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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (Pitoco)


Pitoco era um cachorrinho
 qu'eu ganhei do meu padrinho
 numa noite de Natá-
 era esperto, muito ativo,
 tinha dois zóio bem vivo,
 sartando pra-cá, pra-lá.

 Bem cedo me levantava.
 Pitoco que me acordava
 c'os latido, sem pará,
 me fazia tanta festa,
 lambia na minha testa,
 quiria inté me bejá.

 Nos dumingo, bem cedinho,
 pegava meu bodoguinho, 
 os pelote no borná.
 Pitoco corria na frente,
 dano sarto de contente,
 rolano nos capinzá.

 Aquele devertimento 
 de grande contentamento
 ia inté no sor entrá.

 Era dumingo de mêis
 e dia de Santa Ineis: --
 tinha festa no arraiá.
 Minha mãe, as criançada
 tudo de rôpa trocada,
 na capela foi rezá;
 fugino por ôtra estrada
 c'o Pitoco fui caçá.

 Hoje, dói minha concência,
 pra morde a desobidiência.
 Pitoco latia... latia,
 mostrano tanta alegria,
 sem nada podê cismá;
 i eu tacava um pelote,
 fazeno virá cambóte,
 um pobre cara-cará. 

 Pitoco me acumpanhava;
 de veis in quano sentava
 e quiria adivinhá...

 De repente fiquei fria
 Gritei pr'a Virge Maria,
 que pudia me sarvá.
 Uma urutu das dorada,
 num gaio dipindurada
 tava pronta pra sartá!

 Pitoco ficô arrepiado,
 ficô c'o zóio vidrado
 e deu um sarto mortá: --
 se cumbateu c'a serpente,
 repicô tudo de dente,
 mais num pôde se escapá.

 Pitoco morreu latindo,
 os zóio vivo, tão lindo,
 foi fechano devagá;
 parece qu'inté se ria
 da minha patifaria
 de num podê le sarvá.

 E neste mundo tão oco,
 unde os amigo são pôco,
 despois que morreu Pitoco
 nunca mais tive outro iguá!

Fonte:
Nhô Bentico e Abílio Victor. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário. 

sábado, 12 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (Flor do Dia)



Colhida em Recife.
–––––––––––

Alevanta, meu amor
 Desse bom dormir
 Chame sua mãe
 Para me acudir

 Levantou-se ele
 Sem mais descanso
 Foi selando logo
 Seu cavalo branco

 — Deus vos salve, mãe
 No vosso estrado
 — Deus vos salve, filho
 No vosso cavalo
 Apeia pra baixo
 Jantar um bocado
 — Não quero jantar
 Que vim a chamado
 Que a Flor do Dia
 Lá ficou de parto
 — De mim para ela:
 Um filho varão
 De espora no pé
 E espada na mão
 Rebente por dentro
 Pelo coração

 — Flor do Dia
 Faça por parir
 Minha mãe está doente
 E não pode vir
 Alevanta, amor
 Desse bom dormir
 Chame minha mãe
 Para me acudir
 Que ela mora longe
 Mas sempre há de vir
 Grande dor, marido
 É dor de parir!

 — Deus vos salve, sogra
 No vosso estrado
 — Deus vos salve, genro
 No vosso cavalo
 Apeia pra baixo
 Jantar um bocado
 — Não quero jantar
 Que vim a chamado
 Que a Flor do Dia
 Lá ficou de parto
 — De mim para ela:
 Um filho estimado
 Que eu veja no trono
 Um bispo formado
 Espera lá, meu genro
 Deixa-me vestir
 Que ela mora longe
 Mas sempre hei de ir

 — Pastor de ovelhas
 Que sinal é aquele
 Que está dobrando?
 — É dona Estrangeira
 Que morreu de parto
 Sem haver parteira
 — Aquele sino
 Não cessa de dobrar
 Nem meus olhos
 Também de chorar
 Adeus, minha filha
 Do meu coração
 Que morreu de parto
 Sem minha bênção
 Adeus, milha filha
 Que eu vinha te ver
 Quem não tem fortuna
 Mais val ao nascer

Fonte:
Romero, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (A Sogra Enganando o Diabo)


 Dizem, não sei se é ditado,
 Que ao diabo ninguém logra;
 Porém vou contar o caso
 Que se deu com minha sogra.
 As testemunhas são eu,
 Meu sogro, que já morreu,
 E a velha, que é falecida.
 Esse caso foi passado
 Na rua do Pé Quebrado
 Da vila Corpo Sem Vida.

 Chamava-se Quebra-Quengo
 A mãe de minha mulher,
 Que se chamava Aluada
 Da Silva Quebra-Colher,
 Filha do Zé Cabeludo.
 Irmã de Vítor Cascudo
 E de Marcelino Brabo,
 Pai de Corisco Estupor;
 Mas ouça agora o senhor
 Que fez a velha ao diabo.

 Minha sogra era uma velha
 Bem carola e rezadeira,
 Tinha seu quengo lixado,
 Era audaz e feiticeira;
 Para ela tudo era tolo,
 Porque ela dava bolo
 No tipo mais estradeiro.
 Era assim o seu serviço:
 Ela virava o feitiço
 Por cima do feiticeiro!

 Disse o demo: — Quebra-Quengo,
 Qual é a tua virtude?
 Dizem que és azucrinada
 E que a ti ninguém ilude?
 Disse a velha: — Inda mais esta!
 Você parece que é besta!
 Que tem você c’o que faço?
 Disse ele: — Tudo desmancho,
 Nem Santo Antônio com gancho
 Te livra hoje do meu laço!

 Ela indagou: — Quem és tu?
 Respondeu: — Sou o demônio,
 Nem me espanto com milagre,
 Nem com reza a Santo Antônio!
 Pretendo entrar no teu couro!
 E nisto ouviu-se um estouro!
 Gritou a velha: — Jesus!
 Ligeira se ajoelhou
 E, depois, se persignou
 E rezou o Credo em cruz!

 Nisto, o diabo fugiu.
 E, quando a velha se ergueu,
 Ele chegou de mansinho,
 Dizendo logo: — Sou eu!
 Agora sou teu amigo
 Quero andar junto contigo,
 Mostrar-te que sou fiel.
 Minha carta, queres ver?
 A velha pediu pra ler
 E apossou-se do papel.

 — Dê-me isto! grita o diabo,
 Em tom de quem sofre agravo.
 Diz a velha: — Não dou mais!
 Tu, agora, és o meu escravo!
 Disse o diabo: — Danada!
 Meteu-me numa quengada!
 Sou agora escravo dela!
 E disse com humildade:
 — Dê-me a minha liberdade,
 Que esticarei a canela!

 Disse a velha: — Pé de pato,
 Farás o que te mandar?
 Respondeu: — Pois sim, senhora,
 Pode me determinar,
 Porque estou no seu cabresto
 Carregarei água em cesto,
 Transformarei terra em massa,
 Que para isso tenho estudo;
 Afinal, eu farei tudo
 Que a senhora disser — faça!

 Disse a velha: — Vá na igreja,
 Traga a imagem de Jesus.
 Respondeu: — Posso trazê-la,
 Mas ela vem sem a cruz,
 Porque desta tenho medo!
 Disse a velha: — Volte cedo!
 Ele seguiu a viagem
 E ao sacristão iludiu:
 Uma estampa lhe pediu
 Que só tivesse uma imagem.

 A velha, então, conheceu
 Do cão o quengo moderno,
 E, receando que um dia
 A levasse para o inferno,
 Para algum canto o mandou
 E em sua ausência traçou
 Com giz uma cruz na porta.
 Voltou o cão sem demora,
 Viu a cruz, ficou de fora,
 Gritando com a cara torta.

 Gritou o cão no terreiro:
 — Aqui não posso passar!
 Venha me dar minha carta,
 Quero pro inferno voltar!
 Disse a velha que não dava,
 Mas ele continuava
 A rinchar como uma besta.
 — Pois fecha os olhos! ela diz.
 Ele fechou e, com giz,
 Fez-lhe outra cruz bem na testa!

 Aí entregou-lhe a carta
 E o demo pôs-se na estrada,
 Dizendo com seus botões:
 — Não quero mais caçoada
 Com velha que seja sogra,
 Porque ela sempre nos logra!
 Foi, assim, a murmurar.
 Quando no inferno chegou,
 O maioral lhe gritou:
 — Aqui não podes entrar!

 — Então, já não me conhece?
 Perguntou ao maioral.
 — Conheço, porém, aqui
 Não entras com tal sinal:
 Estás com uma cruz na testa!
 Disse ele: — Que história é esta?
 Que é que estás aí dizendo?
 Mirou-se dum espelho à luz:
 Quando distinguiu a cruz,
 Saiu danado, correndo!

 E, na carreira em que ia,
 Precipitou-se no abismo,
 Perdeu o ser diabólico,
 Virou-se no caiporismo,
 Pela terra se espalhou,
 Em todo lugar se achou,
 Ao caipora encaiporando,
 Embaraçando seus passos
 E com traiçoeiros laços
 As sogras auxiliando...

 Deste fato as testemunhas
 Já disse todas quais são.
 Agora, quer o senhor
 Saber se é exato ou não?
 Invoque no espiritismo
 Ou pergunte ao caiporismo,
 Este que sempre nos logra,
 Se sua origem não veio
 Do diabo imundo e feio
 E do quengo duma sogra!

Fonte:
Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folclore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (O Tatu)


 Eu vim pra contar a história
 Dum – tatu – que já morreu
 Passando muitos trabalhos
 Por este mundo de Deus

 O tatu foi muito ativo
 Pra sua vida buscar
 Batia casco na estrada
 Mas nunca pôde ajuntar

 Ora pois, todos escutem
 Do tatu a narração
 E se houver quem saiba mais,
 Entre também na função

 - Anda a roda
 O tatu é teu;
 Voltinha no meio
 O tatu é meu! - 

 O tatu foi homem pobre
 Que apenas teve de seu
 Um balandrau muito velho
 Que o defunto pai lhe deu!

 O tatu é bicho manso
 Nunca mordeu a ninguém
 Só deu uma dentadinha
 Na perninha do seu bem

 O tatu é bicho manso
 Não pode morder ninguém
 Inda que queira morder
 O tatu dentes não tem

 O tatu saiu do mato
 Vestidinho, preparado
 Parecia um capitão
 De camisa de babado!

 O tatu saiu do mato
 Procurando mantimento
 Caiu numa cachorrada
 Que o levou cortando vento!

 O tatu me foi à roça
 Toda a roça me comeu
 Plante roça quem quiser
 Que o tatu quero ser seu!

O tatu é bicho chato
 Rasteiro, toca no chão
 Inda mais rasteiro fica
 Quando vai roubar feijão

 O tatu de rabo mole
 Faz guisado sem gordura
 Ele é feio mas gostoso
 O que lhe falta, é compostura

 Depois de muito corrido
 Nos pagos em que nasceu
 O tatu alçou o poncho
 E proutras bandas se moveu

Eu vi o tatu montado
 No seu cavalo picaço
 De bolas e tirador
 De faca, rebenque e laço

 Onde vai, senhor tatu
 Emtamanha galopada?
 – Vou pra Cima da Serra
 Dançar a polca mancada! - 

 O tatu subiu a Serra
 No seu cavalo alazão
 De barbicacho na orelha
 Repassando um redomão

O tatu subiu a serra
 Pra serrar um tabuado
 Levou mala de farinha
 E um porongo de melado

 O tatu subiu a Serra
 Com ganas de beber vinho
 Apertaram-lhe a garganta
 Vomitou pelo focinho!

 Depois de grande folia
 Em que o tatu se meteu
 Deram-lhe muito guascaço
 E o tatu ensandeceu!

E logo desceu pra baixo
 Mui triste da sua vida
 Co’a casca toda riscada
 De orelha murcha, caída!

 O tatu foi encontrado
 No serro de Batovi
 Roendo as unhas, de fome
 Ninguém me contou, eu vi!

 O tatu foi encontrado
 Pras bandas de São Sepé
 Mui aflito e muito pobre
 De freio na mão, a pé

O tatu depois foi visto
 No serro de Viamão
 Com seu lacinho nos tentos
 Repassando um redomão

 O tatu foi encontrado
 Lá nos serros de Bagé
 De laço e bolas nos tentos
 Atrás dum boi jaguané!

 O tatu foi encontrado
 Na serra de Canguçu
 Mais triste que um socó
 E sujo como urubu

Ao chegar à sua casa
 Veio alegre e mui contente
 Por ver a sua tatua
 E quem mais era parente

 Minha comadre tatua
 Adeus, como tem passado?
 – Tenho passado mui bem
 Porém com algum cuidado - 

 Tatua, minha tatua
 Acuda, senão eu morro!
 Venho todo lastimado
 Das dentadas de um cachorro

Até chegar nesta idade
 Remédio nunca tomei
 Tatua, estou mui doente
 Faz remédio, eu tomarei

 Ela deu folhas d’umbu
 Co’a raiz de pessegueiro
 Mas coitado do tatu
 Morreu inda mais ligeiro!

 A tatua e os tatuzinhos
 Puseram-se a cavoucar
 Pra fazer a funda cova
 Pra o seu tatu enterrar

A tatua está viva
 O seu tatu já morreu
 Ela agora quer marido
 Travesso como era o seu

 A tatua está mitrada
 Quer marido doutro jeito
 Que não viva longe dela
 E seja tatu de respeito

 E se algum dos meus senhores
 Quer ser tatu preferido
 A tatua está viva:
 É só fazer seu pedido!

 O tatu desceu a Serra
 Com fama de laçador
 Bota laço, tira laço
 Bota pealos de amor

 Meu tatu de rabo mole
 Meu guisado sem gordura
 Eu não gasto meu dinheiro
 Com moça sem formosura

 Dei graças a Deus achar
 Uma toca já deixada
 Pois que vinha um caçador
 Co’ uma grande cachorrada

 O tatu foi encontrado
 No passo do Jacuí
 Trazendo muitos ofícios
 Para o general David

 O tatu subiu no pau!
 É mentira de você:
 Só que o pau fosse deitado
 Isso sim, podia sê

 O tatu caiu na roça
 Pelo cheiro da banana
 Também eu quero cair
 Nos braços de dona Ana

Fonte:
Lopes Neto, J. Simões. Cancioneiro guasca. Porto Alegre, Editora Globo, 1954. (Coleção Província, 6). Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (Boi Pintadinho)

Eu sou o boi Pintadinho

Boi corredor de fama
Que tanto corre no duro
Como na várzea de lama

Corro fora destes campos
Corro dentro da caatinga
Corro quatro, cinco léguas
De suor nem uma pinga

Corro fora nestes campos
Que o mesmo ar se arrebenta
Corro quatro, cinco léguas
Ninguém me vê dar a venta

Meu senhor Inácio Gomes
De mim já teve agravado
Porque onde eu estou
Não pode arrudiar gado

Ele fala com grande ira
E sente está magoado
Porque há mais de vinte vezes
Eu o tenho enrabado

Meu senhor Inácio Gomes
Fala com tanta ira
Que já dá vinte patacas
A quem me puser na embira

Eu darei tudo por nada
Pois dele, se não careço
Além da sua brabeza
Também tenho seu arremesso

O moço José de Almeida
Vagueiro do Clemente
Diz que nunca houve um cachorro
Que lhe pusesse o dente

E eu que o vi correr
Na lagoa das Mofadas
Deixou atrás o cavalo
E a sua cachorrada

Porque desde garotinho
Carreguei opinião
De não ter nenhum vaqueiro
Que me chegasse o ferrão

Estava eu certo dia
Na Carnaubinha maiado
Quando vi um cavaleiro
Em um tropel mui descansado

Estava seco de sede
E também morto de fome
Assim mesmo abri os olhos
Conheci Inácio Gomes

Saí logo na carreira
Não muito despedido
Porque Inácio Gomes
Já era meu conhecido

Ficou ele maginando
O que havia de fazer
Eu entrei bem para o centro
Bem pra dentro me esconder

No outro dia bem cedo
Saí a comer orvalho
Logo na volta que dei
Encontrei João Carvalho

Ele vinha bem montado
Bom cavalo e bom ferrão
E junto consigo trazia
O cabra Gonçalão

Traziam mais três cachorros
Que valiam três cidades
Que querendo matar um
Não se acha ruindade

Logo que avistei isto
Botei-me no catingão
A demora que tiveram
Foi gritar: arriba cão!

Corria de tal maneira
Que os ouvido me zunia
Na distância de três léguas
Três cachorros me gania

Tratei de me pôr em pé
Espiando pra confusão
Porém logo me enganei
Cada vez me foi pior

Porque eu estando em pé
Espiando pra confusão
Muito depressa chegou
O tal cabra Gonçalão

— Quer que vamos ao boi agora?
Ele está bem esbarrado...
Peguemos logo este boi
Enquanto ele está cansado

O cabra partiu a mim
Porém veio de meia-esgueia
Desviou-se da cabeça
Pressionou-me na sarneia

Eu com ardor do ferrão
A ele me encostei:
De debaixo de suas pernas
O cavalo lhe matei

O cabra se viu a pé
Ficou tão desesperado
Foi gritando logo ao outro:
— Matemos este malvado!

O cabra quando viu isto
Ainda mais se segurou
Puxou logo pela faca
Por detrás me rejeitou

Deram comigo no chão
Em riba de mim se escanchou
Logo o cabra Gonçalão
Bem depressa me sangrou

Ficaram muito contentes
De ter seu pleito vencido
Só assim Inácio Gomes
Aproveitaria o perdido

— Gonçalão tu vais à casa
Para buscar três cavalos
E mais alguma arrumação
E comeres alguma coisa
Que com certeza tens fome
Que vou pedir as alvissas
Ao compadre Inácio Gomes

Chegando ele então
Na fazenda Trucuinho
— As alvissas, meu compadre
Que é morto o Pintadinho!

— Venha me contar a estória
O que ele andava fazendo
Na lagoa das Mofadas
Bem cedo andando correndo

— Na lagoa das Mofadas
Naquele serrotinho de pedra
Bem na pontinha de cima
Fomos dar-lhe uma queda

Ou bicho forte! Correu
Correu mais de cinco léguas
E, se não são os cachorros
Ainda ninguém o pega

— Faça favor apeiar-se
Venha me contar a função
Se foi morto de chumbo
Ou a ponta de ferrão

— Sim, senhor, foi morto a chumbo
E a ponta de ferrão
Ajudado dos cachorros
E também do Gonçalão

Tenho agora três cachorros
Que vieram do Inhamuns
Que como estes três cachorros
Nesta terra não há nenhum

— Estão prontas as vinte patacas
Para lhe dar as alvissas
Tanto pelo seu trabalho
Como também pela notícia

Mande ver o Pintadinho
Aproveite ele todo
Faça dele matrutagem
Estimo que esteja gordo

Eu suponho que está capaz
De se comer com sossego
Porque julgo não terá carne
Tudo, tudo será sebo

Convide alguns amigos
Para bebermos um copinho
Principalmente celebrando
A morte de Pintadinho

* * *
Convidaram-se os amigos
Acudiu a gente toda
Receberam vinte mil réis
Comeram uma vaca gorda

Fonte:
Carvalho, Rodrigues de. Cancioneiro do norte. 3ª ed. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (O Casamento do Rato com a Catita)


No tempo em que os animais
 Seguiam civilidade
 O mundo era diferente
 Deste da atualidade
 Não havia a corrupção
 Que existe na humanidade

 Nesse tempo o senhor leão
 Era o rei dos animais
 O gafanhoto também
 Trazia insígnias reais
 O elefante, grande sábio,
 Fazia códigos legais

 O urso era juiz de direito
 O tigre era presidente
 O lobo era capitão
 A girafa era intendente
 O tamanduá era padre
 E o porco-espinho tenente

 O boi era juiz de paz
 Mestre burro era doutor
 O macaco era escrivão
 A lagarta cobrador
 A preguiça era fiscal
 Tatu-peba coletor

 O carneiro era mendigo
 Era o bode um almirante
 A raposa era correio
 Era o cavalo estudante
 O galo era um insolente
 E o punaré negociante

 A cobra, uma criminosa
 O cachorro, delegado
 O queixada, vagabundo
 O sapo, velho soldado
 E o peru era pobre preso
 Que vivia encarcerado

 Gato era cabo de esquadra
 Saguim era professor
 O veado era vaqueiro
 Periquito, promotor
 Camelo era viajante
 E o porco era criador

 O jacaré era dentista
 O morcego era barbeiro
 A ema era bom alfaiate
 O pica-pau, carpinteiro
 Guaxinim, senhor de engenho
 Mestre urubu, cozinheiro

 Vivia o abutre faminto
 A coruja era um profeta
 O cisne era um amante
 O rouxinol, um poeta
 A zebra, grande tratante
 O canguru era um pateta

 O castor era pedreiro
 O rato era namorado
 A barata era gatuno
 O pato era um empregado
 O pavão era um ourives
 E o canário, um advogado

 Era o mocó bom marchante
 A andorinha, comboeiro
 A formiga, agricultor
 Hiena, um sujo coveiro
 A cigarra era cantora
 E o besouro era bombeiro

 Afinal, tudo o que os homens
 São nessa atualidade
 Os brutos também já foram
 No tempo da antiguidade
 Quando o Destino era um deus
 De poder e majestade

 Nesse tempo, o jovem rato
 Habitava num chalé
 E namorava a Catita
 A filha do punaré
 Ela ainda era donzela
 E ele era um moço de fé

 O rato determinou-se
 A pedir a mão da amada
 Visitando o punaré
 Pediu-lhe a filha estimada
 Visto ela também já estar
 Bem por ele apaixonada

 — Meu tio, eu não venho aqui
 Só fazer-lhe uma visita
 Venho lhe pedir a mão
 De sua filha Catita
 Para casar-me com ela
 Pois acho-a muito bonita

 O punaré respondeu-lhe:
 — Só não te dou minha filha
 Porque ainda não tens recursos
 Pra sustentar a família
 E um pobre casar com um rico
 É mais do que maravilha

 — Meu tio, eu sei que sou pobre
 Não preciso que me diga
 A fazer-lhe este pedido
 É mesmo o amor quem me obriga
 Se me negar o que peço
 Haverá entre nós intriga

 — Eu darei o que me pedes
 Pois não te posso negar
 Já que a moça é tua prima
 Porém só podes casar
 Quando tiveres dinheiro
 Com que possas te aprontar

 — Se o senhor me proteger
 Eu proponho-lhe um negócio
 Faça de mim seu caixeiro
 Pois não sou muito beócio
 E, depois, quando casar
 Poderei ser o seu sócio

 — Aceito tua proposta
 Podes vir ser meu caixeiro
 Porém há uma circunstância
 Quero avisar-te primeiro
 Que não namores a moça
 Enquanto fores solteiro

 Então, fecharam negócio
 Passaram um documento
 E o rato tomou conta
 Dum estabelecimento
 Trataram para o fim do ano
 O tempo do casamento

 O punaré proibiu
 À filha de namorar
 Porém ela, às escondidas
 Ia com o rato prosar
 Toda noite, no jardim
 Tinham um particular

 Ao cabo de pouco tempo
 Sentiu-se a moça doente
 Estava bem descorada
 Com um olhar diferente
 Os peitos tinha crescidos
 E bastante inchado o ventre

 Foi receitar-se num médico
 E este, a vendo, logo disse:
 — Senhora, este seu incômodo
 Nada mais é que prenhice
 Remédio para este mal
 Nunca pôde descobrir-se

 O Rato desconfiou
 Tratou logo de fugir
 Roubou o cofre do tio
 Que, quando o quis perseguir
 Não o encontrou mais na loja
 Nem no quarto de dormir

 Vendo-se a moça ofendida
 Foi, correndo, se queixar
 Suplicando ao delegado
 Para este logo obrigar
 O Rato a casar com ela
 Pr’assim sua honra pagar

 Prometeu o delegado
 Que faria o que pudesse:
 Mandava prender o moço
 E, embora ele não quisesse
 Casar-se com a ofendida
 Casava houvesse o que houvesse!

 A moça voltou pra casa
 E o delegado apitou
 Em menos de uma meia hora
 Uma tropa se ajuntou
 O Gato chegou primeiro
 Dizendo logo: - Cá estou!

 Os soldados perguntaram:
 — Que quer, senhor delegado?
 Este respondeu: — Eu quero
 Que o Rato seja intimado
 Se ele fizer resistência
 Tragam morto ou amarrado!

 Logo os soldados se armaram
 Foram em busca do Rato
 Este, com medo da tropa
 Estava oculto no mato
 Porém isto o não livrou
 De cair nas mãos do Gato

 Cercou a tropa uma serra
 E, de cima dum penedo
 Avistou o criminoso
 Debaixo dum arvoredo
 Muitos soldados correram
 Outros morreram de medo!

 O Rato estava dormindo
 E acordou atordoado
 Com uma voz lhe dizendo:
 — O’ cabra esteja intimado!
 O Rato pensou consigo:
 — Ai! Ai! estou desgraçado!

 O Rato quis evadir-se
 Porém foi logo agarrado
 Ele se opôs e, na luta
 Deixaram-no bem pelado
 Pois assim mesmo o levaram
 Diante do delegado

 Este perguntou ao preso:
 — Que foi que fizeste tu?
 Que foi que te aconteceu
 Que estás aí quase nu?
 Para ti serve o ditado:
 Quem se vexa come cru!

 Disse o Rato: — Eu quis casar
 Com uma jovem mui bela;
 Mas, por ela me ser falsa,
 Eu disse para o pai dela:
 Que procurasse outro noivo
 Para casar-se com ela

 O delegado então disse:
 — Pois que o camarada me ouça:
 Por aí corre o boato
 Que tu ofendeste essa moça
 Agora, o que te acontece
 É morte ou casar à força!

 O Rato lhe respondeu:
 — Não é preciso matar-me!
 Eu já estou arrependido
 E, como quer castigar-me
 Mande chamar logo o padre
 Quero hoje mesmo casar-me

 O delegado respondeu-lhe
 — Não precisa se vexar
 Ainda falta correr banhos
 E a moça se preparar
 Eu dou-lhe um mês como prazo
 Para tudo se arranjar

 Com esse espaço dum mês
 Tudo estava preparado
 Todo o povo do lugar
 Tinha sido convidado
 Para ao grande baile vir
 Que havia de ser falado

 O Punaré, logo cedo
 Mandou ao padre chamar
 Pra fazer o casamento
 Que era em primeiro lugar
 Na manhã daquele dia
 Sem poder mais se adiar

 Convidou Mocó das Índias
 Pra ser do noivo o padrinho
 Visto ele ser seu parente
 E também ser seu vizinho
 Este não bebeu na festa
 Por gostar pouco de vinho

 Mandou chamar a Cotia
 Pra ser da noiva a madrinha
 Esta não comeu na festa
 Por não gostar de galinha
 E, como tinha inimigos
 Desconfiada é que vinha

 Convidou Mestre Urubu
 Para a festa cozinhar
 Este preparou guisados
 E, quando foram jantar
 O delegado chegou
 Para no baile dançar

 Ao chegar o delegado
 A festa foi acabada
 Pois a madrinha da noiva
 Era com ele intrigada
 O delegado agarrou-a
 Matando-a numa dentada!

 Numa guerra sanguinária
 Tranformou-se, então, a festa
 Tamanduá levantou-se
 Perguntou: — Que zoada é esta?
 Mas, quando viu que era o cão
 Se embrenhou pela floresta

 Na cabeceira da mesa
 Estavam Catita e Rato
 Quando ouviram o barulho
 Quiseram correr pro mato
 Mas, antes disso fazerem
 Foram mortos pelo Gato!

 Morreram nesse barulho
 Mais de dois mil convidados!
 Os que escaparam com vida
 Foram todos debandados
 Desde esse dia ficaram
 Os animais intrigados

Fonte:
Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folk-lore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140.Edição Especial de Aniversário