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sexta-feira, 12 de abril de 2024

Panorama da literatura indígena brasileira (entrevista com Julie Dorrico)

Entrevista realizada em 1 de julho de 2019, por Literatura RS
Texto e edição: Vitor Diel

Literatura indígena brasileira contemporânea, literatura de autoria indígena ou literatura nativa. As distintas designações referendam o mesmo tema: a produção escrita de autores representantes dos povos originários do Brasil. 

Este é o recorte ao qual a doutoranda em Teoria da Literatura no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, Julie Dorrico, se dedica. Descendente do povo Macuxi, de Roraima, a pesquisadora fala com exclusividade ao Literatura RS sobre a rica história da produção literária de autoria indígena, seu (ainda tímido, conforme a entrevistada) reconhecimento pela Academia Brasileira e a situação da produção literária indígena em 2019 — declarado pela UNICEF como o ano internacional das línguas dos povos indígenas.

Fale-nos sobre o panorama atual da literatura de autoria indígena brasileira.

A literatura indígena brasileira contemporânea é um movimento literário que nasce para a sociedade envolvente na década de 1990. Esse movimento caracteriza-se no cenário nacional por sua autoria: a autoria coletiva e a autoria individual. Antes de tudo, convém enfatizar que até a década de 1990, era raríssimo encontrar obras publicadas que carregassem na capa ou na ficha catalográfica o nome de um indivíduo indígena. E mais raro ainda ele ser conhecido no país como autor ou mesmo escritor. Em 1980, já existia esse desejo de autoria pelos indivíduos indígenas; com isso, vemos algumas obras serem publicadas, como “Antes o mundo não existia”, de Firmiano Arantes Lana e Luiz Gomes Lana, do povo Desana. Ainda em 1975, Eliane Potiguara escrevia o poema “Identidade Indígena”.

Todavia, só na década de 1990 que a produção indígena torna-se mais pungente, caracterizando um movimento literário desde os indígenas: primeiro nas aldeias, com a autoria coletiva, a partir da educação escolar indígena, direito assegurado na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210, graças à luta e organização de lideranças indígenas brasileiras. A autoria coletiva é uma produção realizada pelos alunos e professores indígenas que produzem materiais didático-pedagógicos que destinam-se ao ensino da sua comunidade, o ensino da sua língua materna em escrita alfabética e o ensino da língua portuguesa, bem como narrativas e outros saberes.

Segundo, com a autoria individual, com a publicação da obra “Todas as vezes que dissemos adeus”, de Kaká Werá, em 1994, e “Histórias de índio”, de Daniel Munduruku, em 1996, que demarcava o território simbólico das artes no Brasil. Kaká Werá e Daniel Munduruku são os pioneiros e, ouso dizer, idealizadores desse projeto literário que busca diminuir a distância e o desconhecimento da sociedade envolvente para com os povos originários. Hoje, a partir de um levantamento bibliográfico realizado por Daniel Munduruku, Aline Franca e Thúlio Dias Gomes, intitulado Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil, é possível conhecer autores indígenas de diferentes etnias e suas publicações. Nesse trabalho, que está disponível online, é possível encontrar, na categoria da autoria individual, 44 escritores no total, sendo desse total, 11 mulheres. Sabemos que um autor, o René Khitãulu, da etnia Nambikwara, já é falecido, então seriam 43 vivos. Nesse levantamento, podemos conhecer ainda a lista de antologias, teses e dissertações, todas de autores indígenas.

Quantos povos indígenas nós temos no Brasil e quantos idiomas são conhecidos?

Segundo o Instituto Socioambiental, há no país 255 povos indígenas e 150 línguas diferentes. Mas é difícil precisar, em termos quantitativos, porque há grupos que atualmente estão em processo de retomada, isto é, passando a se autodeclarar indígenas, uma vez que tiveram suas identidade negadas e assassinadas, como os grupos existentes no Nordeste. Mais difícil ainda saber quais idiomas são mais conhecidos, porque em cada região há números diversos de povos com suas línguas maternas que na maioria das vezes ficam restritas aos próprios falantes daquela etnia.

Como você avalia a receptividade da Academia Brasileira à literatura indígena?

Considerando sua emergência na década de 1990, a procura maior das editoras na década de 2000, depois da publicação da Lei 11.645 de 2008 que torna obrigatório o ensino das culturas indígenas e afro-brasileiras em todo o currículo escolar, ainda acho tímida a recepção desse segmento. O contraponto está na atuação dos próprios escritores que promovem concursos literários, como o Curumim, que premia professores da educação básica que trabalha com literatura indígena na sala de aula, e o Tamoio, que busca novos escritores indígenas para somar ao movimento. Ambos, Curumim e Tamoio, são realizados desde o ano de 2004 sob direção de Daniel Munduruku, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Você defende que para compreendermos a literatura indígena é fundamental partirmos de uma perspectiva correlacionada com expressões estéticas de natureza oral ou visual. Por quê?

Eu defendo que para compreendermos a literatura indígena temos de reconhecer que a estrutura do pensamento ameríndio é diferente do ocidental. Ou seja, é preciso reconhecer que os povos indígenas se orientam a partir do princípio de homem integrado à natureza, e o sujeito do ocidente segue a lógica binária e dual de homem versus a natureza. O primeiro caso ajuda-nos a perceber por que na expressão literária o sujeito tem uma relação sagrada com a natureza. É nesse espaço da floresta que os seres humanos e não-humanos habitam e conduzem os modos de vida tradicionais desses povos. Assim, obras como “Coisas de índio”, de 1996, de Daniel Munduruku, vai nos mostrar de modo didático como são as vidas nas comunidades; “Nós somos só filhos”, de 2011, de Sulamy Katy, como o próprio título sugere, nos leva a assumir que não somos donos da natureza, mas que somos seus filhos, só filhos. A própria noção de que os povos indígenas são os “verdadeiros donos da floresta” é totalmente equivocada justamente porque eles não têm essa relação de posse com a natureza, mas de filhos dela, portanto, seria mais correto dizer que eles são os “guardiões da floresta”, e isso eles são.

A natureza oral das comunidades tradicionais traduz-se em suas literaturas. Se a literatura brasileira tem por tradição um cânone que inaugura-se nas Cartas do período colonial, passando pelo Barroco, Romantismo, Realismo, Modernismo, Concretismo até as expressões mais contemporâneas, deve-se levar em conta que a tradição da literatura indígena reside na ancestralidade que vive na oralidade. Então, a literatura indígena nasce para a sociedade nacional quando os sujeitos indígenas adquirem a escrita alfabética e a publicação e passam a contar as suas histórias, mas para as sociedades tradicionais, como diz Kaká, a literatura sempre existiu, sendo anterior à escrita e ao impresso. A edição e a publicação significa, dessa forma, uma ferramenta para expressar-se, dialogar sobre pertencimento étnico e sobrevivência.

A Constituição de 1988 assegura a construção de uma política educacional para os povos indígenas com método específico. Como estão essas garantias em 2019?

A educação escolar indígena está presente em muitas aldeias do país. Todas elas funcionando com projetos específicos e diferenciados assegurados na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210. Esse direito assegurado é resultado de lutas de lideranças indígenas, que também receberam o apoio da sociedade envolvente.

Em 2019, vemos um endurecimento do discurso nacional em relação aos povos indígenas. É natural estarmos todos apreensivos, por isso mesmo (é importante) o trabalho de artistas indígenas e intelectuais que trabalham para fortalecer a consciência dos povos indígenas e da sociedade nacional sobre a importância da terra, do direito à vida e às artes em geral, que foram tirados historicamente dos povos originários. Essa luta simbólica passa pela luta política, uma vez que a pauta central das causas indígenas situa-se no direito ao território. Sabemos que todas as políticas só podem ser efetivadas a partir do estabelecimento de um território — quero dizer que educação e saúde só serão possíveis para os povos originários se seus territórios forem respeitados e possibilitados.

Quais obras você recomendaria para apresentar essa literatura para quem ainda a desconhece?

Começo por recomendar alguns autores, como Daniel Munduruku, que possui uma variada produção, desde ensaio, memória, à literatura infanto-juvenil. Muitos autores indígenas escrevem para o público infantil e juvenil, e por isso mesmo às vezes são confundidos e de modo bastante equivocado tratados como quem produz uma literatura inferior. Kaká Werá diz que a estratégia de destinar o livro indígena a esse público está em reconhecer que ele é mais livre de preconceitos que os mais velhos. E eu ainda arrisco dizer que a sociedade brasileira ainda é criança quando se trata de cultura indígena. Não conhece seus povos dentro de seus estados, não sabe falar uma língua indígena, ao passo que o inglês é quase regra. Também indicaria mulheres indígenas: Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Sulamy Katy, de quem falei brevemente, Lia Minapoty e Maria Kerexu, que escreve com Olívio Jekupe. O próprio Olívio Jekupe, Yaguarê Yamã, Cristino Wapichana, que, como Daniel Munduruku, é vencedor do prêmio Jabuti, Ely Macuxi, Tiago Hakiy e muitos outros mais.

Livros recomendados por Julie Dorrico:
– “A mulher que virou Urutau”, de Olívio Jukupe e Maria Derexu.
– “Coisas de índio”, de Daniel Munduruku.
– “Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara.
– “Ipaty, o Curumin da selva”, de Ely Macuxi.
– “Nós somos só filhos”, de Sulamy Haty.
– “O lugar do saber”, de Márcia Wayna Kambeba.
– “O sonho de Borum”, de Edson Krenak. 
– “Puratig, o remo sagrado”, de Yaguaré Yamã.
– “Tardes de Agosto Manhãs de Setembro Noites de Outubro”, de Jaider Esbell.

domingo, 11 de junho de 2023

O mercado editorial sob a ótica dos escritores (Caio Riter em Xeque)


Caio Riter nasceu em Porto Alegre. Escritor, doutor em Literatura Brasileira e pós-doutorando em Escrita Criativa, publicou mais de 60 livros, dentre eles infantis, juvenis, contos e poesias. Recebeu diversos prêmios, incluindo os prêmios Açorianos, 1º Barco a Vapor, Ages – Livro do ano, Orígenes Lessa, Ofélia Fontes, além do Selo Altamente Recomendável da FNLIJ. Teve seus livros inclusos nos Catálogos de Bolonha e White Ravens. Vários de seus livros foram selecionados para programas governamentais, como o PNBE e o Kit Escolar BH. Além de escritor, é professor e ministra oficinas, cursos e palestras sobre criação literária por todo Brasil.

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Publicar um livro é um sonho de muita gente, o que faz com que amantes da leitura e da escrita por vezes caiam em grandes armadilhas. Para discutir este complexo mercado editorial, ainda mais em tempos de livros digitais, iniciamos hoje uma série de entrevistas com escritores de diferentes trajetórias sobre carreira, publicação e o futuro do livro. A primeira entrevista é com Caio Riter, professor, escritor premiado, com diversos livros recomendados pelo PNBE e presidente da Associação Gaúcha de Escritores.
 
Entrevista realizada por Marcelo Spalding

Como e quando surgiu a vontade de ser escritor? Você já iniciou publicando em livros?

Olha, quando puxo pela memória, não encontro um marco da minha decisão de ser escritor. Acho que a vontade foi se instalando aos poucos, veio devagarzinho e acabou se apossando graças ao tanto de livros que foram fazendo parte da minha vida como leitor. Aí, um rascunho aqui, outra ameaça de texto ali, fui começando a acreditar que poderia ser escritor, que poderia ser lido também. Então, fiz oficina literária com o Assis Brasil na PUC. Porém, minha primeira publicação individual, ocorreu apenas em 1994, com o livro infantil, hoje esgotado, "Um Palito Diferente".

Você tem livros publicados por importantes editoras, mas iniciou publicando por conta própria. Quais as principais vantagens de estar vinculado a uma editora tradicional?

Na verdade, meus dois primeiros livros, "Um Palito Diferente" e "A menina que virou bruxa" não foram edições por conta própria. Foram publicados pela Editora Interpretavida, que estava iniciando seu plano de edições. A editora, infelizmente, durou pouco, publicando um catálogo bastante pequeno. Após isso, é que acabei me vinculando ao projeto de edição da WSEditor. Em 2005, parei de editar por conta própria, publicando livros com a Artes e Ofícios e com a Paulinas. Hoje publico por mais de dez editoras. Creio que publicar por uma editora comercial, cujo processo de edição envolve várias pessoas, depende de muitos aceites, acaba por dar ao texto maior credibilidade junto ao público e junto à crítica, embora o meu primeiro livro premiado, "A cor das coisas findas", ter sido publicado, inicialmente, por conta própria. Além disso estando no catálogo de um editora tradicional sempre é maior possibilidade de distribuição, e isso acaba fazendo com que o livro possa cumprir, de forma mais intensa, sua função primeira: ser lido pelo maior número de pessoas possível.

Vamos falar um pouco sobre as editoras tradicionais. Como você chegou à primeira publicação? Foi enviando originais às editoras ou foi pelo Barco a Vapor?

Meu primeiro texto publicado por editora tradicional foi através do envio de um original para a Paulinas (na verdade, enviei três e um foi aceito: "O fusquinha cor-de-rosa"). O segundo produzi por convite da Editora Artes e Ofícios. Porém, após vencer o Barco a Vapor, as coisas começaram a acontecer de forma mais tranquila. Várias editoras do centro do país e algumas do RS me procuraram interessadas em originais. Outras encomendaram textos que se adequassem a seus catálogos.

A partir de que momento você percebeu que sua carreira deslanchou? Foi a partir de algum prêmio importante?

O Prêmio Barco a Vapor foi fundamental em minha carreira. Fui o primeiro brasileiro a ganhá-lo e, quando isso ocorreu, editores do centro do país estranharam que eu já publicasse há dez anos, sem ser conhecido fora do RS.

Nas editoras tradicionais, como se dá o pagamento de cachê para a realização de palestras e oficinas em escolas?

Normalmente, o cachê está ligado ao número de livros vendidos, oscilando. Todavia, normalmente fixo um valor mínimo, a fim de não fragilizar o mercado, visto que entendo que visitar escolas e feiras não seja uma função do escritor. Escritor escreve, as demais atividades para as quais é convidado devem, portanto, ser remuneradas. Para fixar meu cachê, normalmente levo em conta o número de atividades, sua natureza, a distância do local do evento, o público.

Quanto as editoras têm oferecido de direito autoral para o escritor de livro infantil?

Meus contratos, em sua maioria, são de 10% de Direitos Autorais.

Para um autor reconhecido como você, vale mais a pena ser exclusivo de uma editora ou ter livros em diferentes editoras? Por quê?

Não curto exclusividade, embora já tenha recebido convite para tal. Creio que a não-exclusividade torna o autor mais livre para apostar em novos projetos, em novos públicos.

Você percebe alguma diferença importante entre publicar por grandes editoras nacionais ou com editoras regionais? Quais as vantagens e desvantagens das editoras nacionais?

Não há diferenças substanciais, pois as editoras gaúchas com as quais trabalho têm boa distribuição nacional. Hoje, o mais importante para o autor é mesmo a capacidade distributiva que as editoras têm, pois é a garantia de que seus textos estarão circulando e também disputando as compras governamentais em nível municipal, estadual e federal.

O que o autor deve cuidar no contrato da editora?

São tantos os detalhes. Eu sempre procuro garantir os 10% de DA, julgando que, caso algum ilustrador deseje DA, este deva ser negociado por ele com a editora e não comigo. Procuro que o contrato não seja por tempo muito longo, a fim de que, caso haja algum problema com a editora, o texto não fique atrelado por muito tempo a ela. Gosto também de olhar com certo cuidado os artigos que versem sobre tradução.

O que você responde para aqueles tantos que perguntam se dá para virar de literatura? E, acrescento eu, você acha que a publicação de livros impressos contribui com sua carreira profissional de professor?

Olha, se o escritor encarar a escrita como profissão, creio que viver de literatura é possível, sim. Para alguns, é mais fácil; para outros, mais difícil, tudo depende da forma como a carreira será conduzida. Depende dos prêmios ganhos, das vendas para governo que seus livros conquistaram. Quanto à tua segunda pergunta, sou daqueles que amam o livro impresso e que creem que eles terão vida longa. Sua existência é de suma importância para minha atividade como professor, afinal é o livro impresso que promete histórias ou poemas ao ser aberto em sala de aula. Há, ainda, certo encantamento com o abrir das páginas, e isso é fundamental na construção do ser leitor: a magia do abrir as páginas. Pode ser uma visão ingênua para muitos, mas para mim, como disse antes, é acreditar na magia, na sintonia que há entre o olhar que traduz as palavras e a mão que acaricia as páginas, que faz anotações. Adoro ler livros comentados pelos leitores anteriores a mim: eles narram histórias de leitura, caminhos, descobertas, que por vezes iluminam a minha, por vezes, contradizem minhas chaves de compreensão. E isso é rico demais. Sobretudo para quem pretende formar leitores.

domingo, 2 de agosto de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Rubem Fonseca em Xeque)


A imensa arte de um grande escritor que só faz arte

NOTA DO ENTREVISTADOR: A reportagem abaixo, foi realizada em 2018, pouco antes de Rubem Fonseca lançar seu último livro, CARNE CRUA (na Livraria Travessa, na Visconde de Pirajá, em Ipanema), livro onde reuniu 26 crônicas curtas e  inéditas. Infelizmente, o escritor  veio à óbito, episódio que ocorreu em 15 de abril deste ano de 2020. Rubem Fonseca faleceu no Hospital Samaritano, aos 94 anos, após sofrer um infarto fulminante. Quando de nossa entrevista, em sua residência, fez questão de nos presentear com um de seus livros A Coleira do cão, lembrança que guardamos com muito carinho em nossa biblioteca pessoal. Descanse em paz, meu amigo.
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Estou aqui no Rio de Janeiro, ou mais precisamente na rua General Urquiza, no Leblon, tomando um delicioso café no apartamento de um cara que escreveu vários livros, entre eles, Coleira do cão, Feliz Ano Novo, Agosto, O Cobrador,  O Caso Morel, A Grande Arte, Vasta Emoções, O Selvagem da ópera, Diário de um Fescenino, O Doente Molière,  e outros mais. Ao todo, 30 títulos. Falo desse personagem mundialmente conhecido nas nossas letras, não só na esfera  nacional, como, igualmente, na internacional.

Não é outro o nosso entrevistado de hoje, senão o meu amigo JOSÉ RUBEM FONSECA, ou simplesmente RUBEM FONSECA. Mineiro de Juiz de Fora, nas Minas Gerais, onde nasceu aos 11 de maio de 1925. Rubem Fonseca é contista, romancista, ensaísta e roteirista brasileiro. Viúvo de Thea Maud, falecida em 1997 e pai de três filhos, Maria Beatriz, José Alberto e José Henrique Fonseca (este último, cineasta). Não podemos nos esquecer também dos seus cinco netinhos.

Aparecido: Vamos começar pelo final. Que prêmios o senhor ganhou como escritor:
Rubem: Aparecido, foram tantos. Vamos ver se me lembro de  alguns. Ganhei o Jabuti em 1970, 1984, e 1993. Antes o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1979 e 2000. Em 2003 ganhei o Prêmio Camões, depois o Prêmio da Casa de Las Américas, em 2005, o Prêmio da ABL de Ficção, Romance, Teatro e Conto em 2007 e o Machado de Assis em 2015.

Aparecido: Além de exercer as funções que enumerei acima, o senhor teve alguma formação profissional?

Rubem: Sim. Me formei em direito na Faculdade Nacional de Direito, hoje UFRJ.

Aparecido: Chegou a exercer a profissão?

Rubem: Por pouco tempo. Meus colegas de faculdade e depois, no cotidiano do dia a dia viviam dizendo, melhor dizendo, viviam me criticando que como advogado eu era um excelente escritor. (Risos)

Aparecido: O senhor também fez uma rápida incursão pela polícia aqui do Rio de Janeiro. Procede essa informação?

Rubem: Perfeitamente. Em 1952, trabalhei como comissário de polícia prestando serviços no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão.

Aparecido: Não gosto de fazer esse tipo de pergunta. Acho meio piegas, peço, todavia ao senhor que me perdoe. Qual foi seu primeiro livro?

Rubem: Nada a desculpar, Aparecido. Fique a vontade para perguntar o que quiser. Eu é que agradeço por saber que seu público leitor tem interesse em conhecer mais acentuadamente um pouco a meu respeito e a respeito do meu trabalho.  Meu livro de estreia foi um livro de contos, ao qual dei o nome de Os prisioneiros. Saiu em 1963.

Aparecido: Como escritor, o senhor deve ter a sua preferência por este ou por aquele autor.  Estou vendo aqui que a sua biblioteca é  imensa e bastante diversificada. Poderia enumerar alguns autores que já leu?
Rubem: Com toda certeza. Tirando os clássicos, como Jorge Amado,  José Lins do Rego, Machado de Assis,  Érico Veríssimo, eu tive o prazer de ler Nélida Piñon, todos, Ferreira Gullar, todos, Ariano Suassuna, todos, Luiz Fernando Veríssimo, alguns, Lya Luft, alguns, Moacyr Scliar, todos, Mailson Furtado e Carol Bensimon. Infelizmente a literatura brasileira não é vista com bons olhos. Não é bem difundida. Temos uma gama muito grande de escritores ótimos e gabaritados, mas o brasileiro por natureza tacanha, não gosta de ler. Ele não foi educado para isso. Em paralelo, as grandes editoras não prestigiam os escritores como deveriam, notadamente os que estão chegando agora. Apenas uma meia dúzia sobrevive de direitos autorais.

Aparecido: O senhor falou que as grandes editoras não prestigiam os escritores, notadamente os que estão chegando agora. A que o senhor atribui esse descaso?

Rubem: As grandes empresas editoriais que estão no mercado dão mais valor aos “empacotados”, e seus forasteiros, quando deveriam  se debruçar aos talentos que surgem a cada dia e que, por carência de um olhar mais acentuado, acabam se perdendo no obscuro do anonimato.

Aparecido: O que seria para o senhor os “empacotados”?

Rubem: (Risos) “Empacotados”, Aparecido, são todos os autores estrangeiros, ou seja, os não nascidos no Brasil, mas que vivem aqui, no meio de nós. Perceba. Faço referência aquelas figuras que surgiram do nada, talvez nem saibam para que lado fica o Brasil e, apesar disso, infestam as estantes de nossas livrarias  como  se fossem piolhos em cabecinhas de crianças. A exemplo eu traria à baila Ben Sherwood, Andressa Urach, Jojo Moyes, Nicholas Sparks, E. L. James, Zoé Valdés,  S. J. Watson, Stephenie Meyer, L. J. Smith, etc., etc. Com isso, autores emergentes deixam de prosperar e ter seu destaque à luz do sol.

Aparecido: Alguns críticos consideram seus escritos pornográficos. O senhor é um escritor que descamba para esse lado considerado para muitos, ou por muitos  como se fosse um autor obsceno?

Rubem: Sou literalmente devasso, sem ser expressamente deplorável.

Aparecido: Me fale um pouco de seu romance Bufo Spallanzani. Faço referência a ele, por três motivos distintos. a) Foi o livro que mais edições ganhou desde que o senhor o publicou; b) acabou virando um longa metragem e  c) porque a mim, me pareceu retratar, ainda que indiretamente, um pouco da sua vida. O personagem central é um escritor, vive da literatura,  contudo, de repente...

Rubem: Esse romance é um conto repleto de citações de e sobre outros autores e livros, além de muitas digressões sobre a arte de escrever narrativas. O personagem central, Ivan Canabrava narra acontecimentos de sua vida em flashback, ora aos leitores, ora a Minolta, sua namoradinha adolescente, amiga, amante e confidente. Várias histórias se entrelaçam, se misturam, se abraçam e se completam. Dividi a trama em cinco longas partes: 1) Foutre ton encrier, 2) Meu passado negro, 3) O relógio do Pico do Gavião, 4) A prostituta das provas e 5) A maldição. Na verdade, Aparecido são episódios da vida do narrador. Depois de se ocultar em uma casa, com uma menina adolescente, durante dez anos, o personagem Ivan descobre o amor e a literatura e se torna um escritor famoso. Durante esse tempo ele assumiu uma  nova identidade e, até mesmo fisicamente, se  tornou um homem diferente. Seu grande êxito, como autor consagrado, permite que leve uma  vida confortável. E a certeza de que não serão descobertas as suas imposturas e  os seus terríveis mistérios. Enfim tudo isso lhe dá a necessária tranquilidade para escrever seus livros. Até o dia em que a milionária Delfina Delamare aparece morta em seu carro. No porta–luvas do automóvel da mulher assassinada, um policial curioso encontra um livro de Gustavo com a dedicatória: “Para Delfina, que sabe que a poesia é uma ciência tão exata  quanto a geometria”. Para surpresa e horror de  Gustavo, esse policial começa a suspeitar dele.  O marido da morta, supondo que o escritor fosse amante dela, lhe faz uma série de ameaças. É isso. Se eu falar mais, estaria tirando a virgindade contida no romance sem me desfazer da calcinha que o reveste.  (Risos).

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Texto de Rubem Fonseca do livro “Histórias Curtas”

A LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL.

Decidi que iria lutar contra essa falsa noção de que existem raças superiores. Os defensores dessa ideia acreditam que ela é uma teoria científica comprovada. Essa crença tem sido usada para toda sorte de barbaridades, escravidão, exclusão, carnificinas. Mas o que eu podia fazer? Pensei em comprar uma metralhadora para matar racista, mas não sabia onde comprar uma metralhadora. Pensei em uma porção de coisas tolas e insensatas, mas afinal tive uma boa ideia: pichar as paredes da cidade com a frase ABAIXO O RACISMO.

Fonte:
Texto enviado pelo jornalista Aparecido Raimundo de Souza (Vila Velha/ES)

domingo, 12 de julho de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Luis Fernando Veríssimo em Xeque)


(Nota do Blog: Entrevista realizada em Porto Alegre/RS, na casa de Veríssimo, onde o escritor fala de seus livros e de sua vida pessoal.)
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CONHECI LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO em 1981, em Porto Alegre, na Feira do Livro. Trocamos figurinhas. Ele lançava “O Analista de Bagé” e eu lhe dei de presente o meu “Quem se abilita?” Fizemos uma boa amizade, e acabei indo parar em sua casa, onde me concedeu uma pequena e breve entrevista. Eu primaverava na casa dos vinte e oito,  enquanto ele, velho na estrada, sorria fazendo enorme sucesso com suas crônicas humorísticas.

Diante de um famoso, não tinha muito a perguntar. A empresa que eu trabalhava em São Paulo, não me deu um roteiro para ser seguido, tipo pergunte isto, pergunte aquilo, não pergunte isto, tampouco aquilo outro. “Vá para Porto Alegre e se vire”.  Fui. Resolvi, então, por conta própria, seguir meu instinto de jornalista.

A Entrevista

ARS: Luiz Fernando Veríssimo, me  fale do livro que acabou de lançar aqui na Feira de Porto Alegre, “O Analista de Bagé”. Pelo que fiquei sabendo a edição se esgotou num abrir e piscar de olhos? A que o senhor atribui esse sucesso?

LFV: Acredito que pelo fato de ser um livro novo, falando de uma cidade aqui do Rio Grande do Sul. Bagé. Eu considero “O Analista de Bagé” um dos personagens mais marcantes da minha carreira de cronista.  Inicialmente os textos que deram nome ao livro, foram publicados em O Popular. O que fiz foi reunir todas as crônicas já conhecidas do grande público e enfaixa-las em um livro. A seleção saiu pela L&PM Editores, de São Paulo. Juntei tudo o que havia escrito sobre o personagem e deu no que deu. Não esperava fosse dar todo esse frisson. Penso que fui duplamente recompensado. Primeiro, porque não precisei fugir do linguajar da terra. Usei muito as expressões regionais do povo gaúcho, e segundo, consegui dar vida ao personagem que considero mais atrapalhado do que cachorro em procissão.  Atribuo o sucesso ao fato de escrever todos os dias para o Zero Hora. O Zero Hora é um jornal diário que roda todo o Estado e isso me fez ficar um pouco mais conhecido. 

ARS: O fato do senhor ser filho do escritor Érico Veríssimo ajudou?

LFV: Não. Papai tinha um estilo clássico. Seus romances eram excepcionais, bem construídos, personagens estudados. Eu sou mais brincalhão, guindei minha linha criativa voltada para o humorismo. E tenho me dado bem.

ARS: Qual foi seu livro de estreia como escritor?

LFV: “A Grande Mulher Nua”.

ARS: Me fale sobre as “Comédias da vida privada”.

LFV: Em “Comédias da vida privada” eu procurei me movimentar com mais destreza usando uma logística nova. O território onde movimento os personagens é imenso, ao mesmo tempo que opaco, denso e impreciso da classe média. Seus heróis anônimos, os grandes e pequenos gestos, a complicada engenharia familiar, o cotidiano das grandes cidades, ambientes onde transitam a esmagadora  maioria dos habitantes deste país. Eu diria que me transportei para um universo ao mesmo tempo rico e banal. Foi nele  que  me inspirei para dar vida aos personagens criados desde que comecei a escrever. São trinta e poucas crônicas, a maioria já publicadas no Zero Hora e no Jornal do Brasil. 

ARS: É verdade que o senhor viveu parte da sua infância fora do Brasil?

LFV: Sim, é verdade. Papai lecionou literatura brasileira nas Universidades de Berkeley e Oakland, entre 1941 e 1945. Em 1953 voltamos aos Estados Unidos, quando meu pai assumiu a direção do Departamento Cultural da União Pan-Americana, em  Washington, e só retornarmos ao Brasil em 1956. Nessa época, eu estudei no Roosevelt High School, também em Washington. Desenvolvi nesse entremeado de tempo, o gosto pelo Jazz, chegando a ter aulas de saxofone.  

ARS: Quer dizer que além de escritor é também músico?

LFV: Não exatamente. Cheguei a integrar um conjunto musical Renato e Seu Sexteto. Mas só de brincadeira, para passar o tempo e ganhar uns trocadinhos.

ARS: Vamos sair um pouco da sua vida literária e partir para a  pessoal. Me fale de sua família. 

LFV: Em 1962 eu saí daqui de Porto Alegre e fui morar no Rio de Janeiro. Trabalhei como tradutor e redator publicitário. Em 1963, encontrei o amor da minha vida. Me casei dois anos depois com a Lucia Helena Massa e tivemos três filhos: Pedro Veríssimo, Fernanda Veríssimo e Mariana Veríssimo. Pedro é cantor, Fernanda, jornalista e  Mariana, roteirista.

ARS: O senhor se sente realizado?

LFV: Acho que se sentir realizado é exatamente não se sentir realizado.

ARS: Seu maior sonho hoje.

LFV: Curtir futuramente meus netos. 
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Essa foi a minha breve entrevista com o escritor Luiz Fernando Veríssimo, esse gaúcho amável e simpático nascido em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936. Autor de vasta obra, poderíamos citar: As Cobras e Outros Bichos,  O Jardim do Diabo, Sexo na Cabeça, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, A Mesa Voadora, Orgias, O Suicida e  o Computador, As Mentiras que os Homens Contam, e outros mais.
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Aparecido Raimundo de Souza, é natural de Andirá/PR, radicado em Vila Velha/ES, jornalista e escritor. Autor de "Ligações Perigosas", série veiculada pela Rede Globo de Televisão.
 
Fonte:
Entrevista enviada por Aparecido R. de Souza.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Talita Batista (A Poetisa em Xeque)

Entrevista realizada por Paulo R. O. Caruso, do site Reino dos Concursos com a poetisa/trovadora Talita Batista

Caruso: De onde você é? Quando você começou a se aventurar na literatura? Sofreu influência direta de parentes mais velhos, amigos, professores? O que aprendeu na escola o instigou a criar textos?
Talita: Sou de Campos dos Goytacazes/RJ. Sempre fui uma apreciadora da poesia, especialmente aquelas que têm rimas. Meu pai era um poeta e fui criada ouvindo poesias desse tipo, acredito que isso muito me incentivou.

Caruso: Você já leu muitas obras e lê frequentemente? Que gêneros (poesia, contos, crônicas, romance) e autores prefere?
Talita: Sim. Sempre gostei de ler, especialmente assuntos nos quais eu estou trabalhando. Atualmente, há nove anos, mais precisamente, meu interesse focou para o lado da poesia, especialmente do gênero poético da TROVA. Apesar desse meu “namoro literário” ter esse tempo citado, tem apenas 3 anos e 2 meses que tive coragem de fazer minha primeira trova.

Caruso: Costuma fazer um glossário com as palavras que encontra por aí (em livros, na internet, na televisão etc.) e ir ao dicionário pesquisá-las?
Talita: Sim. Faço isso sempre! Uso muito e gosto de usar o dicionário e vou escrevendo, a lápis, no próprio texto que leio o que encontro no dicionário.
Caruso: Há escritores de hoje na internet (não consagrados pelo povo) que admira? Em sites, Academias de que de repente você participa etc.
Talita: Sou acostumada a ler no papel, grifando e fazendo, a lápis, meus apontamentos. Com relação a Academias, apesar de, assistematicamente, eu frequentar este espaço, nunca aceitei ou me interessei a participar porque nunca tive tempo, devido a compromissos profissionais. Agora que estou numa fase mais tranquila em relação ao trabalho, acredito que a gente não pode fazer muitas coisas, ocupando vários espaços ao mesmo tempo. Também não gosto de ter tantos compromissos em várias instituições e sou muito responsável para saber que não dou conta e, mesmo assim, entrar em muitos lugares. Explico que sou uma pessoa muito simples, que não dou valor a cargos, nem a titulações próprias. Se eu entrasse em alguma instituição seria apenas com o intuito de ser útil à cultura do lugar em que vivo, tentar preservar a tradição cultural do nosso povo. O ego inflamado de muitas pessoas não me deixa muito à vontade, em certos lugares. Daí que nunca me interessei em participar mais diretamente de Academia alguma, apesar de respeitar e reconhecer a beleza dessas instituições.

Caruso: Você costuma participar de antologias? Acha-as algo interessante?
Talita: De algumas poucas já participei.

Caruso: Participaria de uma se eu a lançasse?
Talita: Participaria, sim, com prazer, desde que fosse dado tempo suficiente para eu me organizar.

Caruso: Você é membro de Academias de Letras? Aceitaria indicações para ingressar em Academias de Letras como membro?
Talita: Já respondi que, no momento, não. Associei-me à U.B.T. – União Brasileira de Trovadores e o meu interesse e foco no estudo da Trova – sua evolução histórica e as instituições a ela dedicadas não me dão tempo para distribuir o meu tempo a muitas outras atividades.

Caruso: Tem ideia de quantos textos literários já escreveu? Há quanto tempo escreve ininterruptamente?
Talita: Textos de literatura mesmo, há cerca de três anos. Mas sempre escrevi assuntos ligados aos saberes ligados à Educação, campo em que lecionava.

Caruso: Você tem dificuldade de escrever em prosa, em verso?
Talita: Tenho me dedicado, ultimamente à escrita em trova, ou poesia setessilábica. Mas não sinto dificuldade de escrever em prosa, onde sempre me expressei.

Caruso: Você possui algum lugar onde publica textos virtualmente? Qual?
Talita: Sempre procuro divulgar boas trovas, de autores de todo o Brasil – nas redes sociais em geral. Eventualmente, publico umas trovas de minha autoria também. Mas sem o objetivo de autopromoção. Apenas com a intenção de mostrar que o movimento trovadoresco pode atingir várias camadas da população e que é um aprendizado útil ao ser humano sensível e que gosta de poesia, independente da escolaridade ou idade da pessoa que se interessa. Basta apreciar a trova e querer, de fato, aprender.
Caruso: Que temas prefere escrever? Prefere ficção ou o que vivencia e vê no dia a dia?
Talita: Prefiro as questões existenciais, mais próximas do nosso cotidiano, seja texto filosófico (que eu muito admiro), lírico ou humorístico (que eu gosto muito, mas considero de muito difícil inspiração, apesar de eu gostar muito de rir).

Caruso: Aprecia outros tipos de arte usualmente? Frequenta museus, teatros, apresentações musicais, salões de pintura? Está envolvido com outro tipo de arte (é pintor, músico, escultor?)
Talita: Não sou artista, mas sou uma apreciadora da arte. Gosto muito de música, de teatro, cinema. Mas, admiro também a pintura.

Caruso: Que retorno você espera da literatura para si mesmo no Brasil? E a nível de mundo?
Talita: De minha parte, tenho uma pretensão muito modesta, não vivo em busca de reconhecimento algum, nem conto com isso porque nem sei se tenho esse talento poético. Mas desejo, como professora que sou, socializar o que aprendo, contribuir, no que estiver ao meu alcance, para melhorar o nível do padrão cultural da nossa população, seja a nível municipal, estadual ou nacional. Torço muito para que o nosso povo desenvolva e alcance um bom nível cultural.

Caruso: Você acha que o brasileiro médio costuma ler? Acha que ele gosta de literatura tradicional ou só de notícias rápidas e sem profundidade?
Talita: Infelizmente, cada vez menos as pessoas leem. Os celulares e internets facilitam de tal forma que só sabem copiar e colar. Até tirar fotos do que precisam escrever, nas próprias universidades. Leem muito pouco e escrevem muito menos ainda!

Caruso: Você costuma registrar seus textos na FBN antes de publicá-los? Sabe da importância disso?
Talita: Não faço isso e até desconheço esse processo. Se puder explicar e divulgar, tenho interesse em aprender para avaliar a possibilidade.

Caruso: Já tem livros-solo publicados? Consegue vendê-los com certa facilidade?
Talita: Em relação à área de Literatura, tenho três livros-solo organizados, mas nenhum ainda publicado.

Caruso: Já conhecia o poeta-escritor Oliveira Caruso (desculpe-me... Esta pergunta é padrão para quem participa de meus concursos literários)?
Talita: Sim, conheci-o inicialmente, pelos grupos de Whatsapp, há cerca de uns dois anos, aproximadamente. Depois nos comunicamos por e-mail e já participei como jurada de alguns concursos de poesias livres, promovidos por ele. Mas, sinceramente, o meu interesse é mais em TROVA. Sempre arrumo tempo para me envolver nas coisas ligadas à trova, ainda que, de fato, o tempo seja curto!

Caruso: Você trabalha com literatura inclusive para aumentar sua renda ou a leva como um delicioso hobby?
Talita: Apenas por hobby, mas sou bastante dedicada e curto muito esse ambiente literário.

Caruso: Você trabalha(ou) fora da literatura?
Talita: Trabalhei, por longos 50 anos como professora da rede estadual – em todos os níveis de Ensino, assim como no Ensino Superior, com Formação de Professores, Sociologia e Ciência Política. Atualmente ainda encontro-me ligada à Universidade Candido Mendes, como coordenadora de cursos de Pós-Graduação.

Fonte:
Paulo R. O. Caruso in https://reinodosconcursos.com.br/entrevista-com-talita-batista

domingo, 11 de dezembro de 2016

Augusto dos Anjos (1884 - 1914)

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no engenho "Pau d'Arco", na Paraíba, a 20 de abril de 1884, filho do Dr. Alexandre Rodrigues dos Anjos e D. Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos. Seus estudos foram ministrados pelo pai, no Engenho, deslocando-se à capital, apenas para prestar os exames no Lyceu.
         Em 1900 compõe o seu primeiro soneto, “Saudade” e em 1901 publica um soneto no jornal O Comércio, no qual passará a colaborar.
Bacharelou-se em Direito na Faculdade do Recife, em 1907, quando retornou à Paraíba. Não querendo seguir a carreira jurídica, dedicou-se ao magistério lecionando Literatura Brasileira no Lyceu Paraibano e orientando alunos para os cursos preparatórios e, consequente ingresso em escolas superiores.
         Em 1909, no A União publica “Budismo moderno” e numerosos poemas. Profere, no Teatro Santa Rosa, um discurso nas comemorações do 13 de maio, chocando a platéia por seu léxico incompreensível e bizarro.
         Em 1910 casa-se com a professora Ester Fialho, nascendo dessa união, os filhos Glória e Guilherme. No final desse mesmo ano, viajou com a esposa ao Rio de Janeiro pretendendo editar o seu livro de poemas. Exerceu durante algum tempo o magistério. Do Rio, transferiu-se para Leopoldina, por ter sido nomeado para o cargo de diretor de um grupo escolar.
         Em 1911 é nomeado professor de Geografia, Corografia e Cosmografia no Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II).
         Em 1912, com a ajuda do irmão Odilon dos Anjos conseguiu publicar o EU, seu único livro, obra que viria a imortalizá-lo apesar de não ter obtido boa acolhida pela crítica carioca por não se enquadrar nos padrões convencionais da época.
         Augusto dos Anjos foi um poeta singular. Colaborava, todos os anos, na edição do jornal NONEVAR, que circulava na Festa das Neves, padroeira da cidade de João Pessoa. Também compunha versos carnavalescos, sob o pseudônimo de Chico das Couves, fazia anúncios comerciais, perfilava, com humorismo, rapazes e jovens senhorinhas da sociedade.
         Faleceu no dia 12 de novembro de 1914, em Leopoldina/MG, causada por uma pneumonia e não por tuberculose como afirmam alguns dos seus biógrafos; seu corpo foi sepultado no cemitério de Leopoldina. D. Ester, a viúva, atendendo ao pedido que o poeta fizera antes de morrer, voltou à Paraíba, juntamente com os filhos, mas infelizmente, não conseguiu o emprego de professora que precisava para garantir a sobrevivência da família; retornou à cidade de Leopoldina onde obteve o apoio e as condições para o sustento e a educação dos filhos.
         No ano 2001, foi eleito, em votação popular, o Paraibano do Século.
         O seu livro foi depois enriquecido com outras poesias esparsas do autor e tem sido publicado em diversas edições, com o título Eu e Outros Poemas. São versos que transportam a dor humana ao reino dos fenômenos sobrenaturais. Suas composições são testemunhos de uma primorosa originalidade.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Ialmar Pio Schneider (1942)

Entrevista realizada virtualmente por José Feldman (PR) com o poeta e trovador Ialmar Pio Schneider (RS), para o blog Pavilhão Literário Singrando Horizontes.
JF: Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou, sua trajetória literária.

Nasci no município de Sertão/RS em 26-08-1942. Filho de Henrique Schneider Filho e dona Amábile Tressino  Schneider, ambos falecidos.

Cursei o primário em minha terra natal na Escola Pio XII das Irmãs Franciscanas onde diplomei-me inclusive em datilografia com 13 anos de idade. Ingressei no Ginásio Cristo Rei dos Irmãos Maristas em Getúlio Vargas/RS que conclui após 4 anos, em 1959, período em que iniciei a compor poesias. Daí transferi-me para Passo Fundo/RS onde ingressei no Colégio N. Sra. da Conceição dos Irmãos Maristas cursando então simultaneamente o Curso Científico e a Escola Técnica de Contabilidade por um ano e meio, continuando a escrever poesias inclusive gauchescas, algumas das quais foram publicadas no Jornal do Dia, de Porto Alegre, até que um concurso público para o Banco do Brasil S.A. me levou a Cruz Alta/RS, onde assumi em 1961, poucos dias antes de completar 19 anos de idade.

Posteriormente integrei o corpo de funcionários da agência de Soledade/RS, que estava em Instalação, o que ocorreu em 1962. Completei o curso em Técnico de Contabilidade em 1962, permanecendo por 5 anos na cidade, onde exerci o cargo de Fiscal da Carteira Agrícola do Banco até ser transferido para a Metr. Tiradentes do Rio onde não cheguei a tomar posse, tendo feito uma permuta tríplice com outros dois colegas, vindo a assumir em Canoas/RS, em 1967, para logo após um ano se transferir para São Leopoldo/RS em nova permuta com outro colega, onde tencionava tirar o Curso de Direito da Unissinos, o que não se concretizou.

Casei-me em 1968 com Helena Dias Hilário, de Soledade/RS e transferi-me para a Agência Centro do Banco do Brasil S.A de Porto Alegre, em 1969. Residindo em Canoas, nasceu minha filha Ana Cristina Hilário Schneider. Permaneceu por 3 ou 4 anos compondo poesias diversas inclusive a maior parte de seus poemas gauchescos ainda inéditos bem como muitos sonetos então com 30 anos de idade. Resolvi novamente transferir-me de cidade a fim de ficar mais próximo dos meus parentes e os de minha esposa e pleiteei uma permuta, que consegui para a cidade de Passo Fundo, tendo lá permanecido por cerca de 3 anos, ocasião na qual requeri e fui transferido para a agência do Banco em Palmas/ PR, onde residiam minha mãe e irmãos, de cuja remoção desisti pelo motivo de minha esposa ser professora estadual e não ter conseguido aproveitamento naquela cidade. Com dificuldade em adquirir casa de moradia retornei a Canoas voltando a residir e a trabalhar no Banco até que em uma concorrência nacional para fiscal da Carteira Agrícola do Banco fui nomeado para a cidade de Antônio Prado/RS, onde permaneci por 2 anos e meio aproximadamente.

Em 1980, regressei a Canoas onde adquiri um apartamento em que resido até hoje, na rua que leva o nome do grande pintor Pedro Weingartner tendo feito vestibular para a Faculdade de Direito do Instituto Ritter dos Reis, classificado em segundo lugar de que também participou o ilustre jogador de futebol do Internacional Paulo Roberto Falcão, que logo depois transferiu-se para a Itália.

Trabalhando no Banco do Brasil- agência de Canoas e estudando, só consegui formar-me em Direito nas Faculdades Integradas do Instituto Ritter dos Reis em 1990, após 10 anos de curso superior. Enfim, antes tarde do que nunca.

Transferi-me para o CESEC do Banco do Brasil Sete de Setembro em Porto Alegre, onde trabalhei até 1991, tendo completado 30 anos e alguns dias de serviço no Banco quando me aposentei por tempo de serviço.

Por enquanto, resido na cidade de Porto Alegre/RS, no Bairro Tristeza, com uma vista maravilhosa para o Rio Guaíba, em uma janela do qual até um joão-de-barro já fez um ninho há uns dois anos. Como diz o inigualável poeta gauchesco saudoso Jayme Caetano Braun: “Eu até fiquei contente/ Dizem que dás muita sorte !”em seu poema “João Barreiro”.

Atualmente minha filha é casada, ambos advogados, com escritório.

Durante os meses de verão, dezembro até fevereiro, permaneço em Capão da Canoa/ RS, cidade praiana, onde produzo diversas poesias: poemas, sonetos e trovas. Nos últimos dois anos desloquei-me com a família por uns dez dias em final de temporada para a praia de Canavieiras, precisamente Cachoeira do Bom Jesus, em Florianópolis/SC.

Eis em rápidas pinceladas a sucinta biografia rotineira de um poeta menor.

JF: Ialmar, se é poeta menor, então eu nem existo, precisaria um ultra microscópio para me encontrar (risos). Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Total estímulo e incentivo inclusive éramos 6 filhos, 4 irmãos e 2 irmãs e nossos pais só tinham como meta o nosso estudo.

JF: Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever.

Muitos livros de poesias: Fagundes Varela, Casemiro de Abreu, romances de Paulo Setúbal, os grandes romances do Cristianismo, trovas de Adelmar Tavares e diversos outros. Mas o romancista que mais me agradou foi Lima Barreto, antes Dostoiewsky, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Cronin, uma infinidade de autores, enfim. Desculpe se não cito todos, nem um por cento talvez.

JF: Teve a influência de alguém para começar a escrever?

Foi naturalmente através das leituras escolares.

JF: Tem Home Page própria (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus)?

Tenho diversos blogs que podem ser encontrados procurando por IALMAR PIO SCHNEIDER no Google, como http://ialmar.pio.schneider.zip.net/; http://ialmarpioschneider.blogspot.com http://ial123.blog.terra.com.br

JF: Você encontra muitas dificuldades em viver de literatura em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

Nunca pensei nisto. No Brasil acho que só meia dúzia o consegue.

JF: Como começou a tomar gosto pela escrita?

Para conhecer e aprender, pois acho que todo o livro é de auto-ajuda.

JF: Você possui livros?

Fiz a estréia editorial na obra TROVADORES DO RIO GRANDE DO SUL, org. por Nelson Fachinelli, em 1982. Publiquei a obra poética SONETOS E CÂNTICOS DISPERSOS, em 1987. Figuro em outras coletâneas. A última obra, POESIAS ESPARSAS DIVERSAS, de 2000.

JF: Como definiria seu estilo literário?

Eclético para poesia e crônicas também.

JF: Que acha de seus textos: O que representam para si? E para os leitores?

Acho que são a expressão do meu pensamento. A maioria dos leitores dizem gostar.

JF: Qual a sua opinião a respeito da Internet? Tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Tem contribuído muito e eu considero o mais valioso meio de publicação atual, ainda mais para quem não tem a grande mídia ao seu dispor.

JF: Tem prêmios literários?
Alguns.

JF: Participa de Concursos Literários? Qual sua visão sobre eles? Acha que eles tem “marmelada”?
Participo às vezes. Tenho visto trovas sem nenhum fundamento serem premiadas.

JF: Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente precisa de algum ambiente especial ?
Surge de repente, não sei de onde nem quando.

JF: Você acredita que para ser poeta ou trovador basta somente exercitar a escrita ou vocação é essencial?

Tudo é essencial, principalmente muita leitura.

JF: No processo de formação do escritor é preciso que ele leia livros de baixa qualidade?

É preciso distinguir.

JF: Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós chega apenas o que a mídia divulga. Na sua opinião que livro ou livros da literatura da língua portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Os clássicos: Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha, Rui Barbosa. Paulo Setúbal, Érico Veríssimo, Dyonélio Machado, Lya Luft e outros. Os bons escritores. A lista é infindável. Poesias de Vinicius de Moraes, Guilherme de Almeida e os clássicos também Castro Alves, Fagundes Varela, Alvares de Azevedo, Olavo Bilac, tantos e tantos.

JF: Qual o papel do escritor na sociedade?

Ensinar e divertir também.

JF: Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Há sim. Aqui no sul principalmente a poesia gauchesca, os sonetos românticos. Basta declamar uma poesia atraente todos gostam.

JF: A pessoa por trás do escritor

Um bancário aposentado, um advogado não militante e um diletante em literatura.

JF: O que o choca hoje em dia?

A violência e a falta de saúde pública.

JF: O que lê hoje?

Romances e poesias. Estou curtindo um ócio criativo. Nada de muito profundo.

JF: Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Continuar escrevendo nos blogs e talvez preparar um livro de poemas e poesias gauchescas.

JF: De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Vai andando aos trancos e barrancos, mas com o andar da carroça as abóboras se ajeitam na caixa.

JF: Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever ?

Ler bastante e escrever mesmo errando.

JF: O que é preciso para ser um bom poeta ou/e trovador?

Muita leitura e perspicácia.

JF: Trovas de sua autoria.

Cada paixão que me invade
surge do amor que não tive;
e representa a saudade
de quem neste mundo vive.

Eu não sou navegador,
mas enfrento o mar da vida,
por causa do nosso amor
que não teve despedida.

Foste a morena brejeira
que surgiu em meu amor
como o botão da roseira
que agora não dá mais flor.

Não foram horas perdidas
as que passei junto a ti;
são lembranças bem vividas
que nunca mais esqueci...

Perambulando sozinho
pelas ruas da cidade,
procuro achar o caminho
que leva à felicidade.

JF: Finalmente, se Deus parasse na tua frente e lhe concedesse três desejos quais seriam?

Boa saúde, meios para continuar vivendo e a felicidade da Humanidade inteira.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

André Carneiro (O Peregrino das Dimensões Simbólicas em Xeque)



O escritor Luiz Bras entrevista o romancista e poeta André Carneiro, um dos precursores da da literatura de ficção científica no Brasil e que, há mais de uma década, está radicado em Curitiba 


 Os recém-nascidos são na verdade viajantes interdimensionais. É o que afirmam certas doutrinas místicas. Se verdadeiras ou falsas, não importa. Na obra multidimensional de André Carneiro elas fazem bastante sentido. André desembarcou neste planeta há noventa anos. Mais precisamente em 9 de maio de 1922. Veio em missão de paz. Desembarcou em Atibaia, no interior paulista, morou muitos anos em São Paulo e vive em Curitiba desde 1999.

 Como ocorre com todos os artistas e escritores deste mundo, o que mais fascinou o jovem visitante de outra dimensão, logo que aqui chegou, foi o drama humano. Para melhor entender esse drama, André rapidamente começou a escrever, fotografar, pintar e filmar, virando do avesso todas as pessoas que encontrava pela frente. A matéria-prima de sua arte e de sua literatura é o ser humano em estado sólido, líquido, gasoso e simbólico.

 “André Carneiro, antes de tudo, é um poeta”, escreveu o jornalista Dorva Rezende no prefácio da coletânea Confissões do inexplicável, de 2007. A substância poética, sempre radioativa, contamina todo o trabalho criativo de André, em prosa, verso ou imagem. Ângulo e face (1949), seu livro de estreia, é uma reunião de poemas sinuosos e comoventes, numa palavra: transfiguradores. Em seguida vieram Diário da nave perdida (1963), de contos, e Espaçopleno (1963), novamente de poemas, elogiado por Sérgio Milliet e Wilson Martins, entre outros.

 Os últimos cem anos foram tão fabulosos, que às vezes é difícil acreditar que realmente existiram. No começo do século XX não havia o plástico, a televisão, o avião, o antibiótico… No final do século, duas dúzias de pessoas já haviam visitado a lua. Por um lado, a arte e a literatura de André Carneiro examinam o presente e o futuro, mas, por outro, são uma tentativa de provar que os últimos cem anos não foram um sonho louco. Eles realmente existiram. Se não existiram, precisam ser inventados, e André já inventou uma boa parte.

 Nem mesmo a acentuada dificuldade de visão impede André de ler e escrever cada vez melhor, provando que a visão interior, mental, é muito mais potente do que a meramente orgânica.

Ao longo de sua vida criativa, você se expressou por meio da poesia, da prosa, da fotografia, da pintura, da colagem e do cinema. Sabendo que as artes visuais e a literatura estimulam nossa sensibilidade de modos diferentes, você procurou criar conexões entre elas? Ou preferiu trabalhar com as particularidades de cada meio de expressão?

 A sensibilidade e a visão crítica do entrevistador podem mostrar um retrato representativo do entrevistado. Quando criei as obras de arte e de literatura aqui citadas, sempre vivi a emoção por elas provocada. No momento da criação, não havia relação com quaisquer de minhas outras realizações. Entretanto, escrevendo tantos roteiros de cinema, senti a parecença de processos entre a descrição das imagens de cinema e as dos contos. Um bom crítico ajuda o autor a desvendar os processos da sua criação. Admito que sua proposição é correta, todas as minhas atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas.

Sabemos que o vínculo afetivo entre o criador e sua obra é algo capaz de resistir a qualquer tentativa de autoanálise fria e objetiva. Mas, se você fosse convidado a fazer um balanço, o mais imparcial possível, de sua longa produção criativa, quais obras você salvaria e quais descartaria?

 Terrível pergunta que nunca me fizeram. Cheguei a sentir-me com duas asas e dois olhos de coruja, pensando: todos os meus filhos são tão bonitos... De toda a minha obra publicada, não sou capaz de separar uma que eu rejeite. Mesmo os contos antigos, publicados no meu jornal literário Tentativa, leio hoje com surpresa e nenhuma resistência crítica. Confio essa tarefa aos críticos.

 Você sobreviveu a duas ditaduras: a de Getúlio Vargas, na época do jornal Tentativa, e a dos militares que derrubaram o governo de João Goulart. Então, em 1985, a opressão e a censura foram substituídas pela liberdade e pela corrupção: Fernando Collor de Mello, escândalo dos anões do orçamento, escândalo do mensalão, caso Renan Calheiros, escândalo dos Correios etc. A espécie humana ainda tem jeito ou é um caso perdido?

 Todas as vezes que a espécie humana me causou grandes decepções, sempre me consolei com a máquina do tempo: se olharmos a História em uma visão panorâmica, é inevitável descobrirmos que agora, com todas as imperfeições do mundo contemporâneo, podemos encontrar nítidas melhoras. A horrorosa escravidão explícita de um ser humano, imposta por outro, está eliminada oficialmente. As leis trabalhistas em todo o mundo têm sido paulatinamente melhoradas. Eu ainda acredito no ser humano. Acredito até que a ciência chegará ao ponto de uma mutação que nos garanta um DNA mais favorecido.

No final do ano passado, numa votação informal promovida pelo blogue Cobra Norato, seu conto “A escuridão”, de 1963, foi eleito o melhor conto brasileiro de ficção científica. Na opinião dos leitores que conhecem bem a literatura brasileira, “A escuridão” merecia figurar em qualquer antologia do tipo Os cem melhores contos brasileiros do século 20, organizada por Ítalo Moriconi. Em sua opinião, o que está faltando para que nosso establishment perca o notório preconceito contra a ficção científica?

 Agradeço pela sua colocação. Aliás, talvez uma publicação com o mesmo peso, a maior editora do mundo, a G.P. Putnam’s Sons, em 1973 publicou uma antologia dos melhores contos mundiais daquele ano e o único representante brasileiro foi o meu “A escuridão”, traduzido para o inglês por Leo Barrow. É doloroso admitir, mas o establishment brasileiro segue o mesmo rumo das estatísticas da nossa ignorância literária em geral. Talvez por isso Fernando Henrique Cardoso tenha dito que somos um país caipira. Acrescente-se o tolo preconceito contra o gênero ficção científica, que os mal informados julgam pelos filmes B e pelas histórias em quadrinhos americanas, que o banalizam utilizando apenas temas como alienígenas, monstros e super-heróis.

 O desejo e o erotismo são a matriz de suas principais obras literárias. Estou pensando nos romances Piscina livre (1980) e Amorquia (1991), e na maioria dos contos de A máquina de Hyerônimus (1997), por exemplo. Em sua opinião, a chave de nossa transcendência não está na razão cartesiana, mas nos delírios do corpo sensível?

 Todos os delírios do erotismo e do corpo sensível, como você poeticamente afirmou, exigiriam um livro que fosse metade do entrevistador, metade do entrevistado. Nelson Rodrigues captou bem esse clima na sua dramaturgia. A mistura complexa das nossas etnias formadoras seria um ponto de partida. Sempre me impressionou nos Estados Unidos a diferença entre uma alegria ao estilo carioca, dos negros americanos quando reunidos em qualquer situação, contrastando com a sisudez dos brancos americanos, embora menos aguda que a dos britânicos.

Nelson Rodrigues é um dos teus dramaturgos prediletos? Qual a sua relação com o teatro? Você nunca se interessou em escrever também para o palco?

 Gosto muito de Nelson Rodrigues como retratista da realidade brasileira. Porém, prefiro peças mais arrojadas, como as de Arrabal, Sartre e Brecht. Escrevi uma vez uma peça que infelizmente não foi encenada. Chamava-se Azarada. A companhia que ia levá-la ao palco se dissolveu antes da estreia. E foi só essa experiência.

Muitos de seus personagens são publicitários ou ex-publicitários irritados com a profissão. Igual a outros escritores importantes, como Jamil Snege e Sebastião Nunes, você também trabalhou em agência de publicidade. Uns dizem que a publicidade também pode ser arte, outros dizem que isso é uma grande besteira…

 Acho impossível um bom publicitário que ignore a arte. É elogiável quando um comercial tem qualidades artísticas. Uma boa publicidade pode ser artística. É pena que nem sempre o produto tem as mesmas qualidades do anúncio. É pena também quando um bom artista gasta sua criatividade só na publicidade.

Outro de seus contos muito apreciado no Brasil e no exterior é “O homem que hipnotizava”, também de 1963, sobre um sujeito que aperfeiçoa a própria realidade por meio da auto-hipnose. Sobre esse assunto, a hipnose, você publicou dois livros teóricos. Em que circunstância aconteceu seu encontro com essa técnica de indução psicológica?

 O primeiro livro, O mundo misterioso do hipnotismo, foi publicado em 1963; o segundo, Manual de hipnose, em 1978. Descobertas e novidades cientificas sempre me fascinaram. A hipnose era algo revolucionário, mas pouco estudado no mundo e muito menos no Brasil. Comprei livros estrangeiros e cuidadosamente tentei com amigos algumas experiências de indução hipnótica. O sucesso que consegui rapidamente me impressionou e me motivou a seguir mais adiante. Naquele tempo eu estava mergulhado no estudo da psicologia e da psicanálise, e foi inevitável que eu utilizasse técnicas hipnóticas em alguns pacientes. À medida que minhas experiências avançavam em profundidade, eu me espantava que o assunto fosse ainda ignorado pela medicina brasileira. Escrevi os dois livros e posso dizer, através de uma só citação, que foram um grande sucesso. Carol Sonenreich, o grande cientista radicado no Brasil, classificou meus livros como os melhores até então publicados sobre o assunto. Acredito que pelo fato de eu ser escritor, minhas explicações técnicas são melhor absorvidas pelos leitores em meus contos. Tenho em meus arquivos um caso de processo criminal em que um indivíduo casado foi indiciado por ter usado a hipnose numa divisão de herança. Observei que, na literatura universal, a hipnose era explorada de maneira amadora, sem conhecimento científico. Me inspirou o fato de que a hipnose já estava sendo usada criminalmente na realidade, e usei então essa sugestão em textos ficcionais.

Amigos brincam que você é uma espécie de Leonardo da Vinci brasileiro. Além da produção artística e literária, seu apartamento está cheio de invenções, objetos e esculturas feitos de sucata…

 A pintura modernista foi para mim uma grande fascinação. De Chirico, Picasso, Pollock, não importa se abstratos ou concretos, todos que revolucionaram a visão do espectador, mostrando um mundo inventado pelo artista, me influenciaram. O uso do objeto tridimensional me permitia então experiências dentro da minha relatividade monetária. Comecei a explorar ferros-velhos por toda São Paulo, e quando visitei Manhattan foi como se descobrisse Shangri-la, nunca vi lixos tão ricos em toda espécie de objetos interessantes. Como herdei de meu pai uma loja de ferragens, sou até hoje um perito cortador de vidros usando diamante. Criei o que chamei de quadros dinâmicos, com diversos compartimentos de vidros com líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais. Manuseado pelo espectador, podem-se formar milhares de combinações plásticas. Pesquisei também na escultura com materiais que, solidificados, pareciam cristais. E, em Murano, até no chão resgatei pedaços de cristais de cores variadas que fazem parte de esculturas minhas. Como sou muito jovem, ainda tenho intenção de dar vida a diversas criações.

E o que nos diz sobre as oficinas de criação literária? Você coordenou várias, numa época em que não havia muitas. Agora há centenas. Que benefícios uma atividade como essa costuma trazer aos participantes?

 Tenho a impressão que a minha oficina, iniciada com algumas outras na casa que foi do Mário de Andrade, foi uma das primeiras em São Paulo. Durante anos essas oficinas funcionaram com grande sucesso e eu fico espantado como uma realização tão pródiga na ampliação da nossa cultura não tenha sido ampliada ainda mais. Em Curitiba, coordeno uma oficina há muitos anos, eficientemente secretariada pelo escritor Mustafá Ali Kanso. A palavra oficina é extraordinariamente adequada a esta forma de cultura direta e prática. Contos ou poemas elaborados pelos oficinandos (não chamo de alunos, pois muitos já têm livros publicados) são analisados de um ponto de vista construtivo, com um toque final dado por mim. A crítica coletiva possibilita uma visão magnífica sobre o trabalho e infunde um conhecimento prático da técnica literária com mais eficiência do que qualquer outro método. Espero que continuem ampliando essa prática para que novos e excelentes autores surjam dessa iniciativa.

Antônio Abujamra, do programa Provocações (TV Cultura), termina seu programa de um jeito que eu gosto: ele olha para o entrevistado e diz: “Qual pergunta importante, na sua opinião, ficou faltando eu fazer?” No seu caso, André, qual pergunta ficou faltando eu fazer? Algo que você sempre julgou importante, mas nenhum entrevistador pensou em perguntar.

 Nenhuma. Você é um ótimo psicanalista, suas perguntas são aquelas que induzem à confissão das nossas verdades. Você foi gentil não pedindo detalhes do golpe militar. Eu não posso falar mesmo dele, perco a calma porque o assunto é sempre triste. Ainda bem que entre altos e baixos a nossa democracia tem melhorado visivelmente.

Fonte:
Revista Cândido n. 16 – nov 2012 – Curitiba