendo a maior riqueza do universo
na transmutação dos ciclos…
DE UM SONHO

Do sonho entressonhado
entreaberta flor
de mil pétalas
holopetalar
traduz-me as sutilezas
e multiplicações
da Palavra…
Cheiro os cheiros,
coloro as cores,
abro o entreaberto
e chego ao self
das revelação.
Ao poeta é permitido sonhar
e sonhando desvendar
o segredo


PASSAGEM
A Gonçalves Dias

Poeta -saudoso, agônico, voltas à terra natal
Frágil, trêmulo, febricitante,
Mas com relembranças fortes
A plenificar-te a alma de energia
Embora estejam enfraquecidas as esperanças…
Queres chegar a São Luiz do Maranhão,
Chegar e andar pelas ruas estreitas,
Pelas calçadas de pedras,
Da ilha de praias singulares
Cujo areal extenso
É lambido pelo mar cor de rio,
Cuja extensão vai dar nas terras de Portugal…
Queres rever pessoas, ouvir os sons
Dos sinos das igrejas, da siringe dos sabiás festivos
Que não esqueceste em teu exílio.
A mulher amada acode-te em teu delírio,
a rememória faz-se musa e te inspira versos
que não mais escreverás…
Um piedoso anjo de cristal,que parece orvalho,
Cheirando a rosas e à maresia,
Faz com que olvides as razões de teu martírio
Pela separação cruel e indevida
Da mulher amada…
Que culpa tens por teu sangue a correr nas veias
Brasileiras, é mestiço,a gerar tantos preconceito .

Súbito, a vida se esvai, a breve vida

As águas em movimento, frias ao teu corpo ardente
Sereias de prata conduzem-te ao Absoluto,
O desconhecido –assustador, por ignoto,
Até que se chegue aos portais dessa outra dimensão.
Teu anjo Estelar, que tantas vezes desceu à Terra
para consolar-te e enxugar-te as lágrimas,
ampara-te, e tomando-te pela mão,
leva-te ao gênese de tua essência,,
pelo túnel pleno de magnífica luminescência…
As asas angelicais, energia em movimento,
Criam mil arco-íris deslumbrantes, o que te encanta na passagem…

Percebes que enfim, estás livre
De qualquer sofrimento e provação
Não tens cor-de pele que te torne um rechaçado,
Carne alguma, cuja carnação de mulato
Marque tua destinação!
Nada que te faça um auto-exilado…
Súbito, ouves risos e canções.
Outros poetas estão à tua espera, Gonçalves Dias.
Ajudam-te, dizem-te teus próprios versos e os deles,
Convincentes de que todos os bardos são iguais de alma
Abraçam-te, cordifraternalmente.
Nem em todas as tuas fantasias,
Te imaginaste assim, igual entre iguais,
diferente entre diferentes,
quais o são todas as criaturas de um mesmo Criador…
Percebes que nesse mundo , não há preconceitos
E que aqui, experimentarás um espaço de estar para ser…
Leve, em pianíssimo, , sentindo uma felicidade inusitada
À tua vida antes atribulada, tributada
de preços que não podias pagar,
deixas-te conduzir ,em agonia agora.
Seria o fim, mas é um recomeço
Afinal, poetas não devem morrer
-não se sua Poesia permanecer
Após sua délivrance ao contrário.
Para sempre, teus versos serão lembrados,
Enquanto houver sabiás, enquanto a serpente dormitar
Enroscada no contorno da Ilha .
Teus poemas são o retrato de teu talento,
De teu perfil, de tua história…
O mar foi o derradeiro abrigo de teu corpo.
A alma…continua em expansão!

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