sábado, 21 de janeiro de 2017

Olivaldo Junior (Lâmpadas)

O menino maravilhava-se com as lâmpadas da rua, que, pontualmente, ao fim de cada tarde, se lembravam de acender-se. Quisera ter uma memória assim, luminosa!... Não a tinha. Ou, para bem dizer, achava que não a tinha. Tinha mesmo era uma vela de memória, o que, para ele, já dava para o gasto. Não carecia muito. O trabalho como sorveteiro mirim necessitava de umas contas de cabeça, previamente retiradas da cartilha lá da escola. Um mais um, igual a dois, que, dividido por dois, é um. Hum... A vida era uma vela no peito, alento, e as lâmpadas, o além da vida.

"Um dia, quando eu for grande, vou ter uma casa enorme, com lâmpadas por todo o lado, de fazer inveja até pros vaga-lumes!", pensava consigo enquanto empurrava o carrinho de sorvete pelas ruas da Cidade. O peso do enorme carrinho contra o peso do corpo de um menino de doze anos e meio é um pouco ingrato, sobretudo em subidas. Mas, em nome da vida, vivemos, e o menino vivia seu dia, vendendo sorvete até cair o sol e erguer-se a lua. Aí, no mesmo horário, as lâmpadas, o lume de vidro em que o menino era vidrado. Voltava para casa sob essa luz, ora branca, ora amarela, alaranjada, das lâmpadas que via. Um visto para a luz, o que queria, já que a luz em sua casa tinha sido cortada havia um mês, e a mãe esquentava água num fogo de chão improvisado no quintal. A luz é cara. A cara enxerga a luz e é por ela banhada, ilumina-se. Beleza...

Foi no dia em que os irmãos do sorveteirinho sonhavam com Papai Noel que ele teve a ideia de pedir na igreja mais próxima para o santo mais pobre (logo para ele!), São Francisco de Assis, um pouco de luz para sua casa. Assim, sua mãe e os irmãos teriam banho quente quando noite e sorvete quando dia. Ajoelhadinho ao pé do santo, nosso amigo sussurrava o Cântico das Criaturas de que se lembrava, ou de que ouvia falar nos sermões que tinha de relance, lá da Praça Central.

O menino cresceu. Não mora em casa grande, nem em senzala. Mora numa casa simples, já sem irmãos, com sua mãe. Sua casa tem luz. Toma banho quente quando noite e sorvete quando dia. Mas não repara muito nisso. Hoje sonha com outras luzes. Aquela luz primeira, a das lâmpadas da rua, murcharam como rosas ao longo dos dias, depois de despertas, abertas ao sol. Luz, a de Francisco, é que é viva. A luz das lâmpadas, feito a de todo sonho, sombra de nós, velha infância.

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