terça-feira, 31 de maio de 2016

A. A. de Assis (Revista Virtual "Trovia" - n. 192 - junho 2016)

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Chamar-me de sem-vergonha
por amá-lo, meu senhor?...
Amor que tiver vergonha
será a vergonha do amor!
Benedita de Melo

Quando estás longe, querida,
na minha angústia sem fim,
saudade é o nome da vida
que morre dentro de mim...
JG de Araújo Jorge

Nascemos irmãos comuns,
mas a ambição e os engodos
puseram nas mãos de alguns
o mundo que era de todos!
José Maria M. de Araújo

Tu gostas do que não gosto,
e eu sofro por ser assim...
Vou ver se de mim desgosto,
para gostares de mim!
Luiz Otávio

O livro, o cigarro ao lado,
o rádio, o abajur antigo...
Eu deixo tudo arrumado
fingindo que estás comigo...
Maria Tereza Noronha
 

Esperança, não me peças
que acredite em tuas juras...
Já me cansei de promessas
e me perdi nas procuras...
Mílton Nunes Loureiro

A saudade, pensativa,
e alheia ao tempo que avança,
É uma cadeira cativa
onde a velhice descansa...
Onildo de Campos

Duas almas deves ter...
é um conselho dos mais sábios:
uma no fundo do ser,
outra boiando nos lábios.
Raul de Leoni

Desço caminhos tristonhos,
tentando, em vão, descobrir,
algum vestígio dos sonhos
que desprezei ao subir...
Rodolpho Abbud

Do passado venturoso,
a alegria que sobrou
é como um doce gostoso
de uma festa que acabou.
Sebas Sundfeld

Todo amor que, terminado,
deixa saudade na gente
é como um tronco cortado:
pode brotar novamente.
Severino Uchoa

Quando eu te vejo de véu,
não há pessoa mais linda:
parece que a terra é o céu
e o céu é mais céu ainda!
Toninho Bittencourt
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No amor não raro acontece
estranha feitiçaria:
quando a vontade aparece,
desaparece a energia...
Adélia Vitória Ferreira – SP

Doceiro que sai do apuro
com suspiro e rocambole
sabe o quanto já foi duro
vender só maria-mole!
Ailto Rodrigues – RJ
 

O velho tudo trocava
(de namorada, também).
– Como vassoura – explicava –,
a nova é que varre bem!
Adélia Woellner – PR


Diz o cinquentão vaidoso:
– “Eu sou madeira de lei!”
E a mulher, em tom jocoso:
– “Então deu cupim...que eu sei !”
Marta Maria Paes de Barros – SP

Ando tão curto de grana
que preciso me cuidar:
quando almoço uma banana,
guardo a casca pro jantar...
Milton Souza – RS
 

Foi de tomara-que-caia
desfilar... como previu,
foi só tropeçar na saia
e o seu “tomara”... caiu!!!
Therezinha Brisolla – SP
 

Na noite do seu casório,
sendo um noivo muito antigo,
usou até suspensório,
mas não sustentou o artigo...
Wanda de Paula Mourthé – MG


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Vai, riozinho, sem pressa...
lembra ao mar, sem raiva ou mágoa,
que ele é grande, mas começa
num modesto olhinho d’água!
A. A. de Assis – PR

Para Deus, realmente importa
a misericórdia e a paz.
– O céu só tem uma porta:
a do bem que a gente faz.
Agostinho Rodrigues/RJ
 

Aos céus envio um recado,
Deus  não  vejo em meu apelo...
Porém, se O tenho a meu lado,
para que preciso vê-Lo ?
Almir Pinto de Azevedo – RJ

Amar é o melhor da vida,
mas bem difícil é achar
amor que em dois se divida
para depois se juntar!
Amaryllis Schloenbach – SP

Eu quero ser o seu vinho,
o cálice que inebria;
ser seu parceiro no ninho,
ser madrugada, seu dia!
A. M. A. Sardenberg – RJ

Vi tudo o que é grandioso
e penso ter descoberto
que ser sempre generoso
importa mais que estar certo!
Amilton Maciel Monteiro – SP
 

Fez-se em verso o meu amor
e virou trova o meu verso:
seus lábios têm o sabor
das doçuras do universo.
André Ricardo Rogério – PR

Sem fazer-me de rogada,
só persiste uma verdade:
a trova em mim fez pousada,
trazendo a felicidade.
Andréa Motta – PR

Numa casinha de palha,
plantada à beira do rio,
o nosso amor agasalha
dois corações contra o frio.
Antônio Juraci Siqueira – PA
-

 
-
 Minha vida está tão linda,
vivo assim que nem bebê.
Felicidade não finda
quando fico com você!...
Ari Santos de Campos – SC

Ser mau é fácil... insiste
em ser bom, sempre a lembrar:
– bondade, às vezes, consiste
em ver, ouvir... e calar!.
Carolina Ramos – SP

A estrada foi destruída,
num desvio se tornou;
a paixão não permitida
nesse atalho enveredou.
Cida Vilhena – PB
 

Bendita a mão calejada
que trabalha a plantação
e sem colher quase nada
planta esperanças no chão!
Clenir Neves Ribeiro – RJ

Sai o hábil semeador
e lança a boa semente.
Chamado pelo Senhor,
planta-a na alma da gente.
Cônego Telles – PR

Quem leva a vida no amor,
dos sonhos nunca se cansa,
que o mundo só perde a cor
quando se perde a esperança.
Dáguima Verônica – MG
 

À mesa… taças de vinho…
Alívio de um sofredor.
Já não vive mais sozinho
quem encontrou novo amor.
Diamantino Ferreira – RJ

A mulher bela e radiante,
de olhar meigo e sedutor,
é a doce imagem constante
que há nos meus sonhos de amor.
Djalma da Mota – RN

A mamãe cura o dodói,
afaga, põe a atadura,
e o rosto do seu herói
se lambuza de ternura!
Domitilla Borges Beltrame – SP

Nas águas torvas da vida,
que já não venço, alquebrada,
a fé é a corda estendida
que me garante a chegada.
Dorothy Jansson Moretti – SP

Dê flores às mãos maldosas
para tê-las desarmadas,
pois com mãos que empunham rosas
pode-se andar de mãos dadas!
Edmar Japiassú Maia – RJ

Quando o desejo cintila
e arrebata o coração,
até o sensato vacila
e põe de lado a razão.
Eliana Jimenez – SC

Tataravó dos poemas,
a toda hora se inova.
– Não importa quais os temas,
todos cabem numa trova.
Eliana Palma – PR

Na solidão não me espanto,
pois, querendo conversar,
a saudade fala tanto
que eu nem preciso falar!
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Lembrando o que tu dizias
do amor que tinhas por mim,
eu vi, enquanto partias,
quanto o infinito... tem fim!
Ercy Maria Marques Faria – SP

Este orgulho que carregas,
insano, dentro do peito,
foge, tão logo te entregas
de corpo e alma em meu leito.
Ester Figueiredo – RJ

Velho ponteiro safado,
de tanto as horas marcar,
andas torto, encarquilhado,
partindo sempre ao chegar.
Evandro Sarmento – RJ

Na ausência que não nos poupa,
saudade é formiga arisca
que fica dentro da roupa
e volta e meia belisca.
Flávio Stefani – RS
-

Eu passo a vida embalando
lembranças da mocidade,
e tristonho vou cantando
pra não morrer de saudade.
Francisco Garcia – RN
 

Quando a seca nos acossa
e o rio mostra seu leito,
a tristeza que há na roça
roça com força em meu peito.
Francisco Pessoa – CE

Nunca mais fiquei sozinha,
pois na Internet eu namoro,
e hoje a solidão que eu tinha
não mora mais onde eu moro!
Gislaine Canales – SC

Acordei (tinhas partido)
e me deixaste na estrada:
um pobre arbusto perdido
sem luz, sem pranto, sem nada...
Janske Schlenker – PR

Não haverá sociedade
que possa ser construída
sem a fé na humanidade
e o respeito pela vida.
J. B. Xavier – SP

Meu Deus, ante o desatino
da descrença e do desdém,
que eu pratique o teu ensino
de não julgar a ninguém!
Jeanette De Cnop – PR

Se a cada dia me entrego
e me sinto um derrotado,
quanta esperança eu renego
e me rotulo um coitado!
Jessé Nascimento – RJ

Nosso amor é tão intenso
e a confiança entre nós
fala tanto que o bom senso
deixa o ciúme sem voz.
Joana D´arc – RJ
 

Não me indagues por que te amo.
Não saberia dizer.
Eu te amo só porque te amo.
Que outra razão pode haver?
João Costa – RJ

Se esta louca nostalgia
não temesse outros fracassos,
eu juro que arriscaria
cair de novo em teus braços.
Joaquim Carlos – RJ

Quem se julga um "medalhão"
e que pensa ser "alguém",
misture-se à multidão
e verá não ser "ninguém"...
José Fabiano – MG

Música na madrugada,
chovia em meu coração,
ao saber que minha amada
perdeu-se numa canção…
José Feldman – PR

Vinde, andorinhas, no estio,
festivas, em tarde mansa,
pousar no último fio
que me resta de esperança.
José Messias Braz – MG
 

inguém chega por acaso,
nem sai, desse mundo, ileso:
cada missão tem um prazo;
toda omissão tem seu peso...
José Ouverney – SP

Não lastime as tristes horas
da viagem que angustia...
Viver é criar auroras
no ocaso de cada dia!
José Valdez – SP

Depondo as armas ao chão
e exercitando a bondade,
conhecerá o cidadão
o sabor da liberdade.
Lucília Decarli – PR

Se navegar é preciso
e viver nem tanto assim,
vou partir com teu sorriso,
em busca do mar sem fim!
Luiz Carlos Abritta – MG

Falhei nesta vida minha,
ao querer ser o teu rei
pois tu já eras rainha,
e escravo teu me tornei.
Luiz Hélio Friedrich – PR
-

A cada passo imprudente,
mais um desejo se solta;
a estrada diz: – segue em frente;
o coração pede: – volta!
Luiz Poeta – RJ

Tentei conter a saudade
usando meios diversos...
Um deles foi, em verdade,
cercá-la de quatro versos!
Maria Madalena Ferreira – RJ

Quando a cabeça deitamos
sobre o mesmo travesseiro,
não há angústia nem reclamos:
que se dane o mundo inteiro!
Maria Thereza Cavalheiro – SP

As marcas do teu batom
deixadas no meu cristal,
têm sabor e têm o tom
de um grande amor, no final...
Maurício Friedrich – PR

Como parte desta vida,
ante a angústia do momento,
nosso pranto é a dolorida
expressão do sofrimento
Nei Garcez – PR

Se o nosso amor é pecado,
escondo-o lá nos refolhos...
e só me mande recado
pelas meninas dos olhos!
Newton Vieira – MG

A rotina e os desencantos,
que fazem da vida um tédio,
têm alívio em nossos cantos
e, na trova, um bom remédio.
Olga Agulhon – PR

Na fronteira céu e mar,
eu vivo a vida esperando
a estrela a realizar
os sonhos que estou sonhando.
Olga Ferreira – RS

Passo as noites sempre em claro
contra esta insônia a lutar,
mas meu maior desamparo
é não ter com quem sonhar.
Renato Alves – RJ

Nos volteios dos deslizes,
quando o corpo já cansou,
quanto dói pisar raízes
que a nossa fé não regou
Rita Mourão – SP

O mais intenso luar
e os raios que o Sol descerra,
jamais poderão beijar
as profundezas da Terra...
Ruth Farah – RJ

Tu lês os versos que eu faço,
e nem sequer adivinhas
o segredo que eu te passo
no espaço das entrelinhas...
Selma Patti Spinelli – SP

Um alguém na multidão
anda com ar de desgosto
ao perceber a ilusão
que reside em cada rosto!...
Sônia Ditzel Martelo – PR

Na escola de nossa vida
o caminhar faz a hora:
ante a mudança sofrida,
eternizamos o agora.
Talita Batista – RJ

A semente pequenina,
num mistério tão profundo,
morre no solo em surdina
para saciar o mundo.
Vanda Alves da Silva – PR

A verdadeira amizade
chega sem pedir licença.
Mantém-se na lealdade,
e é o que faz a diferença!
Vânia Ennes – PR
 

Eu leio os versos truncados
que a minha mão rabiscou,
mas não encontro os recados
que o meu coração mandou.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

A grande riqueza humana
consiste em se perceber
quando a luz do “ter” profana
e ofusca a Imagem do “ser”.
Wandira Fagundes Queiroz – PR

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sábado, 28 de maio de 2016

Samuel da Costa (Poemas Escolhidos)



O POETA E A MUSA
(a beleza na escuridão)
Para Fá Butler

É o poeta que sofre e chora...
Todas as dores do mundo!

Em algum lugar existe
Um místico e nevoento vergel
Orvalhado pela noite outonal eviterna

É o poeta que sangra e chora
Pela virginal musa etérea
Em um voo noturno!

É o bardo perdido em...
Um jardim encantado
Habitado por grandes,
Perdidos e secretos amores

Para o aedo...
Um simples eu te amo não basta!
Ele prefere apreciar...
A beleza eterna
Na escuridão infinda...
Sangrar e morrer por platônicos amores!
Sagrar em odes imortais
A divinal musa vaporosa
Em horas improprias!

Pois um simples eu te amo...
Para menestrel não basta!
MAR AZUL CÉU AZUL

Mar azul
Céu azul
Navego sozinho pelo mar da tranquilidade
Cheio de esperanças

Tenho pensamentos probos
Tenho pensamentos bons
Pois sei que tenho
Um longo caminho a percorrer

Mar azul
Céu azul
A minha negra arte não conhece limites
Criou asas
Voo para além do infinito

Mar azul
Céu azul
Tenho um longo e tortuoso caminho
Pela frente
Mas sei que ela vai estar lá
A minha espera
Tão linda como só ela sabe ser

Mar azul
Céu azul
Já não dói mais...
A minha negra arte tão carregada
De dor e sofrimento
Não existe mais
A minha negra dor se foi
Dobrou a esquina e desapareceu
Por completo

Mar azul
Céu azul
O crepúsculo eviterno
Já não cega mais meus quasímodos olhos
Não temo a negra noite eterna
Com seus mistérios infindos

Mar azul
Céu azul
Tenho o sono tranquilo
Pois sei que ela estará
Ao meu lado
Quando eu acordar pela manhã

BLACK-FACE

A minha poesia é letra morta
Está descalça.
Está ferida...
Está magoada!
Que pede licença para Tupã.
Embrenha-se mata virgem!
E evanesce!
Em ouvidos surdos.

As minhas entoadas!
São belas-letras sideradas...
Aceleradas!
Que foge do capitão-do-mato!
Baladas dos loucos.
Tortas e abstratas!

A minha écloga ouve o ladrar...
Dos cães selvagens!
E vai se abrigar no Quilombo.

Não! Não minha Deusa de Ébano
Minha sacrossanta virgem vaporosa
Não falaremos do nosso ontem
Nem do nosso amanhã
Muito menos do nosso hoje
Ficamos nos dois deitados
Mudos!
Calados
Inertes!

Ainda vejo a tua carne nua!
Carne trêmula...
Extrema...
O teu corpo incorpóreo

Não me fale do teu ontem.
Nem do teu amanhã
Ficamos nos dois mudos
Abrigados no silêncio eviterno
Para todo o sempre

POEMA PEDRA E A REALIDADE LIQUEFEITA
Para Roberto Lamim

Preciso compor um poema!
Com a urgência...
Escrever com poesia.
Palavras lançadas ao vento!
Sem regras e sem lógicas...
Sem rimas!
Sem dores!
Sem choros e sem lágrimas.
Sem velas.

Preciso esculpir na pedra-sabão.
Um poema com pretéritos...
Mais que perfeitos!!!
Sem deméritos.
Para me recompor...
Com o mundo líquido!
Com a realidade mutável...
Re-produzir a vida sem regras.
Sem rumos...
Onde reina as incertezas...

Mais que preciso...
Tenho que re-escrever!
A vida pós-moderna!
Sem crases...
Sem vírgulas...
Sem métricas...
E sem um ponto final.

Preciso com toda a emergência...
Escrever poemas na areia da praia...
Com verbos mais que perfeitos.
Com poética!

Peças soltas do mais...
Puro platonismo démodé...
Milimetricamente imperfeitos!
Em uma mimese...
Que não imita coisa alguma
Peças ocas liquefeitas
Que nada valem
Que não duraram nano-segundos!
Poemas sintéticos...
Para a Deusa de Ébano!

Re-produzir o deserto dentro de mim!
Re-produzir as belas-artes...
Em pedra-sabão,
Sem gritos sintéticos de dor!
Sem sustos...
Soluços...
E sem ponto final

Quero esculpir a minha negra poesia
Na dita pós-modernidade!
Virar as páginas em branco.
Sair do mundo virtual...
Ganhar as ruas...
Dobrar as esquinas...
Voar e voar leve como uma pluma
Ganhar os céus sem nuvens...
Abraçar os astros.
E se perder no cosmo infindo!
Ser livre afinal!
De todas as dores
E de todos os amores

Fonte:
O Autor

Olivaldo Júnior (A Fonte Azul)

Era uma vez uma antiga vila que sofria com a falta do bem mais precioso que existe: a água. Por mais que tivessem bens de toda a espécie, coisas que o dinheiro compra, lhes faltava o H2O, néctar, o supra sumo que faz o mundo girar, circular, se animar.

Eis que um dia, do grito da gruta mais funda, do fundo da concha mais cálida, do sal da terra mais doce, um fio cristalino do que em nós é quase tudo, a água brotou de uma fonte que, refletindo o rosto do sol, se azulava e foi chamada por todos de "Fonte Azul".

Essa fonte ficava bem no meio de uma divisa de terras entre quatro cidades, que eram como os quatro cantos da Terra. De quem seria essa dádiva? A quem pertenceria aquela que matava a sede do justo e do injusto, do "Cristo" e do iníquo, sem olhar a quem?

Juntaram-se homens das quatro cidades e, por mais que suas mulheres pedissem a eles que se sentassem e resolvessem pelo bem comum, ou seja, pela partilha do mel que sacia a sede, aqueles homens estavam dispostos a derramar sangue pela água.

Assim, num dia em que o sol tinha jeito de lua, nova, com a face escondida mesmo à mostra, em batalha, cada exército de cada cidade, com lança nas mãos, guerreou pela fonte que azulava ao sol pleno em seu fino cristal, pronta a saciar quem a visse.

Depois de uns dias assim, a fonte, em meio a guerra por ela, de azul foi passando a cinza e, de cinza, a negra, escura, pastosa, até que, no lugar de água, vertia mesmo petróleo. Quem pode querer beber ouro negro em vez da prata azul que o sustenta?

Uma a uma, caíram as lanças no chão, todo negro, sem água, em nada adiantou a peleja. Assim que os pobres se deram conta de que morreriam de sede, as mulheres, devagar, buscaram cada uma seu homem. A luta fora vã. A "Fonte Azul" era morta.

Fontes:
O Autor
Imagem = http://www.pt.dreamstime.com

Pedro Du Bois (Poemas Avulsos)


NATURAL

Na natureza decomposta
a dor exposta
em espécies
abatidas
cortadas
decepadas
depenadas
destocadas na força dos tratores
matrizes dos progressos: o homem
traz na aproximação a visão incolor do lucro
e a subsistência dos excluídos se defronta
com a terra ressecada após as passagens
a recomposição do solo exala
a acidez perpetrada
nos tempos desnecessários
das farturas: o homem
esquece o inconsentido passado
em projetos futuros inexequíveis
onde se debatem mortes
e avanços ao fim do mundo.

CONTIGO
Estarei contigo no tempo
partilhado das indecisões

na rapidez com que transitamos
reteremos imagens da coragem
divididas entre dívidas e dúvidas.

Recolheremos o bastante
recebido em dádiva: estarmos juntos
conduz os corpos ao esgotamento
do encontro em duradouras
combinações sensíveis

juntos no conjunto bipolarizado
das refregas e fugas diremos ao silêncio
em gestos de desilusões na perpetuação
dos entrelaces em que nos prendemos livres
dos aconselhamentos em desvãos abertos
no recolhimento sutil dos amorosos.

ASPEREZA
Não ouço o som
do vento contra a vidraça

no farfalhar da cortina
o estampido

sou silêncio
esculpido em pedra
árida
seca
descoberta no tempo
cristalizado.

DESFECHO
No desfecho
fecho a porta
e dentro
esqueço
a hora
permitida
aos pensamentos
filosóficos

o desvelo com que cuido
meu tempo permitido
na desilusão aleatória
dos enganos

fecho o caderno
e repouso a mão
sobre o tempo

o grafite inerte
sobre razões confessadas
em juízo.

DESGOSTOS

Não gosto do sentimento expressado
em náuseas: ondas elevam o nível
d’água ao extremo desgosto.
No afogamento o corpo levado ao fundo
do recomeço em outra forma: informalidade
com que sentimentos transitam
ódios e amores desgastados em gostos
negativos atrelados à memória.
Reparo no erro imperceptível e o amplifico
em externo conhecimento
onde o demonstrado gesto
recupera o sentido: retraído
o desgosto gera o espaço
em que me recolho: o desgosto
tolhe o movimento empedrado
em irrefletidas lembranças.

HORIZONTES

Na fórmula encerra o contexto.
Nenhum número impensado à palavra.
Nenhum verbo disparado à ação.
Nenhuma palavra armada em números.

O lugar comum permite ao cientista
avançar a busca: o inalcançável
se faz longe em horizontes.

(Os horizontes se repetem).

TÁCITO

Acordo: faço-me desconhecido
ao amigo: sofro suas dores: retorno
ao ponto inicial no me dizer ávido
em consolos: reencontro palavras
ao negar o confronto: acordos
não escritos perduram silêncios.

PODER

Posso indicar o mar como consolo
a vista como alcance e a companhia
como distração. Mentir amizades
e razões. Dialogar palavras
de desengano.

Posso ficar no silêncio
de escuros quartos. Desdenhar
o esquecimento e omitir
fatos desenhados.

Posso refazer as paredes
e entre tábuas enxergar
o lado de fora.

Fonte:
O Autor

Irmãos Grimm (Branca-de-Neve e Rosa-Vermelha)

Uma pobre viúva vivia isolada numa pequena cabana. Em seu jardim havia duas roseiras: em uma florescia rosas brancas, e, na outra, rosas vermelhas. A mulher tinha duas filhas que se pareciam com as roseiras: uma chamava-se Branca de Neve; a outra Rosa Vermelha. As crianças eram obedientes e trabalhadeiras. Branca de Neve era mais séria e mais meiga que a irmã. Rosa Vermelha gostava de correr pelos campos; Branca de Neve preferia ficar em casa ajudando a mãe. As duas crianças amavam-se muito e quando saíam juntas, andavam de mãos dadas.

Elas passeavam sozinhas na floresta, colhendo amoras. Os animais não lhes faziam mal nenhum e se aproximavam delas sem temor. Nunca lhes acontecia mal algum. Se a noite as surpreendia na floresta elas se deitavam na relva e dormiam.

Uma vez, passaram a noite na floresta e, quando a aurora as despertou, viram uma linda criança, toda vestida de branco sentada ao seu lado. A criança levantou-se, olhou com carinho para elas e desapareceu na floresta. Então viram que tinham estado deitadas à beira de um precipício e teriam caído nele se houvessem avançado mais dois passos na escuridão. Contaram o fato à mãe que lhes disse ser provavelmente o anjo da guarda que vigia as crianças.

As meninas mantinham a choupana da mãe bem limpa. Durante o verão, era Rosa Vermelha que tratava dos arranjos da casa e no inverno, era Branca de Neve. À noite, quando a neve caía branquinha e macia, Branca de Neve fechava os ferrolhos da porta.

À noite sentavam perto da lareira e enquanto a mãe lia em voz alta num grande livro as mãozinhas das meninas fiavam; aos pés delas, deitava-se um cordeirinho, e atrás, em cima do poleiro, uma pomba muito branca dormia com a cabeça entre as asas.

Uma noite, quando estavam assim tranquilamente, ouviram bater à porta e a mãe mandou Rosa Vermelha abrir a porta pois devia ser alguém procurando abrigo.

Ao abrir a porta Rosa Vermelha, um enorme urso meteu a grande cabeça através da abertura da porta. Ela soltou um grito e correu para o quarto; o cordeirinho pôs-se a balir, a pomba a voar, e Branca de Neve se escondeu atrás da cama da mãe.

- Não tenham medo. - falou o urso - Estou gelado me deixem aquecer perto da lareira.

-Pobre animal! - disse a mãe - Chega perto do fogo, mas cuidado para não se queimar.

Então a mãe chamou as meninas. Elas voltaram e, pouco a pouco, aproximaram-se o cordeirinho e a pomba, sem medo.

-Meninas!  - disse o urso – Por favor tirem a neve que tenho nas costas!

As meninas pegaram a vassoura e limparam o seu pelo. Em seguida, o urso estendeu-se diante do fogo, grunhindo satisfeito. Não demorou muito, ela puseram-se a brincar com ele. Puxavam o pelo com as mãos, trepavam nas suas costas ou batiam nele com uma varinha de nogueira. Ele só reclamou quando elas se excederam.

- Rosa Vermelha e Branca de Neve! - ele disse – Tratem o pretendente como se deve!

Quando chegou a hora de dormir e as meninas foram deitar-se, a mãe disse ao urso:

-Fique perto do fogo e você estará ao abrigo do frio e do mau tempo.

Logo que amanheceu, as meninas abriram a porta ao urso e ele se foi para a floresta, trotando sobre a neve. A partir desse dia, ele voltou todas as noites, à mesma hora. Estendia-se diante do fogo e elas brincavam com ele.

Chega a primavera e tudo se cobre de verde, então o urso disse a Branca de Neve que tinha que ir embora e não voltaria durante o verão, pois tinha que proteger seus tesouros dos maus anões. No inverno eles permaneciam nas tocas, mas quando o sol derrete a neve eles saem e roubam tudo o que podem, escondendo em suas cavernas.

Ela ficou muito triste e quando abriu a porta para o urso passar, ele esfolou a pele na lingueta da fechadura e Branca de Neve viu o brilho de ouro, mas não teve certeza.

Algum tempo depois, a mãe mandou as meninas apanharem gravetos na floresta. Lá chegando, viram uma árvore caída ao solo, e no tronco, entre a relva, qualquer coisa se agitava, pulando de um lado para o outro. Ao se aproximaram, viram um anão de rosto acinzentado, envelhecido e enrugado, com uma barba branca muito comprida. A ponta da barba estava presa numa fenda da árvore. Ao vê-lo Rosa Vermelha perguntou como sua barba ficara presa na árvore.

- Sua estúpida!- respondeu o anão - eu quis partir esta árvore para ter lenha miúda na cozinha, porque, com pedaços grandes, o pouco que pomos nas panelas queima logo. Nós não precisamos de tanta comida como vocês, gente estúpida e glutona! Tinha introduzido a minha cunha no tronco, mas a maldita madeira é muito lisa, a cunha saltou e a árvore fechou-se tão depressa prendendo minha linda barba. Riem, suas bobonas!

As meninas fizeram muitas força para livrar o homenzinho, mas não conseguiram desprender a barba, então Rosa Vermelha disse que precisariam de ajuda.

- Suas burras! - estrilou o anão - Chamar mais gente? Não podem ter uma ideia melhor?

-Não fique nervoso! - disse Branca de Neve - Vou resolver isto.

Tirou do bolso uma tesourinha e cortou a ponta da barba. Ao se ver livre, o anão agarrou um saco cheio de ouro oculto nas raízes da árvore e, pôs às costas, sem agradecer, saiu resmungando:

-Suas brutas! Cortaram-me a ponta de minha barba! O diabo que vos recompense!

Passado algum tempo, Branca de Neve e Rosa Vermelha foram pescar peixes para o jantar. Quando chegaram perto do rio, viram uma espécie de gafanhoto grande saltitando à beira d'água. Correram até lá e reconheceram o anão.

Rosa Vermelha perguntou: - Você não quer se jogar na água?

- Não sou tão burro! - gritou o anão – É esse maldito peixe que me arrasta para a água.

Para pescar o anão lançou a linha, mas o vento enroscou sua barba na linha e, nesse momento, um grande peixe mordeu a isca do anzol e suas forças não eram suficientes para mantê-lo fora da água, mesmo agarrando-se aos ramos.

As meninas seguraram o anão para desembaraçar sua barba, mas foi necessário usar mais uma vez à tesourinha e cortar outro pedaço da barba. Ele gritou, zangado:

- Isso é modo, suas patas chocas, de desfigurar a cara de uma pessoa? Já não bastava cortarem minha barba da outra vez, agora cortaram a parte mais bonita!

Pegando um saco de pérolas, escondido numa touceira ele sumiu atrás de uma pedra.

Pouco tempo depois, a mãe mandou as meninas à cidade comprar linha, agulhas, cordões e fitas. O caminho serpeava por uma planície de rochedos. Lá viram um grande pássaro pairando no ar, que depois de descrever um círculo cada vez menor, foi descendo, até cair sobre um rochedo não muito distante. No mesmo instante ouviram um grito. Correram e viram com horror que a águia segurava nas garras o seu velho conhecido, o anão, e se dispunha a carregá-lo pelos ares. As meninas seguraram o anão com todas as forças, e puxa de cá e puxa de lá, por fim a águia teve de largar a presa. Quando o anão voltou a si do susto, gritou-lhes com voz esganiçada:

- Não podem me tratar com mais cuidado? Estragaram o meu casaco! Suas palermas!

Depois pegou um saco cheio de pedras preciosas e deslizou para dentro da toca, entre os rochedos. Sem se incomodar com sua ingratidão, elas foram pra cidade.

Ao regressarem pela floresta, elas surpreenderam o anão, que tinha despejado o saco de pedras preciosas num lugar limpinho. Os raios do sol caiam sobre as pedras, fazendo-as brilhar tanto, que as meninas, deslumbradas, pararam para as admirar.

- Que fazem aí de boca aberta? - berrou o anão. Seu rosto acinzentado estava vermelho de raiva. Ia continuar xingando, quando se ouviu um grunhido surdo e, um enorme urso negro saiu da floresta.

O anão deu um pulo de medo, mas não teve tempo de alcançar um esconderijo, o urso cortou-lhe o caminho. Então ele implorou:

- Querido urso eu lhe darei todos os meus tesouros! Deixe eu viver! Você nem me sentirá entre seus dentes. Pegue essas duas meninas gordinhas para o seu estômago!

O urso não ouviu suas palavras, deu-lhe uma forte patada que o estendeu no chão.

As meninas fugiram, mas o urso chamou os seus nomes e elas reconheceram a sua voz e pararam. Quando o urso as alcançou, caiu a sua pele e, surgiu um formoso rapaz, todo vestido de trajes dourados.

- Sou filho de poderoso rei. - disse ele - Este anão mau me condenou a vagar pela floresta sob a forma um urso depois de ter roubado os meus tesouros e só com sua morte eu poderia me libertar.

Branca de Neve, pouco tempo depois, casou com o príncipe e Rosa Vermelha com seu irmão. Partilharam, entre todos, os tesouros que o anão tinha acumulado na caverna e a velha mãe viveu ainda muitos anos tranquila e feliz junto de suas queridas filhas e as duas roseiras que foram plantadas diante da janela dos seus aposentos. E todos os anos elas continuaram a dar as mais lindas rosas brancas e vermelhas.

Fonte:
http://www.grimmstories.com/pt/grimm_contos/titles

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Caravelas da Poesia (Portugal)

Eugênio de Sá (Sintra)
Ontem...


Ontem, perdi as ilusões de ser feliz
Pensei... que depois do adeus, te veria de volta
Mas, bárbaro destino; nenhum de nós o quis!

Depois de ontem...

Ontem, esquecido o norte, barco à solta
Sem leme, sem vontade a dar-me rumo
Já nem um esgar assumo, de revolta.

Um ano depois de ontem...

Ontem, vi-te num bar; queres um café?
Como vai tua vida, estás feliz?
E as mãos se deram, sem saber porquê.
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Tiago Barroso (Paredes)
Sinais da Idade


O verso já não flui com à vontade,
As rugas, o meu rosto, vão sulcando,
A noite, já mais cedo, está chegando,
E há mais recordações da mocidade.

No peito, cresce, agora, uma saudade,
Cabelos brancos há, mas rareando,
E, aos poucos, um inverno se instalando,
Promessas de trovões e tempestade.

Sinais, tantos sinais que a vida dá,
Que vão surgindo aqui, ou acolá,
Mas sempre com condão, ou com virtude

De esclarecer, em mim, grande dilema,
Devo, ou não, elaborar novo poema
Se inda há, no pensamento, juventude?
________________________________

Tito Olívio (Faro)
Meu Futuro


Vou pintar meu futuro de esperança
E pôr-lhe asas azuis, da cor do céu,
Para atingir o sol, se houver bonança,
Sem ninguém ver, oculto por um véu.

Será, porque assim quero, apenas meu,
Já que o passado foi, desde criança,
Luta minha, que a sorte pouco deu,
Mas passei a ter já mais confiança.

Quero beber a luz de cada aurora,
Chorar cada minuto de demora
P’las coisas que no tempo já perdi.

Não sei quanto me resta. Quero só,
Até ser finalmente outra vez pó,
Gozar tudo o que ainda não vivi.
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Isidoro Cavaco (Loulé)
Sonho Louco


És a luz no infinito
E o sonho em que acredito
Poder contigo encontrar;
Faço poemas na rua
Com os retalhos de Lua
Que vejo no teu olhar.

Grito mais alto que o vento
Porque trago em pensamento
Esse amor que tanto quero,
Neste silêncio que é meu,
Onde apenas vivo eu
E a toda a hora te espero.

Dizer que te amo é pouco
Ao viver meu sonho louco
Numa ilusão permanente;
Até nas ondas do mar
Eu oiço pronunciar
Teu nome constantemente.

Tenho na alma esculpida
Essa tua imagem qu’rida,
Que já não posso apagar
Deste meu destino estreito,
Que vegeta no meu peito
Sem asas para voar.
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Luís da Mota Filipe (Sintra)
De Uma Lisboa Esquecida


Das ondas, das maresias
Dos mares, dos rios
Das canastras, das varinas
Dos barcos, dos pescadores

Das vielas, das guitarras
Dos fados, dos destinos
Das revistas, das canções
Dos teatros, dos aplausos
Das tertúlias, das declamações
Dos poetas, dos Cafés
Das sinas, das sortes
Dos pregões, dos cauteleiros
Das floristas, das feiras
Dos arraias, dos mercados
Das rosas, das sardinheiras
Dos cravos, dos manjericos
Das esquinas, das calçadas
Dos Pátios, dos azulejos
Das praças, das fontes
Dos jardins, dos namorados
Das janelas, das varandas
Dos telhados, dos beirais
Das rezas, das procissões
Dos devotos, dos amantes
Das saudades, das paixões
Dos amores, dos corações

De uma Lisboa… esquecida
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Cremilde Vieira da Cruz (Lisboa)
Embrulho


Embrulhei-me num embrulho,
Fiquei assim embrulhada.
Quis desfazer o embrulho,
Mas fiquei mais embrulhada.

Pus o embrulho num canto,
Perdi o canto do embrulho.
Fiz de tudo uma embrulhada,
Perdi até o meu canto;

Ficou dentro do embrulho.
Ando assim desesperada,
À procura do embrulho!
De campainha na mão,

Subo escada, desço escada,
Chamo, chamo, pelo embrulho,
Espreito pelo corrimão,
vejo só uma embrulhada.
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Fonte:
Os Confrades da Poesia. Boletim Nr. 59. Novembro/Dezembro 2013.