domingo, 12 de junho de 2016

Sérgio Alves Peixoto (São Francisco de Assis e a Poesia Brasileira) Parte 1


Fernando Sabino nem se lembrava. Mas em 1932, 
com 7 anos de idade, ele fez um poema dedicado a 
São Francisco de Assis. No texto, descoberto por 
um amigo mineiro, dizia que queria ficar amigo de 
verdade do santo. Tão íntimo que passaria a chamar 
São Francisco de “Chiquinho” e o santo trataria Sabino 
de “Nandinho”.

Conhecido, também, como São Francisco das Chagas e São Francisco Seráfico, São Francisco de Assis é um dos santos católicos mais populares da cultura brasileira. Sendo assim, não é de se estranhar que poetas escrevessem sobre ele ou, até mesmo, com ele se identificassem, já que o Santo também, diz mais a lenda do que a verdade histórica, foi poeta. 

Na pesquisa que fizemos, encontramos duas biografias do santo: uma, em prosa, e dedicada à juventude, do alagoano Jorge de Lima, escritor do nosso modernismo; outra do mineiro Augusto de Lima, em forma de um longo poema.  Os trovadores brasileiros o elegeram como patrono e, na Literatura de Cordel, sua pobreza e sofrimento são temas recorrentes do imaginário do povo nordestino, como atestam a romaria e os festejos de Canindé, no Ceará.

Do trovadorismo, selecionamos a seguinte “interpretação” de autor desconhecido da famosa “Oração de São Francisco”:

1-Faze-me agente, Senhor, 
De vossa radiosa Paz! 
Permiti que eu leve Amor, 
Onde o ódio esteja a mais... 

2-Por onde estiver a Ofensa, 
Que eu leve sempre o Perdão... 
Onde houver Discórdia, intensa, 
Que eu sempre faça a União. 

3-Onde a dúvida existir 
Que eu possa levar a Fé, 
E onde o erro persistir, 
Toda a Verdade da Sé. 

4-Ó Mestre-Amor singular, 
Concedei seja meu fado, 
Consolo a todos levar, 
Mais do que ser consolado. 

5-E que eu possa Compreender, 
Mais do que ser compreendido. 
Possa AMAR, com todo o Ser, 
Muito mais que ser Querido. 

6-Pois, dando é que se recebe, 
Ao irmão necessitado, 
Perdoando é que se percebe 
Que também se é perdoado. 

7-Dai-me Senhor, a Esperança, 
Pela maneira mais terna, 
Pois morrendo é que se alcança 
A glória da Vida eterna

Quanto à Literatura de Cordel, descobrimos o seguinte texto de Wellington Vicente: 

Giovanni Bernardone 
Foi jovem muito feliz 
E enquanto adolescente 
Fez da vida o que bem quis, 
Por “Francesco” apelidado, 
Depois, por Deus transformado 
Em Francisco de Assis. 

Em mil, cento e oitenta e dois 
Nasceu este italiano, 
Pietro e Picca Bernardone 
Foram pais deste ente humano, 
Que numa lição de amor, 
Rejeitou ser mercador 
Para seguir outro plano. 

Como era moda na época, 
Desejou ser cavaleiro, 
O pai doou-lhe armadura 
E um cavalo ligeiro, 
Ele daí animou-se, 
Neste instante transformou-se 
Num combativo guerreiro. 

Combatendo com Perugia 
Assis não via os perigos 
E mandava seus habitantes 
Enfrentar os inimigos, 
Nesses confrontos guerreiros, 
Fizeram prisioneiros 
Francisco e alguns amigos.

Assim Francisco passou 
Quase um ano na prisão, 
Mas seu pai, homem abastado, 
Decidiu entrar em ação: 
Gastou enorme quantia 
Mas livrou da enxovia 
Seu filho do coração. 

Numa noite em que estava 
Com seus amigos na rua 
Fazendo uma serenata 
Sob a beleza da lua, 
Sentiu que algo o tocava 
E bem sutil penetrava 
No fundo da alma sua. 

A partir deste episódio 
Nasceu Francisco de Assis 
O pai de toda a pobreza, 
Protetor do infeliz, 
O amante dos animais, 
Inspira a quem sofre mais 
A uma vida feliz. 

Oitenta anos após 
Cabral descobrir a gente, 
A Ordem dos Franciscanos 
Radicou-se em São Vicente, 
Com um pensamento nobre: 
Transformar o homem pobre 
Em cristão bem diferente. 

Dali pra outros Estados 
A ordem se espalhou, 
Inspirada no seu Mestre 
E no que ele pregou: 
A justiça, dignidade, 
Compreensão, caridade, 
Pelas quais tanto lutou.

Os devotos de São Francisco 
Quando se acham doentes, 
Imploram pelos milagres 
Do Santo dos Penitentes, 
Ele, com sua bondade, 
Retira a enfermidade 
Do corpo desses viventes. 

Inspirados em Francisco 
E nas leis da Santa Sé, 
Transformaram as romarias 
Numa Profissão de Fé, 
Onde a maior louvação 
Percebe-se na procissão 
Existente em Canindé. 

Por são Francisco das Chagas 
Este Santo é conhecido, 
Pois Canindé lembra bem 
O mal por ele sofrido, 
Quem se achar adoentado, 
Pedindo será curado 
Por este Santo querido. 

Em Porto Velho, Rondônia, 
Este Santo é venerado: 
Dia 4 de outubro 
É esse dia marcado, 
Onde o povo em cada canto 
Reza, agradecendo ao Santo, 
Mais um milagre alcançado. 

Mas ao falar em Francisco 
Sinto-me na obrigação 
De relembrar seus discípulos:
 Bernardo, Pedro e Leão, 
Filipe, Egídio e Rufino, 
Clara, no mesmo destino 
De Masseo, na pregação.

Seja de Assis ou das Chagas 
É o Santo mais popular, 
Quem for devoto que reze 
Pra nosso mundo mudar: 
Mais justiça social 
E a consciência geral 
Do perigo nuclear. 

Para a paz reinar nas ruas 
E pra chover no sertão, 
Pra melhorar da coluna 
E curar-se do coração; 
Quem pediu foi atendido, 
É isto que tem trazido 
Milhares à procissão. 

Como o provo brasileiro 
Tem fé e convicção, 
Roga ao Santo que auxilie 
Nas horas de aflição, 
Porto Velho ou Canindé: 
Irmanados pela fé, 
Unidos na devoção. 

Porto Velho – RO, outubro de 1996. 

continua...

Fonte:
Revista do Centro de Estudos Portugueses. v. 29, n. 42. Belo Horizonte/MG: UFMG, jul./dez. 2009.

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