domingo, 3 de julho de 2016

Thalma Tavares (Poemas Avulsos)



O PRÍNCIPE

Dizem que ele nasceu em noite constelada
enquanto um anjo bom sua lira tangia.
Por isso é que se fez senhor da madrugada
e parceiro fiel de gaia confraria.

Soltando a inspiração em noites de boemia,
a Via Láctea fitou com alma extasiada
e tristonho cantou, banhado em nostalgia,
o amor que não viveu, a vida descuidada.

Foi poeta maior, conversou com estrelas,
exortou-nos a amar para, enfim, entendê-las…
E tudo o que mais fez deu-lhe fama e destaque.

Tinha mesmo de ser um bardo em seu destino,
que traria por nome um verso alexandrino:
Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.
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 O ANJO E O FAUNO

Por que tenho de ser de dois extremos feito?…
De um extremo, o melhor, vem a luz que me eleva.
Mas se às vezes sou luz, outras vezes sou treva,
que me impede enxergar o que é certo e direito.

Do outro extremo, o pior, eu direi contrafeito
que há um fauno viril que à luxúria me leva,
contra o qual, com razão, a razão se subleva
e me faz explodir a revolta no peito.

Quantas vezes me ergui do meu lado mais nobre
como quem, com a luz, de pureza se cobre
e a seguir, sem razão, deixa tudo sombrio.

Entre um anjo e um fauno eu passo a vida assim
a suplicar aos céus que afugentem de mim
o lascivo animal que anda sempre no cio.
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A UM JOVEM SUICIDA

Pela porta entreaberta o velho pai assoma.
Olha triste, em silêncio, a família e a casa.
E em soluços explode a dor que ele não doma,
o mal contido pranto, a lágrima que abrasa.

A todos, de um só golpe, o sofrimento arrasa.
Inconsolável mágoa a casa inteira toma.
Parece que a tristeza, enfim, deitou sua asa
sobre um lar onde a paz era único idioma.

Tempos depois passou a dor e o desconforto.
Mas do pai, que um dia abraçou o filho morto,
como eterno castigo a dor não se apartou.

Ficou-lhe na lembrança – e pela vida inteira -
a débil voz do filho e a queixa derradeira:
– Estou morrendo, pai!… A droga me matou!
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AMOR EM DOIS TEMPOS

Rompendo a neblina que embaça o passado,
o sol em minha alma desperta a saudade
e eu volto contente à feliz liberdade,
ao álacre jogo do tempo encantado,

do idílio inocente, do beijo apressado
temendo os olhares do pai da beldade.
Depois uma flor do gentil namorado
no peito da amada era a felicidade!

Não sei em que ponto perdeu-se o lirismo
do amor que os “ficantes”, em seu modernismo,
mataram o encanto e a pureza ideal.

E enquanto eles “ficam”, ao som da balada,
o amor vai perdendo a feição encantada,
mudando-se em coisa sem graça e banal.
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UM CASO APENAS

Quando ouvi teu adeus cruzando minha porta,
em meu peito senti se esvair minha crença,
e vi, contendo a dor, minha esperança morta
na frieza letal de tua indiferença.

Em minha solidão um sonho me conforta:
ver-te um dia chegar e me pedir licença
para entrar nesta casa, e pela mesma porta
de onde te vi partir sem amor, sem detença.

Tudo passa e esta vida é lição permanente.
E eu aprendi que amar não é viver somente
de passada ilusão que no tempo se escoa.

E daqui desta porta eu te digo, em verdade,
que agora para mim não és sequer saudade;
mas um caso banal, um incidente à-toa.

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