quinta-feira, 14 de julho de 2016

Oscar Wilde (A Atriz)

Existiu outrora uma grande atriz. Uma mulher que alcançara tamanhos triunfos que todo o mundo da arte a adorava, curvado a seus pés.

O incenso da adoração perfumara-lhe a vida por muitos anos e vedara-lhe os olhos para as outras coisas, de sorte que ela a nada mais aspirava.

Não obstante, chegou o dia em que conheceu um homem, a quem amou com toda a força da alma. Então sua arte, seus triunfos e as nuvens de incenso nada mais significaram para ela – o amor era toda a sua vida. Mas embora pensasse assim, o homem que ela amava tornou-se ciumento – ciumento do público que não mais lhe interessava.

Pediu-lhe que desistisse da sua carreira e abandonasse o palco para sempre. Ela acedeu sem resistência, e disse:

– O amor é melhor do que a arte, melhor do que a fama, melhor do que a própria vida.

E logo abandonou alegremente o palco e todos os triunfos para dedicar sua vida ao homem que amava.

O tempo transcorreu, o amor do homem começou rapidamente a diminuir e a mulher que tudo havia sacrificado por ele percebeu-o. A certeza disso caiu-lhe na alma como a neblina fria do entardecer, envolvendo-a da cabeça aos pés numa mortalha de desespero. Tratava-se, porém, de uma mulher corajosa, decidida, e embora com a mágoa estampada no rosto, não se deixou abater. Compreendeu que teria de sobrepujar a crise da sua vida, a crise da qual dependia o seu destino.

Com perspicácia e cruel clarividência, sentiu a realidade que lhe despedaçava o coração. Sacrificara a carreira ao seu amor e agora este amor lhe fugia. Se não encontrasse meios para reanimar a chama que bruxuleava e breve se apagaria totalmente, se conservaria solitária em meio aos escombros de sua vida arruinada.

E a mulher, que fora uma grande atriz, percebera que a sua arte, em vez de ser-lhe um estímulo ou uma inspiração nesta fase penosa da vida, demonstrara o contrário – era desvantagem e obstáculo. Alheara-se da orientação dos diretores de cena e das ideias e conselhos dos autores. Até então nada fizera sem eles – cada pensamento, cada entonação de voz e, mesmo, cada gesto era-lhe sugerido, pois esta é a arte do ator. E, agora, quando se via obrigada a pensar, criar e agir por si mesma, sentia-se desamparada, sem recursos, como uma criança repentinamente às voltas com um grande problema. Mas à medida que os dias se passavam, impunha-se cada vez mais ação pronta e enérgica.

Um dia, quando andava de um lado para o outro, com o gérmen selvagem do desespero crescendo-lhe no íntimo a cada minuto que passava, um homem foi vê-la. Ele fora empresário do teatro onde ela trabalhara. Viera pedir-lhe que representasse numa nova peça. Ela recusou. Que iria fazer no palco com essa arte falsa que transforma aqueles que a praticam em fantoches, fantoches irremediáveis, movidos por cordéis manejados pelas mãos dos autores e diretores de cena?

Agora ela se encontrava face a face com a verdadeira tragédia da vida, ao lado da qual todas as falsas tristezas do palco nada mais eram senão lantejoulas e bambinelas. Contudo, o empresário insistiu, dizendo-lhe que a oferta significava dinheiro para ele, zumbindo-lhe em torno com a persistência de uma mosca no outono, que não quer ser enxotada.

Não queria pelo menos ler a peça? Para livrar-se dele, leu-a, e reconheceu que a tragédia impressa era a tragédia da sua própria vida. A mesma situação: o problema estava resolvido.

O destino viera em auxílio da atriz numa peça teatral. Ela devia representá-la dominando inteiramente cada detalhe do enredo. Estudou, então, a parte que lhe competia e a representou para um grande auditório. Atuou com fervor do gênio que jamais ultrapassara durante a sua carreira e o aplauso que retumbou de todos os lados foi a homenagem irresistível tributada pelos espíritos e corações dos homens àqueles que possuem gênio.

Quando tudo chegou ao fim, ela voltou para casa fatigada e um tanto surpresa com os gritos e aplausos da multidão ainda lhe ressoando nos ouvidos. Dera-lhe o máximo, pusera-lhe aos pés o poder e a maravilha da sua alma. Tudo que lhe restava agora era um sentimento de impotência e fragilidade. Chegara à casa entristecida e carregada de flores. Repentinamente, observou que havia dois pratos na mesa preparada para a ceia e lembrou-se de que, nesta noite, fora resolvido o seu destino. Esquecera-o até então. Naquele momento o homem que ela amara entrou, indagando:

– Cheguei na hora?

Ela olhou para o relógio, e respondeu:

– Chegaste na hora, mas demasiadamente tarde.

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