domingo, 20 de maio de 2018

Malba Tahan (O Tempo passa)

(Lenda japonesa)

Todos os deuses notaram, naquele dia, que Izanaghi, o Sétimo, preparava-se para partir em companhia de sua adorável esposa Izanami1. Kuni-toko-datis, o Primeiro, senhor do Céu e da Luz, indagou, apreensivo:

    — Pela suprema Vontade, ó Izanaghi!, para onde pretendes partir com a tua formosa companheira?

    Respondeu Izanaghi:

    — Quero observar como vivem, na Terra, os homens — esses seres inferiores, criados pela infinita bondade dos deuses. Minha esposa deseja auxiliar os mortais e torná-los felizes. É por isso que partimos.

    Kuni-satsu-tsu o Segundo, o eterno defensor da Justiça, observou:

    — Não vos esqueçais, ao julgar os homens, que a indulgência faz parte da Justiça.

    — Ensinai aos mortais — acrescentou Toio-Munon-Su, o Terceiro — que o desespero é o maior dos erros.

    Os outros três deuses, Wan-hri-su, Oototsi e Omotaron, nada disseram. Que poderiam eles aconselhar ao poderoso Izanaghi, o mais sábio dos deuses?

    Izanaghi e sua esposa Izanami desceram à Terra e foram ter à ilha de Awadsi. Essa ilha, protegida pelos famosos rochedos de Sikoff, é um dos recantos mais belos do mundo.

    Que felicidade para os homens poderia advir da presença dos deuses entre as montanhas de Awadsi?

    Izanami disse ao seu esposo:

    — Os mortais são simples e bondosos; souberam receber-nos com alegria e afeto. Acha que merecem recompensa.

    — Que desejas fazer, querida? — indagou Izanaghi — em benefício dos homens?

    A deusa respondeu:

    — Já pude observar que o grande terror de todas as criaturas é a morte. Não há um só homem que não se encha de angústia e pavor, ao ver chegar o termo de seus dias. E a morte é consequência fatal do tempo. Façamos, pois, para a felicidade da Terra, que o tempo não passe mais para os homens, embora continue a passar para os outros seres que povoam o Universo.

    — Está bem, querida — respondeu Izanaghi — Assim farei. Deste momento em diante, o tempo não mais passara para os homens.  Ficarão todos  exatamente como estão e permanecerão, assim, inalteráveis, numa existência tranquila e feliz.

    Izanaghi e Izanami continuaram a viver sob céu de Awadsi, entre os rochedos de Sikoff.

 — Está bem, querida — respondeu Izanaghi — Assim farei. Deste momento em diante, o tempo não mais passara para os homens.  Ficarão todos  exatamente como estão e permanecerão, assim, inalteráveis, numa existência tranquila e feliz.

Um dia, afinal, foram os deuses despertados por estranho rumor. Grande multidão, em atitude de protesto, rodeava o palácio.

    — Que deseja essa gente? — indagou Izanaghi.

    Os jovens e adolescentes disseram:

    — Senhor! A vossa decisão sobre o tempo foi, para nós, um castigo tremendo. Se o tempo não passar, jamais chegaremos a viver. Queremos que o tempo passe, para que possamos chegar à idade de casar, constituir família — realizar, enfim, a nossa missão na vida e dela tirar a nossa parcela de felicidade! Que adianta viver sem sentir passar a vida?

    Os homens de meia-idade também falaram ao Sétimo Deus:

    — O tempo, senhor, continua impassível para nós! Como é triste e monótona a vida que não passa! Queremos ver o perpassar dos dias, pois alimentamos a ambição de apreciar os nossos filhos crescidos, trabalhando felizes ao nosso lado!

    — Também nós, senhor! — acudiram os velhos — desejamos que o tempo passe. — Torturados pelos achaques de nossa idade, que pode valer a vida para nós? A nossa felicidade é o reflexo da felicidade daqueles que amamos. Queremos que o tempo passe, pois só o passar do tempo fará a alegria de nossos filhos e de nossos netos!

    Arrebatado pelo desespero (que é o maior dos erros) Izanaghi esqueceu-se de que a indulgência faz parte da justiça. Tomado de vivo rancor contra os homens rebeldes, exclamou:

    — Insensatos! Quereis que o tempo passe para que possais viver cada momento iludidos pelas falazes esperanças do futuro! A lembrança bondosa de minha esposa foi repelida pela ingratidão que vive em vossos corações. Quereis que o tempo passe? Pois bem, o tempo passará!

    E rematou:

    — Mas o passar do tempo será sempre ao contrário de vossos desejos, ao arrepio de vossas aspirações. Será rápido e fugaz nas horas felizes e lento, muito lento, nos períodos de dor e tristeza.

    E o castigo dos deuses caiu impiedoso sobre os homens.

    O tempo passa — esse foi o desejo de todos; passa, entretanto, célebre e fugidio nas horas de alegria e felicidade; vagaroso, tardo e torturante nos minutos infindáveis de angústia e sofrimento.
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Nota:
1- Izanami — Todos os deuses citados nesta lenda, faziam parte da mitologia dos primitivos habitantes do Japão. Vide A. Humbert — “Le Japon”.

Fonte:
Malba Tahan. Minha Vida Querida.

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