terça-feira, 6 de setembro de 2016

Ângela Ramalho (Poemas Escolhidos)

PARTES DE MIM

Uma parte de mim é festa,
outra parte é melancolia,
uma parte de mim silencia,
enquanto outra se manifesta.

Uma parte de mim é emoção,
outra parte um ser racional,
uma parte é sentimental
enquanto outra prefere a razão.

Uma parte de mim é menina
outra parte altiva senhora,
uma parte de mim vai embora
enquanto outra se descortina.

Uma parte me pede segredo,
outra parte se escancara,
uma parte de mim dá na cara
enquanto outra se encolhe de medo.

Uma parte de mim faz furor,
outra parte vive camuflada,
uma parte de mim é abafada,
enquanto outra vive o esplendor.

SONETO DE DEVOÇÃO

Essa que veio na rede, imagem dividida
e foi achada por simples pescadores,
tornou-se nossa Mãe Aparecida,
A que veio curar as nossas dores.

Intercessora, salvou-me a vida
Curou o mal sem deixar cicatriz,
A ela sou eternamente agradecida,
Hoje é a padroeira desse meu país.

Inconfundível mãe, de cor morena,
Que a minha mãe em sonho visitou,
num momento de desespero e aflição.

Vendo sofrer uma criança tão pequena
No corpo em chamas um milagre operou,
Graças vos dou, eterna é minha devoção!

DIAMANTE BRUTO

Você gosta de músicas antigas,
de comidas simples,
de ficar em casa.
Você não liga para a aparência.
Você, tão sem cerimônias,
com seu jeitão de matuto...
Você, meu diamante bruto!
Você, simples e verdadeiro,
de mãos calejadas e de jeito rude,
que eu quero conhecer, mais amiúde...
Você às vezes lembra meu pai, severo, astuto...
Você, meu diamante bruto!

Você, homem de caráter e brio,
que me aquece quando tenho frio,
e me faz transpirar, sem ter calor.
Você, companhia da qual eu desfruto,
pedra preciosa, diamante bruto,
mas que, se eu lapidar, perde o valor.

AMOR E POESIA

Há tempos não fazemos um soneto,
Isso requer um tema embriagador,
Eu e você fazemos um bom dueto
Nas parcerias das rimas e do amor.

Rimamos tanto e em tanta sintonia
Que juntos, parecemos tão iguais,
E os belos versos desta poesia,
Até parecem alguns dos imortais.

Entre versos, desejos e malícias,
O amor flui em perfeita harmonia,
E a um canto... a caneta e o papel,

Esperam que troquemos mil carícias,
Ser tua em prosa e verso, à luz do dia,
É mais que poesia, é ir ao céu!

PALAVRAS...

Palavras...
Palavrinhas...
Palavrões...
Falam tudo,
falam nada,
tecem canções.
Causam raiva,
causam ira,
arranhões...
Nos cutucam,
nos inflamam,
são paixões.
Deixam sequelas
coisas belas,
sensações.
Causam alegria
euforia,
aos corações.
Nos ensinam
nos fascinam
aos milhões.
Mas sem elas,
ai meu Deus
como seria?
Deixaria
de existir
a poesia?

DE POETAS E LOUCOS…

Da minha loucura,
tiro lucidez,
chego até vocês.
Da minha lucidez
invento loucuras,
como ninguém fez.
Sou louco, sou pouco,
sou muito, sou tantos
e em tantos, sozinho,
procuro um ninho,
igual passarinho.
Na rua, assobio,
sorriso escrachado,
sem ninguém do lado,
mas dou meu recado:
Se tenho alegria
Sou louco de fato,
Pois faço meu dia
Virar poesia.
Sou muitos,
sou tantos,
Em tantos,
sou pouco
a muitos encanto,
a outros espanto.
Sou poeta, sou louco,
Entretanto,
sou quantos?

SÓ POESIA...

Acabei de fazer um soneto,
quase ao meio dia,
de barriga vazia,
só me alimentando
de poesia!

Alimentar o corpo
a gente espera.
Esqueço a fome,
deixo-a quieta:
-Agora sou poeta!

IDENTIDADE

Em que momento,
em que fase,
em que período,
eu me distanciei de mim?

Por quem fui levada?
(ou melhor dizendo)
Porque me deixei levar?

Quantas escolhas vãs,
quantos amores desfeitos,
quanto sacrifício inútil.

Só agora me dou conta
que a maturidade
trouxe de volta
minha identidade.

A VIDA ENSINA

Não sei porque cismei com você.
Não sei porque achei
que poderia te levar a sério.
Quanta insensatez!
Quantas promessas vãs,
quanto romantismo barato,
quanta ironia!
E eu aqui sonhando
e fazendo poesia.
Onde foi parar minha razão?
Porque deixei falar
mais alto o coração?
Será que amor faz mal,
deixa doente?
Ou eu é que fui
muito inconsequente?
Fazer o que,
sofrer é minha sina.
Contra mal de amor
não existe vacina,
nenhum remédio
cura essa ferida.
Bem ou mal,
levo comigo pela vida
lições de amores não correspondidos.
De professora, passei a aluna
cuja matéria sequer compreende,
embora o que a gente não aprende,
a duras penas a vida ensina.

CORINGA

Pego o baralho: corto!
Embaralho e me pego,
pensando na vida
(tão embaralhada).
Compro uma carta que não me
serve.
A prudência me pede para retê-la,
mas tomada pelo imediatismo,
descarto.
É apenas um jogo, penso.
Mas, e na vida
quantas vezes descartei sem pensar?
É minha vez de comprar.
Mais uma que não me serve.
Não tem coringa nesse monte?
Descarto cartas sem serventia,
e sem muito refletir,
vou comprando, comprando…
Alguém bate
e eu fico com as mãos
repletas de cartas,
e a minha falta de lucidez.
Quantas partidas a vida ainda me dará,
até que eu aprenda a pensar,
sem me acomodar,
à espera que venha o coringa?

Nenhum comentário: