sábado, 15 de julho de 2017

Olivaldo Júnior (O catador)

Fazia um frio descomunal na Cidade. Quatro, cinco horas da manhã, e lá se ia. Não era velho nem jovem. Estava ao meio da vida e à margem de si. Sussurro seu nome, mas ele não ouve. Nem a ninguém, nem a mim. Sua única preocupação é passar a madrugada nas ruas fazendo o menor barulho possível. Assim, é fácil catar o lixo das casas, que dormem, sonham, esperam o dia. Para ele, o dia não vem. Quando chega, está em casa, na cama, coruja humana que só vai despertar com o primeiro raio lunar em seu rosto. Então, como se fosse um artista, paramenta-se todo e, com a cara limpa, palhaço às avessas, conversa com o cão que cria com restos de janta e se vai. Logo, não é nem mais visto com seu carrinho de lata, com sua cara de quem já teve outra vida. Vivo, fareja a sucata que pode lhe dar um pão mais quentinho, um leite mais puro no dia seguinte. Tento esperá-lo, mas o sono me vence e nunca o encontro. Triste, me deito e, de vez em quando, num sonho qualquer, lá está ele, o catador que se infiltra nas latas de lixo, em nossas calçadas, no vão das lixeiras, em busca de... Não, não pode ser! Detrás de seu rosto, outro rosto se vê! Não, não pode ser!... O catador de meus sonhos, quem diria, sou eu!

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