sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Aldo Nora* (O Mestre vai ao Estádio de Futebol)

*Alfredo Nogueira Ferreira (Florianópolis/SC)
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Era domingo. Um sol fulgurante, morno e aconchegante, num céu azul sem mácula, alegrava o dia.

Havia um movimento desusado nas ruas . Gente, carros buzinando, ônibus atulhados, davam mais vida e redobravam a alegria nesse domingo.

Toda a festiva animação era a decorrência do grande clássico de futebol que se jogaria dentro de algumas horas.

Os portões do estádio já estavam abertos e uma mole humana se concentrava nas imediações.

Viam-se bandeiras, faixas, grupos com tambores e cornetas, homens e mulheres envergando as camisetas de seus clubes. Gritos, palavras de ordem, desaforos, enfrentamentos, por vezes, intervenções da polícia.

Uma multidão imensa coloria as bancadas do imponente estádio. Entrava sempre mais gente que se acomodava, agora, em pé, na volta do campo. Já próximo do início do jogo, entra no estádio um grupo compacto de homens e algumas mulheres e que chama a atenção pela sobriedade do comportamento. Dava a impressão de um grupo de turistas, pois não tomava partido por qualquer dos litigantes. Era notória a presença de um líder que comandava o grupo. Simpático, ereto, barbudo, sandálias nos pés, envergava uma túnica vermelha.

A bola rolava, os torcedores manifestavam-se. Gritos, xingamentos, um coro de vozes apoiando o time dos encarnados feriam os tímpanos dos mais próximos, neles se incluindo aquele peculiar grupo. O adversário fardava-se de azul e seus apoiantes situavam-se no lado oposto do campo.

Em determinado momento um jogador dos azuis apanha a bola, dribla um, avança, finta um segundo, um terceiro e já na área, para, levanta a bola e de cabeça atira para o gol. A bola bate no travessão e sai. O líder do grupo que até ali se mantivera quieto e calado, aplaudiu, entusiasticamente, a jogada. Torcedores do outro  clube vaiaram o jogador e, tendo notado a manifestação daquele homem, começaram a ofendê-lo, lançando injúrias e insultos. Passados poucos minutos o goleiro dos rubros faz uma defesa assombrosa, “voando” para o alto e desviando a bola do ângulo, após uma cobrança de pênalti. Novamente aquele homem aplaudiu o lance de belo efeito. Toda aquela chusma que o havia vaiado ficou, agora, calada. Que torcedor era aquele que ora aplaudia os de azul, ora os de vermelho? E um deles, mais atrevido e gritando, perguntou:

– E aí, meu? Qual é o teu time?

Um dos do grupo ouviu o desafio e cutucou o Mestre (era assim que o chamavam) que falava com outro.

Este, calmo, virou-se para  o provocador e disse:

– Sou do Azul, a cor do céu. Veja como está lindo! O vermelho lembra o fogo, o sangue...

– O sangue que é vida, energia e força. O sangue que nos vai dar a vitória, emendou o outro.

– O sangue que é derramado em disputas inúteis, completou o Mestre.

O insolente não perdeu tempo e provocou:

– E por que esse vermelho que te cobre o corpo? E esses arreganhos, ainda há pouco, na defesa do nosso  goleiro? Não dá pra te entender, meu chapa!

– É simples, meu caro senhor, a cor nada mais é do que luz e a luz alumia o mundo. O mundo é a natureza. E a natureza é feita de cores. Assim, o mundo é colorido e por ser colorido é mais belo. Não devemos desmerecer as cores. Há criaturas que não aceitam certas cores por razões clubísticas ou outras. Isso não é próprio de alguém que se preza. Já disse, sou torcedor  do time azul, mas não deixo de vestir um blusão ou uma camiseta vermelha, sempre que me aprouver.

Isso foi dito em meio a uma zoeira atordoante e, assim, poucos puderam ouvir essas palavras.

O jogo continuava disputado, atraente, eletrizante. A bola não saía da área, ora de um, ora de outro, sempre com o risco de gol. E aí aconteceu... numa jogada rápida, dois avançados da equipe escarlate tabelando de cabeça, entram na área e um deles finaliza para o fundo das redes. A jogada arranca aplausos e leva ao delírio a sua torcida.

O Mestre aplaude, levanta os braços para os seus pupilos que seguem o Mestre nos aplausos.

O atrabiliário torcedor rubro empolgado vira-se para o grupo com a intenção de gozar os adversários e alvejá-los com ironias e indecências; e vê o Mestre  comemorando o gol. E não se conforma. E não entende o que vê. E em tom de provocação, grita:

– Só tinha de comemorar mesmo, seu palhaço. Os otários do teu time não fazem isso. São uns... (e cuspiu um palavrão).

O Mestre esperou que a  barulheira abrandasse, acercou-se do exaltado torcedor e, como nas anteriores intervenções, falou comedido.

– Sabe o senhor, que o esporte é um espetáculo que atrai muito público. Esse público sabe que vai encontrar duas qualidades: o bom e o belo. Há exceções é evidente. Ora, o futebol sendo um espetáculo é bom porque nos proporciona prazer. E se jogado segundo as regras e com qualidade, torna-se vistoso e de extraordinária beleza. Quem não vibra com um gol de bicicleta? Um gol de bicicleta é pura arte. Só ele já paga a entrada no estádio. Quem não aplaude um daqueles dribles que deixa o adversário estatelado no chão? Um drible assim é pura arte. Quem não se entusiasma vendo um goleiro “voando” para defender uma penalidade chutada no canto de seu gol? Esse “voo” é arte que encanta. Quem  não pasma quando um jogador apanha a bola no seu meio campo e, com ela grudada no pé, vai avançando e fintando quantos adversários lhe apareçam pela frente e, no derradeiro toque, passa pelo goleiro  e empurra a bola para o gol vazio? Um lance assim não é uma obra de arte? Devemos aplaudir a arte no momento   em que ela se define aos nossos olhos. Não importa que a arte seja executada pelo adversário. Foi o que fiz. Se todos fizessem isso o futebol seria maravilhoso dentro e fora do campo.

A essa altura, já se cumpria o intervalo e o torcedor havia chegado mais perto do Mestre. E com  as arquibancadas menos rumorosas ficou mais fácil a conversação.

– E onde fica a torcida e o amor pelo clube que pede ou exige o recurso ao xingamento e ao palavrão? Retrucou o apaixonado torcedor rubro.

– A torcida e o amor pelo clube ficam intocados. Cada um vai continuar torcendo pelo seu time do coração. Eu me referi aos lances de efeito, de grande beleza. A beleza dentro do campo deve ser aplaudida. E quem assim proceder estará dando um espetáculo de beleza fora do campo. Quanto ao xingamento e ao palavrão, aquele que os profere dá uma pobre demonstração de si, não ajuda o time em nada e estimula mais o ânimo belicoso.

– Eu não vou nessa conversa de que tudo é arte e maravilha dentro do gramado. Não vês agressões, violências, brigas generalizadas? E digo mais, cara. Em noventa minutos de jogo, só há trinta ou quarenta minutos de jogo jogado. A arte e a beleza de uma jogada é exceção. O espectador é o mais prejudicado. Os jogadores usam de malandragem e de desonestidade o tempo todo. Um tipo toca o outro com o dedo e o cara cai ao chão, rebola três, quatro vezes, abre a boca e grita, parece que vai morrer. São desonestos, fazem uma falta claríssima e dizem ao juiz que nada fizeram. Chutam a gol, a bola vai direto pra fora e apontam logo para o escanteio. Tinha de haver um código de ética para os jogadores. E os técnicos deviam chamar a atenção do jogador para este aspecto.

– É verdade. Há muitas faltas e é pena. Isso torna o espetáculo caro para um esporte que se diz popular.

– Não tens jeito de torcedor, desses que frequentam os estádios sempre que há jogos, mas parece que entendes do assunto. Então, me diz, qual seria a solução para o caso?

– É simples. O jogador de qualquer modalidade esportiva deve olhar o adversário como um colega de profissão, melhor ainda, como um irmão. Ninguém vai tratar mal um irmão, não é assim?

– Isso não funciona. Os caras entram em campo para enfrentar um inimigo. Tinha de haver uma punição mais dura para esses infratores. Repito, um código de ética para os jogadores.

– Esse código já existe e tem um só artigo.

– Como assim?

– Está dentro de cada um.

– Não entendo, cara. Põe clareza nisso.

– Ama o teu próximo como a ti mesmo. Se não queres o mal para ti, não o faças a outro. Este preceito, se fosse levado à risca, resolveria tudo.

– Não acredito nisso. É coisa do passado. De dois mil anos atrás e nesse tempo nem futebol havia. Hoje, no futebol, só interessa vencer. Vencer significa mais dinheiro e é o dinheiro que comanda o futebol . E para vencer vale tudo – até quebrar uma perna ou um braço do adversário. As entidades esportivas, os dirigentes, os técnicos, os jogadores, os empresários dos jogadores só pensam em dinheiro, querem enriquecer rápido. Estamos diante de um capitalismo feroz no reino do futebol.

O Mestre concordava com o torcedor, pois, o que ele dizia era evidente. Porém não abdicava de seu ponto de vista.

– Mas lembro, e uma vez mais, que o futebol é um espetáculo e como tal deve ser jogado. E dar pontapés e agredir o outro não é esporte. Precisamos, urgentemente, ser mais humanos. O que vemos é um clubismo doentio que cega  as pessoas e lhes tolhe a razão. E quando esta não funciona o homem se embrutece. E então, nosso próximo já está muito distante de ser um irmão.

– Não achas que os técnicos com a responsabilidade do cargo e com a ascendência que têm sobre os jogadores podiam ter uma palavra a dizer nesse problema?

– Os técnicos, muitos deles, mandam bater, jogar duro com o adversário.

– Então para que servem os técnicos?

– Para nada. O técnico é um desperdício para o clube. É o que mais ganha e o que menos rende. Começa que está do lado de fora do gramado, portanto, não joga. E quem ganha ou perde os jogos são os que estão lá dentro. Digo mais: são eles, muitas vezes, a razão da derrota do time.

– Mas, há aqui uma contradição. Se não faz nada, como diz, e se são até a causa de derrotas, por que é que são tão disputados?

– É isso que me intriga. Como é que uma diretoria composta de homens (que se supõe) esclarecidos paga uma fortuna para um cidadão que é figura nula numa equipa de futebol? E depois, – o que é altamente assombroso – despedem-no após duas derrotas e contratam outro, talvez por uma soma maior ainda.

– E, depois, de tudo o que disse, eu pergunto. E para que serve o técnico, então?

– Para nada. O técnico é uma figura decorativa, uma espécie de rei que não manda e, principalmente, que nada decide.

– Aí eu não concordo. O técnico manda, sim senhor, é ele que determina a  estratégia do jogo, a tática a ser usada, a escolha dos jogadores, os que devem ser substituídos, o ritmo a ser empregado e por aí vai...

– Meu caro senhor! Aparentemente, manda. Contratado a peso de ouro ele não tem que dizer alguma coisa a seu jogadores? Não chamam a isso preleção? Preleção é dar lição, é ensinar. Ora, o técnico não ensina o jogador a jogar. O que faz é dar umas noções de tática, e de como atuar dentro de campo. Dizer isso e não dizer nada é o mesmo. No campo vão encontrar um adversário que pode desfazer todos os seus intentos. Basta que tais adversários sejam melhores. Melhores, digo. E aqui está o segredo de tudo – os melhores serão sempre os vencedores, seja qual for o técnico. Há exceções, claro; estas, confirmam a regra. Mas, dizia, por essas preleções começaram os técnicos a ser chamados de professores. Com isso desmoralizaram uma classe de escol. A classe mais imprescindível de um país, pois, sem essa classe, nenhum país cresce, nenhum povo se torna civilizado. O professor é alguém que muito estudou e que depois vai ensinar, em qualquer ramo do conhecimento, a tornar uma pessoa capacitada a exercer as suas habilitações e a vencer na vida. É como um oftalmologista que procura dar luz aos olhos de um ceguinho. Ora, o que vemos são técnicos quase iletrados dirigindo equipes de futebol. O que se pode esperar deles?

– Quer dizer, então, que é um despropósito contratar um técnico de futebol?

– Sem dúvida. Com o que pagam para contratar um técnico, comprariam uns quatro ou cinco muito bons jogadores. Isso é que deixaria mais forte e competitiva a equipa. E com o salário do técnico, a cada mês, pagariam dois ou três jogadores do elenco. Olhe, para não dizer que não servem para nada, servem, pelo menos, para divertir o publico. São mais atores cômicos do que, propriamente, técnicos de futebol. Eu me divirto muito com eles quando vejo os jogos pela televisão. Mas não vou falar disso, agora. Para encerrar essa questão do técnico vou lhe citar apenas uma (dentre muitas) expressão de um afamado técnico. Perguntado, ao final de um jogo, porque só vitórias acumulava, respondeu: “eu ganho porque tenho os melhores jogadores”. Essa resposta diz tudo.

A esta altura, o exaltado torcedor esquecia o jogo e era todo ouvidos para as palavras do Mestre. Já não era seu contraditor, mas um atento admirador desse homem que, apesar da aparência , conhecia as artimanhas do futebol e falava tão melifluamente.

Estavam tão embebidos no diálogo que estremeceram com a explosão de gritos e a ovação retumbante vindas das arquibancadas.

O jogo estava no fim dos acréscimos quando, depois de um escanteio a favor dos azuis, a bola é cabeceada para fora da área, cai nos pés de um contrário que, de uns trinta e cinco metros, manda uma “bomba” para empatar a partida.

A saída é tumultuada. Há gritos, aplausos, empurrões, bandeiras lambendo a face de muitos, a estridência de cornetas ferindo os tímpanos. Na confusão, o torcedor e o Mestre se desencontram.

Fora do estádio vão se formando grupos que logo se adensam em multidão. Um alarido infernal vai se alastrando naquele imenso espaço. Gritos histéricos, xingamentos, um batucar contínuo de tambores. O chão está coalhado de garrafas e de latinhas. Há, seguramente, nos vasos sanguíneos álcool suficiente para deflagrar um enorme incêndio. As provocações são cada vez mais ferinas. Um clima tenso, nervoso desce sobre o local. Há choques de torcedores, um prenúncio de conflito.

Surgem os primeiros policiais . Torcedores exaltados xingam os recém-chegados . Só se ouvem frases carregadas de podridão. Logo dois se engalfinham e, num átimo, são dezenas em luta corporal. A polícia procura separar os desafetos. O que era um entrevero torna-se numa verdadeira batalha. Torcedores de ambos os clubes que lutavam entre si, envolvem-se com os policiais. A refrega é geral e vale tudo. Pedras, paus, garrafas, barras de ferro, cadeiras são arremessadas na confusão. Já há armas engatilhadas nas mãos de policiais. Um corre-corre desordenado e aflito gera mais confusão.

O grupo liderado pelo Mestre, ao deixar o estádio depara-se com um ambiente caótico e hostil. Uma espécie de névoa paira sobre esse palco de distúrbios, fruto do gás lacrimogênio e gás pimenta lançados pela polícia. Repórteres dos veículos de informação correm, ora procurando um flagrante insólito, ora fugindo dos canhões d'água.

Sem saber o que fazer o torcedor dos rubros, agora perdido na multidão, pede a um repórter – pensando em uma solução para acalmar os ânimos – que entreviste o Mestre. O repórter não sabe quem é o Mestre e onde encontrá-lo. O torcedor dá-lhe algumas referências sobre a criatura, ligando-o a um grupo. O repórter aceita a incumbência e com um megafone nas mãos lança no ar um apelo. “Pedimos a um ilustre senhor envergando uma túnica vermelha e que lidera um grupo de pessoas, o favor de dirigir-se até nós, com urgência”. E deu uma referência fácil de ser identificada. Volvidos alguns minutos, surge o Mestre e seu séquito. E, então, o repórter com voz firme, pede: “por favor, atenção, pedimos a todos que escutem. É alguém que vos quer falar”.

O Mestre com serenidade diz: “Senhores torcedores e senhores policias. Peço-vos um instante de atenção”. Suas palavras ressoam no espaço como algo estranho e sobrenatural.

– Depois de um espetáculo prazeroso não se pode presenciar uma batalha entre irmãos. Caríssimos senhores, estou vendo pais de um lado e filhos de outro; maridos em lado oposto ao das esposas; jovens confrontando jovens. Isto não é de humanos. O amor a uma camisa de clube não pode ser maior que o amor a um ser humano.

A esta altura, todos, sem exceção, ouviam em silêncio.

– Quero lembrar que há uma única regra de boa convivência entre os homens: amai-vos uns aos outros. Se todos a seguissem com rigor não haveria disputas, não haveria crimes. Não haveria, sequer, zangas. Vimos há pouco um espetáculo de beleza, no estádio. Essa beleza deve ser procurada a cada instante, no mundo que nos rodeia. Ver e sentir o belo extasia a alma e nos torna feliz. Mas, parece que o homem abdicou da beleza para contemplar a fealdade. A beleza nos eleva; a fealdade (o mau uso da vida) nos rebaixa. Precisamos inverter estes valores. Deixar os ínvios caminhos que trilhamos e enveredar pela senda do amor.

Assim, ia discorrendo o Mestre quando uma voz esgoelada varou o espaço. Vinha de um torcedor, ocultado por uma árvore para não ser apanhado pelas balas de borracha.

– Não vem com esse papo, parceiro. Ninguém vai deixar de xingar os caras do time adversário. Não há coisa melhor do que abrir a boca e vomitar todos os palavrões conhecidos e inventados contra os jogadores, técnicos, juiz e até mesmo os do próprio time. A gente descarrega toda a tensão  e nervosismo e fica aliviado. Dá um sentimento de prazer como se festejasse um gol. É isso aí... não vem com essas baboseiras.

O Mestre ouviu tudo e quando o agastado torcedor terminou, ele, com brandura e alteando a voz para que todos ouvissem, continuou:

– Meus amigos: vivemos pela cabeça, a parte mais nobre do corpo. Por ser nobre está no alto e o seu interior – a porção mais importante – está resguardada em uma redoma óssea. Daí, partem os comandos para o resto do corpo. É, pois, vital que a cabeça se mantenha limpa para que a boca não se abra para sujeiras. Quando tal acontecer seremos mais afetivos e mais compreensivos. Seremos mais humanos. E, se na boca aflorar um sorriso, tanto melhor, pois as palavras que se seguirem serão de suavidade e não de aspereza, de amor e não de ódio. E como disse um poeta, às vezes basta um sorriso para dar sabor à vida. Se desejamos ser bem acolhidos e bem tratados, sejamos acolhedores e reverentes. Se assim procedermos a vida será melhor e não haverá desacatos. Os que me ouvem, agora, estiveram, como eu, assistindo a um espetáculo. E quem vai a um espetáculo, é para fruir esse espetáculo. Do princípio ao fim. E de lá sair satisfeitos pelo prazer que nos proporcionou. Lembro a todos que a cobiça do primeiro lugar e a conquista dos três pontos estão na origem de todas as disputas. Devemos manter sempre o nosso cariz (caráter) humano quando, nos espetáculos desportivos, se digladiam dois adversários. Os que estão na luta vão procurar vencer e é justo que assim procedam, desde que obedeçam às regras, tanto regulamentares quanto éticas. Os que, fora do campo assistem à disputa, cabe-lhes incentivar com aplausos, cantos, gritos, e frases de estímulo e tudo o que for capaz de contribuir para a vitória do seu grupo. E, no final, se vitoriosos, fazer a festa. Os perdedores, embora tristes, devem sair de cabeça erguida, se jogaram como lhes competia. Perderam no resultado, mas foram sócios na feitura do espetáculo. E devem merecer elogios porque aceitaram com dignidade a vitória dos seus opositores. Destes, deveriam ouvir  como homenagem o “victis honos” (em honra dos vencidos).

Na quietação daquele momento, quando todos os olhares buscavam aquele homem falando com suavidade, o torcedor avinagrado e num esganiço, lança farpas contra o Mestre.

– Chega de conversa fiada, cara. Ninguém vai nessa de dar a mão ao próximo, ver no adversário um irmão, ter um sorriso na boca. Isso não cola mais, isso é palhaçada. Hoje, o que vale é a esperteza, o “jeitinho”, a engambelação. O resto é frescura...

Logo um sussurro se alastrou rapidamente. Vozes cada vez mais fortes se juntaram em desaprovação e uma atordoadora vaia fez calar o desabrido torcedor.

E, então, ouviram-se palmas. Um estrepitoso bater de palmas dirigido ao Mestre que se afastava do local, à frente de seu grupo. As dezenas de torcedores que, ainda, permaneciam no recinto, ovacionavam e cumprimentavam o Mestre ao vê-lo passar. Polícias, muitos com as  armas nas mãos, faziam um sinal de positivo com o polegar erguido.

Um casal que se afastava lentamente, ia trocando impressões sobre o acontecido e, um deles, comentava não ter, agora, mais dúvida sobre a força da palavra – “na verdade, a palavra tem mais força que a própria força. O episódio  trouxe-me à memória um poema que li e que dizia: os canhões não podem derrotar a ideia”.

Medalha de Ouro em Conto no Júri Civil, I Concurso da AECALB no RJ

Fontes:
Reino dos Concursos
Imagem = Aliexpress

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