sábado, 23 de julho de 2016

Júlia da Costa (Poemas Escolhidos)

ACORDES POÉTICOS 

Não tenho segredos, é pura minha alma,
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

Cresci sobre um ermo tristonho e sombrio,
Soltei nas campinas meu primo cantar,
Saudei nas montanhas o sol que nascia,
Brinquei entre moitas ao claro luar!

Sou jovem, sou meiga, sorri-me o futuro
Nas fímbrias douradas de auroras de paz,
A flor das campinas só ama o infinito
Do céu, das venturas, não quer nada mais!

As flores dos prados não causam-me inveja,
Que hei flores mimosas no meu coração!
Lauréis e grandezas, eu não, não aspiro,
Não quero ter gozo tão falso, tão vão!

Não tenho segredos, é pura minha alma,
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

DESESPERANÇA

Que céu formoso, que natura esta!
Tantos fulgores vem turbar minha alma!
Meu Deus! se a vida é para uns tão calma
Por que p' rã mim ela é tão negra e mesta!

Em magos risos despertando a aurora
A flor do prado seu aroma exala!
Eu também vejo-a despertar... que fala
Soltarei d' alma que o passado chora?

Ávida é negra! Nenhum astro ameno
Derrama luz que lhe afugente a treva!
Quero sorrir-me! mas a dor me leva
Do peito aos lábios um saudoso treno!

Vejo floridos para o seu noivado
Os laranjais, e a natureza inteira...
É tudo festa! na mimosa esteira
Da veiga amena, no florente prado...

Mas a esperança que dourou minha alma

Da minha vida na estação da infância
Agora à tarde, já não tem fragrância
Que possa dar-me ao desassossego calma!

E a natureza tem eterna festa!
Da f´licidade nela vê-se a palma!
Meu Deus! se a vida é para uns tão calma
Por que pra mim ela é tão negra e mesta?!

Dos verdes lustros na dourada aurora
Por entre rosas nos sorri a vida!
Mas de meu sonho é a ilusão perdida!
E geme o peito, enquanto a alma chora!

E a lira ali no laranjal cheiroso
Pendida a um galho se acalenta em prantos!
Ave chorosa dos passados cantos
Nem ouve o eco no vergel formoso!

E a rosa branca do gentil valado
Se às vezes diz-lhe um amoroso voto,
Ela suspira, e no futuro ignoto
Só vê a imagem do cruel passado!
  
SABIÁ

Ave sonora, que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n' alma
Asilo onde se abrigou a dor.

Teu canto é doce, como é doce a vida
Serena e bela no sorrir das flores;
Mas não modules tão sentido canto
Que o prado ameno nos promete amores.

Amo teu canto, como a virgem ama
O áureo sonho d' um porvir gentil;
Sinto minha alma taciturna e triste
Acompanhar-te no trinar febril.

Tremem as fibras de meu seio virgem,
Quando teu hino n' amplidão se espraia;
E sobre a fronte pensativa e triste
Uma saudade languemente paira.

Ouvindo esse hino me falece o alento...
Não sei que sinto que me enleia... e choro!
Fujo dos campos... os ouvidos cerro
Mas ouço sempre teu cantar sonoro.

Ave divina, que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas na alma,
Asilo onde se abrigou a dor.

QUEIXAS

Outrora, outrora eu amava a vida
Meiga, florida na estação das flores!
Amava o mundo e trajava as galas
Dos matutinos, virginais amores.

Que sol, que vida, que alvoradas belas
Por entre murtas eu sonhava então,
Quando ao perfume do rosal florido
Da lua eu via o divinal clarão!

Hoje debalde no rumor das festas
Procuro crenças que só tive um dia!
Minha alma chora e se retrai sozinha,
O pó das lousas a fitar sombria!

Embalde, embalde, o bafejo amado
Da morna brisa minhas faces beija!
Meu peito é frio, como é fria a nuvem
Que em noites claras pelo céu adeja!

Embalde, embalde, no ruído insano
Das doidas festas eu procuro a vida!
Meu corpo verga... Meu alento foge...
Sou como a rosa do tufão batida.

 MINHA TERRA

Minha infância, meu sonho dourado,
Astro lindo que além se escondeu,
Por que as asas brandiste n'um voo
E sorrindo fugiste? Era o céu?...

A saudade minha alma devora...
Que contigo fugiu-me a esperança!
E com ela um arcanjo mimoso,
Minha irmã, doce, meiga criança...

Eu fui logo, (que fado cruento!)
De meu lar, tão criança banida!
Ai que dores! que mágoas acerbas
Desde então me atormentam a vida.

Eu chorei por meu berço mimoso,
Como o pobre proscrito por pão!
E sequer não ouvi neste mundo
Nem um brado de doce afeição.

E hoje ainda da pátria me lembro
Com dorida saudade e pesar;
Quando a noite desdobra seu manto,
E é mais brando, mais lindo o luar.

E me lembro... Se as auras osculam
As ondinas cerúleas do mar,
Eu nas asas das auras desejo
A meu solo querido voar. -

E as fímbrias do lindo horizonte
Do meu Norte, quem dera eu voar!
Para ver os anjinhos diletos
De meu puro e saudoso folgar!...

Para ver minha linda casinha,
Que, pequena deixei a chorar,
Testemunha dos brincos da infância
Que jamais haverei de gozar.

Para ver minhas lindas patrícias,
Visões puras d' um sonho dourado,
Que somem gentis entre as nuvens
De meu vago e tristonho passado...

Mas é tudo pra mim impossível!
Tudo é sonho! quimera!! ilusão!!!
Só real a saudade que sinto
Nesta negra e cruel solidão.
  
A NOITE

O luar manso e triste além prateia
          Do céu a imensidão;
E do mar os arcanjos luminosos,
De volúpia estremecem jubilosos,
          À voz da criação!

Correm mansas as brisas perfumadas,
Cantando seus amores;
E do cimo azulado da colina,
Surge triste uma fada peregrina
          Toucada de esplendores!

Das neblinas não traja as brancas vestes,
          É triste o seu sorrir!
Mas no manto que é negro e roçagante
Traz mil gotas de luz de um mundo errante
          Que fala do porvir!

É ela, meu Deus! a doce amiga
          Que eu vejo à beira-mar!
Quando ao longe as estrelas maviosas,
Mil centelhas desferem luminosas,
          Eu vejo-a despontar!

Desce, ó noite gentil! ó casta filha
          Da mórbida saudade!
Vem beijar-me em silêncio... o vento geme,
          Suspira a imensidade!

Já não cantam as aves... nem os ecos
          Modulam mais sequer!
Mas minha alma inda beija as mortas folhas
                              Que alastram o vergel!

Vem, ó anjo do orvalho! doce amiga
          De plácida harmonia,
Que me inspiram ainda longes cantos
          Nas harpas da poesia!

 O POETA

O poeta é a flor que desabrocha túmida
Ao sol da vida que dá luz ao val
É o orvalho doce de gentil aurora
Em tímido rosal!
É o círio ardente de uma crença santa
Que o mundo aponta ao descair do dia
É uma alma crente que se une aos anjos
Em mágica harmonia
O poeta é a luz que rutila vívida
Nos verdes campos da feliz mansão!
É um sorriso que desmaia trêmulo
À voz do coração!
O poeta é o gênio que dá vida à terra,
Dá voz à brisa, dá perfume ao mar!
É o cisne lindo que desprende as asas
Em trêmulo ansiar!...

AO ANJO DA MINHA GUARDA

Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?

Que mal te fez a andorinha,
Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minha alma
Prá viver neste deserto?

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

O mundo me causa tédio,
Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:

Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.

Por que não falas? que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minha alma repercute?

Eu quero a vida, essa vida
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Diz a nuvem do arrebol
Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.

Quem sabe? Minha alma diz,
Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.

Em minhas noites de febre,
Sempre tu a me acenar.
– Não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...

Não és visão, que eu conheço
Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.

És o meu anjo querido
Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.

Eu quero a vida, essa vida,
Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Se a rosa branca que dei-te,
Inda conserva o frescor.
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?

Se a pátria deixada um dia
Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?

Deixaste a pátria sem pena
Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.

A noite desdobra o manto
Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...

Oh! dize a ela que vives
Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma
Da noite nos puros véus...

O vento cicia triste
Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!

Por que não falas? Que importa
Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minha alma repercute?

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